O executivo camarário de Guimarães votou favoravelmente um pedido de reconhecimento de interesse público (RIP) para a construção de uma fábrica de calçado, pela empresa AMF Shoes, no centro da freguesia de Urgezes. A ser construída a fábrica vai ficar paredes meias com duas escolas, o Centro de Saúde e a igreja, em pleno centro da freguesia. A proposta foi aprovada com os votos favoráveis da maioria socialista e com os votos contra do PSD e CDS.
A AMF Shoes pretende construir, no centro da freguesia de Urgezes, uma fábrica de calçado que Domingos Bragança classifica como “indústria 4.0”. A questão é que os terrenos em causa fazem parte da Reserva Agrícola Nacional (RAN) e, portanto, não podem ser usados para o fim que a empresa lhes pretende dar.
Para tornear a situação, a AMF terá que convencer o Ministério da Agricultura a desafetar os terrenos em causa da RAN. O primeiro passo, sem o qual o Ministério da Agricultura não poderia avançar, era conseguir que a Câmara Municipal de Guimarães reconhecesse o projeto como de interesse público. Foi isso que a AMF Shoes garantiu na última reunião de Câmara, na segunda-feira, dia 12 de julho.
A proposta, agora aprovada, afirma que “se deverão expressar como condições a observar no desenvolvimento do processo: a participação do requerente/promotor da intervenção na criação de espaço público qualificado através da cedência de terreno para espaço de socialização e lazer, equipamento e zona verde; participação do requerente/ promotor da intervenção na construção da rede viária se suporte à intervenção, sua efetiva concretização e ligação à rede viária existente; ao desenvolvimento de um edifício singular do ponto de vista arquitetónico e ambientalmente suportado em medidas ‘sustentáveis’ e inovadoras”.
O vereador do Urbanismo, Fernando Seara de Sá, confessou que a sua primeira reação ao projeto não foi favorável. “A minha primeira reação sobre a localização na proximidade de um centro cívico… trazer uma fábrica para o centro da cidade é sempre complicado”, reconheceu o vereador, arquitecto de formação. Seara de Sá referia-se à localização do projeto junto do centro nevrálgico da freguesia de Urgezes, junto a duas escolas, ao Centro de Saúde, à igreja e centro paroquial e a um recinto desportivo.
“Guimarães no século XIX teve fábricas no centro da cidade”
Contudo, o vereador acabou por encontrar argumentos favoráveis a que o projeto seja reconhecido como de interesse publico. “Guimarães no século XIX teve fábricas no centro da cidade, teve fábricas na Caldeiroa, a Fábrica do Arquinho”, apontou Seara de Sá. “A fábrica propõem-se criar uma zona que é compatível com o espaço urbano”, afirma o vereador e dá exemplos dessa compatibilidade referindo uma zona de escritórios, a loja de marca e de um espaço de coworking.
De acordo com a opinião do vereador do Urbanismo vimaranense, “a lógica de zonamento” cria problemas de mobilidade. Para Seara de Sá, deve-se “tentar, sempre que possível, aproximar as pessoas dos locais onde trabalham”. O vereador defende que, num centro cívico, “a densidade urbana pode passar também por densidade de trabalho”.
“Se a fábrica produzir emprego e isso for próximo do local onde as pessoas moram, se se conseguir separar o tráfego, acho que vale a pena experimentar”, afirma o vereador.
Ligação da autoestrada à rotunda da av. D. João IV fica inviabilizada
Quem não concorda nada com esta RIP é a oposição PSD/CDS. André Coelho Lima, em coerência com a proposta da Coligação Juntos por Guimarães, nas autárquicas de 2017, lembra que esta construção fecharia o canal que permite ligar a rotunda da autoestrada, em Urgezes, à rotunda da avenida D. João IV. “Para além de toda a polémica envolvida, esta solução inviabiliza completamente a ligação à saída sul da autoestrada”, afirma o vereador social-democrata, em declarações a O MINHO. “Aquele acesso à autoestrada está muito mais próximo do centro da cidade”, nota André Coelho Lima.
A Coligação Juntos por Guimarães, em 2017, preconizava uma ligação à autoestrada, a partir da rotunda da av. D. João IV, numa distância de 1,1 quilómetros, em que 700 metros seriam num túnel e que teria um custo de sete milhões de euros. É esta possibilidade que agora é posta em causa. “Seria uma ligação muito mais rápida do centro da cidade à autoestrada e aliviaria o transito na rodovia de Covas, melhorando os acesos para quem vem de Sul”, reafirma André Coelho Lima.
Para o vereador Seara de Sá, ligar a Av. D. João IV à autoestrada “não é uma solução interessante”. O vereador socialista vai mais longe afirmando que “a circular nunca vai ser fechada”.
Bruno Fernandes acha que a Câmara devia adquirir os terrenos
O candidato a presidente da Câmara de Guimarães pela Coligação Juntos por Guimarães, Bruno Fernandes, voltou a referir, relativamente a este caso, que “há uma total ausência de estratégia de captação de investimento, de instalação de novas empresas e de promoção do desenvolvimento económico do Concelho”. Bruno Fernandes afirma que as empresas se veem obrigadas a forçar o PDM, porque não há espaços preparados para as receber. “Se houvesse espaços de acolhimento empresarial devidamente planeados, estruturados e conjugados com as redes de transporte públicos, as empresas não seriam quase que obrigadas a encontrar soluções como esta que está a tentar ser conseguida. Os empresários não estariam a tentar forçar as condições do Plano Diretor Municipal para instalar as suas empresas”.
Para o candidato da Coligação (PSD/CDS), “o Município deveria até comprar esta zona para ali instalar equipamento público, zonas verdes, promover investimento urbanístico para a habitação a custos controlados”.
Sócio-gerente da AMF esteve primeiro com André Coelho Lima e depois com Domingos Bragança na campanha para as autárquicas de 2017
Além das questões que se colocam relativamente à pertinência da construção de uma fábrica de calçado junto de equipamentos como escolas, Centro de Saúde ou a igreja, o assunto reveste-se de outras polémicas. Albano Fernandes, sócio-gerente da AMF Shoes, durante a campanha autárquica de 2017, esteve presente numa ação da campanha de André Coelho Lima, a 9 de setembro, e a 23 do mesmo mês, o Partido Socialista publicou um vídeo em que o empresário dá o seu apoio a Domingos Bragança e faz o elogio às políticas socialistas.
Pela desafetação dos 47 mil metros quadrados da RAN, Albano Fernandes veria os terrenos em causa valorizarem três ou quatro vezes, a diferença entre o valor de um terreno agrícola para solos com aptidão para construir.
A Junta de Freguesia liderada pelo socialista João Oliveira, diz “nim”
A Junta de Freguesia não afronta a proposta, mas coloca-lhe uma série de condicionantes. O parecer da Junta começa por enumerar tudo o que foi pensado para aquele local: alargamento do centro cívico, criação de um parque de lazer e de um bosque, criação de uma resposta social para idosos (lar), a possibilidade de construção de habitação. Na opinião da Junta de Freguesia, o projeto “precisaria de um estudo urbanístico muito mais amplo, estudo urbanístico de toda a zona central da freguesia”.
Uma vez reduzidas as possibilidades para aquela zona à instalação de uma indústria, a Junta de Freguesia afirma: “Entendemos que, os restantes 27.000 metros quadrados, ou pelo menos uma parte significativa do terreno (nunca inferior a 20.000/15.000 metros quadrados) seja cedido ao domínio público”.
A AMF foi fundada em 1999, por Albano Miguel Fernandes. Inicialmente tinha 20 empregados e produzia diariamente 250 pares de sapatos. Atualmente a empresa emprega 80 pessoas e produz 1.500 pares de sapatos, num dia normal de produção.