Cancros do esófago, laringe e estômago matam mais no Minho. Comida e tabaco são algumas causas

No Dia Mundial do Cancro, mostrámos o 1.º mapa ibérico de mortalidade da doença
Mortalidade de cancro no esófago. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica

É na região do Minho onde existe uma maior prevalência de óbitos derivados dos cancros de esófago, estômago e laringe, de acordo com o primeiro atlas do cancro da Península Ibérica. Por outro lado, a região encontra-se a ‘verde’ nos cancros de pâncreas, bexiga, mama, pulmão e leucemia, em oposição a Espanha e, em alguns casos, ao resto do país.

No Dia Mundial do Cancro (04 de fevereiro), O MINHO mostra os resultados do ‘mapa’, onde é possível verificar a incidência de cancro por região, num estudo realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e pelo Instituto de Saúde Carlos III, de Espanha, onde foram analisadas 840 mil mortes provocadas por dez tipos diferentes de cancro ocorridos entre 2003 e 2012.

Consultado por O MINHO após contacto com o INSA, o atlas demonstra uma grande incidência relativamente aos óbitos por cancro do esófago na nossa região, ao contrário do resto da península. Por sua vez, o cancro da laringe tem maior prevalência na região raiana do Alto Minho, em concelhos como Valença, Melgaço ou Monção. Para encontrar igual, só no sul de Portugal. Já o cancro do estômago tem grande prevalência na região Norte do nosso país, incluíndo no Minho.

No sentido inverso, o cancro colorretal (cancro do reto, cólon ou intestino) tem uma incidência reduzida na nossa área, ao contrário da região centro e da área metropolitana de Lisboa. Já o cancro da próstata está disseminado por Portugal inteiro, ao contrário de Espanha, onde existe uma prevalência bastante menor destes tumores.

Cancro do esófago – um pesadelo no Minho. Baixo consumo de vegetais nas mulheres e consumo de tabaco e bebidas alcoólicas nos homens são os principais fatores de risco

De acordo com o atlas, é possível verificar que vários concelhos do distrito de Braga e Viana do Castelo formam o principal núcleo ibérico para a presença de cancro no esófago. Contudo, também a região da Galiza e das Astúrias, assim como parte da região centro de Portugal, são afetadas por este flagelo. A prevalência, na região do Minho, supera mesmo o limite máximo utilizado para este estudo, no que a número de casos diz respeito. De acordo com especialistas, a mancha ‘vermelha’ que afeta, tanto a Galiza como o Porto e o Norte de Aveiro, é originada no Minho.

Mortalidade pelo cancro no esófago. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica

Segundo as considerações dos especialistas que realizaram o estudo, estes resultados para o cancro do esófago parecem mostrar a existência de diferenças na distribuição dos fatores de risco, com especial enfoque na diferença entre sexos, estilo de vida e comportamentos. Um maior consumo de bebidas alcoólicas e de tabaco parecem demonstrar parcialmente uma maior prevalência nas regiões já citadas, sobretudo por parte dos homens. Já as mulheres têm associados fatores de risco como a obesidade e baixo consumo de vegetais e fruta. Porém, na região do Minho, o risco parece ser maior para mulheres, o que leva os especialistas a considerarem também a hipótese de se tratarem de factores socioculturais e do meio ambiente, para além dos hábitos de consumo já citados.

Mortalidade do cancro do esófago dividida por género. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica

Segundo dados do ano de 2018, e embora ocupe o 19.º lugar da tabela portuguesa para maior número de diagnósticos da doença, o cancro do esófago foi o 13.º que mais matou, de acordo com a Comissão Europeia. No total, em Portugal, morreram 540 homens e 59 mulheres nesse ano, devido ao cancro no esófago. A nível mundial, no mesmo ano, foram diagnosticados 572.034 novos casos, correspondendo a 508.505 mortes.

Cancro da laringe – Maior incidência no Norte encontra-se em Ponte de Lima, Paredes de Coura, Cerveira, Valença, Monção, Melgaço e Terras de Bouro

Outro tipo de cancro que se destaca na região minhota, sobretudo nos concelhos do interior de Viana do Castelo, é o da laringe. De acordo com o atlas, existem três pontos com um excesso de mortalidade em toda a Península Ibérica, dois deles em Portugal. Se, em Espanha, parece haver uma incidência mais concentrada nas zonas a Oeste do País Basco, a Este das Astúrias e a Norte de Castela e Leão, em Portugal há também uma prevalência na zona noroeste, que se prolonga para lá da fronteira Galega. Ponte de Lima, Paredes de Coura, Cerveira, Valença, Monção, Melgaço e Terras de Bouro são os concelhos mais afetados na região minhota (e, pode-se dizer, em quase todo o Norte e Centro do país). No entanto, e neste tipo de cancro em particular, a região mais preocupante em toda a península é a do sul, incluíndo Algarve e parte do Alentejo. Esta ‘mancha’ estende-se para a Extremadura e Andaluzia, em Espanha.

Mortalidade do cancro da laringe. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica

Concluem os especialistas que os padrões observados atribuem, novamente, os fatores de risco ao consumo de bebidas alcoólicas e ao tabaco. No entanto, o meio ambiente e o meio ocupacional mais rural também serão factores de risco.

Estes resultados demonstram que, entre 2003 e 2012 (período que é analisado), morreram na península 19.311 pessoas de cancro da laringe, 3.803 em Portugal, na sua grande parte homens.

Cancro no estômago – Norte de Portugal é a zona mais afetada em toda a península e a culpa pode ser dos hábitos alimentares e de uma bactéria

No que diz respeito ao cancro no estômago, a região Norte de Portugal é onde existe uma maior prevalência, embora (quase) todo o país esteja nas ‘linhas vermelhas’. Os distritos de Viana do Castelo, Braga, Porto, Aveiro e Vila Real são os mais afetados. Em Espanha, grande parte do país encontra-se com baixos níveis de mortalidade provocada por este tipo de cancro, embora os municípios galegos que fazem fronteira com Portugal (e com o oceano Atlântico), também demonstram números acima da média, assim como um grande ‘cluster’ de municípios da região de Castela e Leão.

De acordo com os especialistas, uma bactéria (Helicobacter) que provoca infeção do estômago é o principal fator de risco, e o mapa sugere que estará mais presente na nossa área habitacional. O consumo de tabaco, a exposição a fumos de indústrias de borracha e a radiação ionizante são outros fatores associados a esta prevalência, assim como os hábitos alimentares.

Mortalidade do cancro do estômago. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica

Entre 2003 e 2012 (período analisado pelo estudo), existiram 81.204 mortes causadas pelo cancro no estômago em toda a Península, 23.924 delas em Portugal.

Cancro da próstata – um pesadelo que afeta todo Portugal, com grande incidência em Braga, Esposende, Paredes de Coura e Cerveira. Genética e consumo diário de carne e gordura parecem ser as causas

Com exceção de algumas zonas do Algarve e Baixo Alentejo, bem como de Trás-os-Montes, o cancro da próstata tem causado elevado número de fatalidades um pouco por todo o país, ao contrário da vizinha Espanha, que conta com o seu mapa quase todo a ‘verde’.  Cerveira, Paredes de Coura, Esposende e Braga são os concelhos minhotos mais afetados por este tipo de cancro, enquanto Barcelos e Terras do Bouro é onde se regista a menor mortalidade. Há ainda uma faixa da Galiza que parece proveniente da ‘mancha’ minhota.

Em termos de causas para este efeito, e embora as mesmas não estejam bem estabelecidas, sendo até um dos poucos tipos de cancro onde não foi encontrado um agente cancerígeno concreto, a história familiar e fatores genéricos parecem ser as causas mais prováveis. Pelo menos é essa a suposição dos especialistas para explicarem a ‘mancha’ que vai do Minho até à Galiza. Outro fator que contribuiu é a obesidade e o consumo diário de cálcio, carne e gordura nos alimentos.

Mortalidade do cancro da próstata. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica

Cancro colorretal – Minho a ‘verde’, com exceção do concelho de Viana do Castelo e parte de Valença

Por outro lado, o Norte de Portugal, sobretudo os distritos de Porto e Braga, parecem ‘escapar’ às linhas vermelhas do cancro colorretal. Aliás, só o concelho de Viana do Castelo e parte do de Valença parecem demonstrar uma maior incidência da mortalidade neste tipo de cancro, que geralmente se situa no reto, no cólon ou no intestino. A parte que afeta Valença é, no entanto, continuidade de uma mancha mais estendida na região raiana da Galiza. Grande maioria das vítimas mortais são do sexo feminino.

De acordo com os especialistas, os principais fatores de risco são similares aos do cancro no estômago (consumo de tabaco e bebidas alcoólicas), com o acrescento do consumo de carnes vermelhas.

Mortalidade do cancro colorretal. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica

Este tipo de cancro matou, entre 2002 e 2013 (período analisado no estudo) 138.926 em Espanha e 35.226 em Portugal. Foi responsável por 14.1% da mortalidade por cancro em toda a Península.

Minho a ‘verde’ nos cancros de pâncreas, bexiga, mama, pulmão e leucemia

No que diz respeito aos restantes cinco tipos de cancros incluídos no estudo, a região do Minho está a ‘verde’, embora exista uma prevalência mais acentuada nos da mama e do pulmão.

Mortalidade do cancro no pâncreas. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica
Mortalidade do cancro da mama. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica
Mortalidade de Leucemia. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica
Mortalidade do cancro do pulmão. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica
Mortalidade do cancro da próstata. Fonte: Atlas para a mortalidade do cancro na Península Ibérica

De acordo com o INSA, “este relatório conjunto utiliza dados oficiais de mortalidade de cada país, além de métodos avançados de análise geográfica, o que permite identificar, pela primeira vez, manchas de distribuição transfronteiriça de alguns dos principais tipos de cancro”. Salienta ainda o instituto que “o documento final contou ainda com contributos de especialistas em cancro de cada país”.

Do lado português, para a realização deste estudo, colaboraram os especialistas José Dinis (Programa Nacional para as Doenças Oncológicas); Maria José Bento, Jéssica Rocha Rodrigues e Rui Henrique (Registo Oncológico Regional do Norte); Ana Pais, Joana Bastos e Branca Carrito (Registo Oncológico Regional do Centro); Ana Miranda (Registo Oncológico Regional do Sul); Gonçalo Forjaz e Raúl Rego (Registo Oncológico Regional dos Açores).

 
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