2,8 milhões de euros em jogo. O Município de Braga interpôs uma ação contra um despacho do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública dando razão a um pedido de reversão da expropriação de duas parcelas de terreno, com 2,8 hectares, para o projeto do Parque Norte, a zona que ladeia o novo estádio municipal. Os proprietários insistem na reversão, pelo que vão contestar, tal como o deverá fazer o Governo, a petição camarária.
Conforme O MINHO noticiou, os donos dizem que os terrenos expropriados em 2000 para a construção do estádio e do Parque Norte valem 2,8 milhões de euros.
O Governo deu razão à família proprietária, representada por Maria Antonieta Campos Neves, atribuindo-lhe o direito de reversão, previsto no Código das Expropriações, Lei 168/99. Nesse sentido e caso a Câmara de Braga perca a ação no Administrativo, terá que devolver as parcelas aos proprietários, ou, em alternativa, de os indemnizar.
O despacho do Secretário de Estado da Descentralização e da Administração Local, de agosto de 2020, considera que aquela área, onde foi construído o quartel dos Bombeiros Sapadores e uma parte da Academia do SC Braga, não foi utilizada para a construção de um Parque da cidade, mas para outros fins.
Quando pediu a reversão, a família dizia que valem 100 euros o m2, mas o presidente da Câmara rejeita essa hipótese: “Estamos sempre disponíveis para ouvir propostas, mas não vemos como será possível pagar o que quer que seja a mais pelo que foi pago a peso de ouro “, afirmou, na ocasião, a O MINHO, o autarca Ricardo Rio.
Em 1999, a Câmara, então gerida pelo socialista Mesquita Machado, concluiu o levantamento dos terrenos onde o Parque Norte se desenvolveria, identificando 43 parcelas de terreno com a área global de 807.222 m2. Em janeiro de 2000 requereu ao Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território a expropriação das 43 parcelas.
Três argumentos
Na petição inicial, Paulo Viana deduz três argumentos: o de que a norma do Código de Expropriações que permite ao Governo ordenar a reversão de uma dada expropriação é inconstitucional, já que essa é uma competência dos tribunais: “no que ao caso importa, é de reter que o princípio da separação de poderes implica uma separação entre a Administração e a Justiça (que inicialmente se confundiam), retirando aos Tribunais a função administrativa e à Administração a função judicial”, diz.
O segundo argumento é o de que o vendedor dos terrenos, assinou em 2005 um contrato-promessa de compra e venda à Câmara de uma área de 13.457m2, (na qual se integram os 2,8 hectares agora reclamados) onde ficou escrito: “Os outorgantes chegaram a acordo com vista a pôr termo ao processo iniciado pela segunda outorgante com vista à reversão de parte dos terrenos expropriados”. E onde se acrescentava que, no contrato-promessa consta que “o valor será pago com a outorga do contrato nada mais tendo a exigir do Município relativamente aos terrenos expropriados”.
Evoca, ainda, um outro artigo do Código de Expropriações onde se refere que o “acordo entre a entidade expropriante e o expropriado sobre outro destino a dar ao bem expropriado…interpreta-se como renúncia ao direito de reversão”.
Ou seja, sublinha o jurista, a família Campos Neves dava-se como paga e concordava em não pedir a reversão.
Fins são idênticos
O terceiro postulado usado pela autarquia é o de que não houve alteração dos fins da expropriação, já que o quartel dos Bombeiros é uma estrutura municipal e a Academia do SC Braga prossegue fins de interesse público, semelhantes aos do município. “Ambos são fins de interesse público municipal”.
A Petição salienta que na memória descritiva do projeto para o Parque consta que “se estruturou os equipamentos em dois setores. O do estádio, no qual se inclui o pavilhão gimnodesportivo, deverá assumir uma leitura global sob o ponto de vista arquitetónico. Separado por uma praça-alameda arborizada encontra-se o setor de desportos de competição composto por duas piscinas, campo de ténis, ringue de hóquei e as infraestruturas de apoio e balneários. No topo sul está um campo de futebol de treinos e a pista de atletismo (…”). Assim, ficou clara a intencionalidade subjacente a tal iniciativa.
E prosseguindo, diz: “Em momento ulterior, entendeu o Município ceder uma parcela de terreno, sito no Parque Norte, ao Sporting Clube de Braga, para a construção de uma Academia, que consiste, essencialmente, num edifício destinado à formação e ensino de práticas desportivas. Afigura-se constituir entendimento pacífico que o facto de ser um terceiro a gerir a Academia, em nada afeta a finalidade da expropriação”.
Interesse público
Tanto mais que, – sustenta – pelo Despacho nº 4852/2016 do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, publicado no Diário da República, foi reconhecido “como sendo de interesse público a construção da Academia do clube”.
E escreve, ainda: “Na verdade, como resulta da Constituição, a promoção do desporto cabe ao Estado em colaboração com as associações e coletividades desportivas. Sendo certo que, em Portugal o desporto escolar não tem expressão e por isso são as associações e coletividades desportivas que desempenham o primordial papel na promoção do desporto, em todas as modalidades. Podendo (e devendo) até concluir-se que sem elas não existiria desporto em Portugal, seja amador, seja profissional”.
Paulo Viana acentua que o despacho fundamenta a criação da Academia como potenciadora da “generalização da prática desportiva”, o que se coaduna com a memória descritiva do Parque Norte.
E continuando na mesma ótica, assinala que o Sporting de Braga é uma pessoa coletiva de utilidade pública. E que, “numa área expropriada de 807 mil metros quadrados, para um projeto pensado em 1997 e aprovado em 1999, é natural que a dinâmica de evolução do concelho obrigue a mudanças no território!. A área ocupada pela Academia representa 1% da área total expropriada.
Reversão pedida 17 anos depois
Antes de concluir, sublinha que os donos vieram requerer a reversão em 2016, 19 danos depois da elaboração do projeto e 17 depois da sua aprovação.
“Não é possível pedir a uma entidade pública que ignore as alterações dos tempos e não procure adaptar um projeto de dimensão muito significativa a uma realidade que entretanto se alterou”, anota.
A terminar, recorda que, numa querela com similares contornos, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 2010, considerando que “é clara a necessidade de uma visão concertada de agregação funcional, dentro, naturalmente, de limites e dimensão razoáveis que não descaracterizem a natureza do equipamento em causa, ou seja (…) que não coloquem em causa, na sua unidade funcional, a expressão real do projeto…” Os juízes consideraram ainda “manifestamente mais defensável esta conceção do projeto urbanístico e dos equipamentos como instrumentos que devem ser apreciados e valorados no seu todo, de forma global e inter-relacional, à luz de critérios de integração e funcionalidade agregadora de vários componentes, ou seja, numa conceção tipológica, abrangente e não redutora (…)”.
Família vai contestar
Contactado a propósito, o advogado Luís Tarroso Gomes, que defende a família, disse que a ação camarária será contestada, mas não adiantando qual a forma como será rebatida. Sublinhou que, a Câmara, com exceção da eventual inconstitucionalidade de uma norma, não apresenta dados novos: “esta foi a argumentação que já havia apresentado ao governo e que não foi aceite”, sublinha.
Anteriormente, o jurista havia dito a O MINHO que a maioria da área da quinta expropriada foi utilizada para os fins previstos, uma alameda de acesso ao estádio, as piscinas e outros, mas a parte em causa foi usada para fins privados, no caso para a SAD do clube bracarense: “a Câmara não dialogou, nem quer fazê-lo, com os donos que souberam que os terrenos passavam para o clube pela comunicação social”.
O advogado afirma que os terrenos foram expropriados para a construção de um Parque de usufruto público, mas acabaram nas mãos de uma entidade privada, a SAD do SC Braga.