Artigo de Vânia Mesquita Machado
Pediatra e escritora. Autora do livro Microcosmos Humanos. Mãe de 3. De Braga.
Era uma vez um povo.
À semelhança de tantos outros, organizara-se segundo leis, crenças e costumes ancestrais, existiam famílias, profissōes, uma sociedade com hierarquia e orgânica próprias,os humanos agrupados e em convivência secular criam hábitos próprios enraizados nas suas árvores genealógicas, alguns estilos de vida embrenhados no sangue e nas células como o genoma, outros aprendidos em prol da evolução do povo, extraídos do contato com outras civilizaçōes ou inventados ao sabor do acaso ou da inteligência.
Como tantos outros povos elegeu um líder.
Não interessam pormenores descritivos do que aconteceu, quais as manipulaçōes maquiavélicas relacionadas com interesses geo-políticos e económicos nos bastidores do cenário, interessam sim os “danos colaterais” no cenário, com atores e atrizes reais, sem formação em teatro, cujas vidas se transfiguraram em dramas hediondos, sujeitos à guerra civil que se despoletou nessa terra massacrada por um governo sanguinário.
Poderia ser o nosso povo, a nossa terra, afinal e embora entenda o conceito de pátria, cultura, ideologia, sentimentos de integração num grupo, seja um clube desportivo ou uma coletividade com interesse que partilhamos, ou qualquer forma de ocupar o tempo em que por cá deambulamos e que nos confere identidade, essencialmente somos todos humanos e foi a sorte que ditou o local onde pela primeira vez vimos a luz do dia, onde demos os primeiros passos, fomos crianças e depois crescemos.
Poderíamos ser nós, habitantes de uma pacata cidade embrenhados no dia-a-dia,vítimas inocentes de um abalo sísmico nas nossas rotinas. De um dia para o outro a vida um pesadelo interminável, o pânico constante, o terror da incerteza de quando a bomba ou o morteiro cairia do céu, chuva mortífera de um helicóptero cujos alvos éramos apenas nós, os inimigos éramos nós, pátria mãe ruim e desnaturada a rejeitar os próprios filhos.
Lares transformados em pó de escombros escuros, gritos dispersos, inferno na Terra, desespero de semanas, meses e anos de dor, desordem e caos.
Se fôssemos nós, sentiríamos intensamente a esperança da solidariedade gratuita.
Felizmente não vivemos na Síria.
Mesmo distantes, não podemos ficar indiferentes a uma organização de civis tão altruísta e generosa como os Capacetes Brancos.
Três anos depois de se agruparem aleatoriamente pessoas de todos as classes sociais e grupos profissionais, motivados unicamente pela vontade de salvar vidas humanas ( unicamente? Haverá algo mais valioso?), já ajudaram mais de 60000 pessoas, acorrendo aos locais onde os aguaceiros de bombas inundam as ruas de rios de sangue e destruição, desarmados, munidos dos capacetes como se fossem pombas brancas ou anjos, talvez sejam afinal anjos que Deus pôs na Terra, farto da crueldade de algumas das suas criaturas.
Sadicamente os bombardeamentos aéreos são muitas vezes repetidos nas zonas já atingidas. Os Capacetes Brancos não desistem, como lema a defesa implacável da vida humana, independentemente da religião ou cor da pele.
O corpo à bala pelo semelhante.
Nomeados para o Nobel da Paz, presumo que já o venceram, mesmo sem troféu.
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