Um recluso de Braga viu esta terça-feira o Tribunal da Relação do Porto dar-lhe inteira razão, pois poderá recorrer sempre que tenha sido indeferido pelo Tribunal de Execução das Penas requerimento para as saídas precárias de estabelecimento prisional.
Na decisão proferida pela vice-presidente do Tribunal da Relação do Porto, juíza-desembargadora Maria Dolores da Silva e Sousa, revogou-se por inteiro um despacho do Tribunal de Execução das Penas do Porto que coartava liminarmente tal direito.
As chamadas saídas jurisdicionais, mais conhecidas como saídas precárias, destinam-se a ser gozadas por reclusos que reúnam condições para usufruir dessas medidas, que umas vezes são concedidas, mas outras vezes são recusadas, mas podem recorrer.
Até há algum tempo atrás, a interpretação dos tribunais era que de uma decisão do Tribunal de Execução das Penas, que fosse desfavorável ao recluso, este não poderia recorrer para a segunda instância, neste caso, o Tribunal da Relação do Porto.
Ao invés, já o Ministério Público, poderia recorrer, apesar de uma decisão de concessão ou não de saída precária afetar diretamente o próprio recluso, que não institucionalmente o Ministério Público, um paradigma que, entretanto, foi já alterado.
Há duas semanas, o Tribunal de Execução das Penas do Porto, um recluso a quem aquele mesmo tribunal de primeira instância, negou uma saída precária, pretendia recorrer para a instância superior, o Tribunal da Relação do Porto, mas negaram-lhe logo.
A decisão liminar de pura e simplesmente não deixar o recurso subir, para o Tribunal da Relação do Porto, partiu do próprio recorrido neste caso concreto, o Tribunal de Execução das Penas do Porto, mas foi superiormente corrigida já esta terça-feira.
O Tribunal de Execução das Penas do Porto tinha impedido a subida do recurso, referindo que “ressalvando o respeito, sempre devido, por entendimento diverso, a decisão em causa não admite um recurso, por para tal não existir previsão legal expressa”.
“Pelo exposto, por não ser legalmente admissível, não se admite o recurso apresentado a 18 de março de 2025”, com base no Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade e do Código de Processo Penal”, referiu-se no despacho.
Só que, não havendo hierarquia entre juízes, há hierarquia entre tribunais, pelo que o erro de interpretação da primeira instância, foi suprimido pela segunda instância, o Tribunal da Relação do Porto, com base no entendimento do Tribunal Constitucional.
O Tribunal da Relação do Porto considerou “assistir razão ao recluso recorrente, porque entendemos que a decisão proferida pelo Tribunal [de Execução das Penas das Porto], por afetar direitos fundamentais do condenado e a sua irrecorribilidade, tal como sufragado [no caso é o Tribunal de Execução das Penas do Porto] e por violar o princípio da tutela jurisdicional efetiva”.
“Tendo por base o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e, assim, também o recluso deve ter legitimidade para recorrer da decisão que lhe negou a licença de saída jurisdicional, para efeitos do que está estipulado no Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, o que vai ao encontro da regra geral Código de Processo Penal”, refere a Relação.
“Depois porque não parece nem certo nem adequado que o recluso se veja impossibilitado de agir na defesa dos seus direitos, dos quais é o interessado principal e seja remetido para o critério do Ministério Público, que poderá ou não agir pelas mais díspares razões, como vimos, vendo assim afastando-se e de forma uma inconsequente, sem poder interferir, um direito que ‘aparentemente’ lhe cabe”, ainda segundo se ensina com a decisão sumária desta terça-feira pelo Tribunal da Relação do Porto.
“Para quem se encontra a cumprir uma pena de prisão, a liberdade, temporária, mas não custodiada, inerente a uma saída de licença jurisdicional, não pode deixar de significar um bem de valor incomensurável, não só pela liberdade em si, como também pela relevância em termos de manutenção e promoção dos laços familiares e sociais”, afirma o Tribunal da Relação do Porto.
“Por outra, perspetiva, este reencaminhamento da tutela dos interesses do recluso para o Ministério Publico constitui uma menorização do próprio recluso, que é incompatível com a dignidade do mesmo, enquanto sujeito de direitos fundamentais, de acordo com a Constituição da República Portuguesa, consubstanciando uma desigualdade de direitos entre os sujeitos processuais, que se anuncia como uma fonte de restrição do direito ao recurso do recluso”, segundo afirma a Relação do Porto.
“Como justamente se refere na Constituição da República Portuguesa, ‘os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução’, ora, a licença de saída jurisdicional, à semelhança da liberdade condicional e de outras medidas aplicáveis no âmbito da execução da pena de prisão, constitui um ‘limite aos limites’ próprios da execução da pena de prisão, para mais justificado pela ideia de ressocialização que a própria pena de prisão também serve”, diz a decisão sumária, ditada pela vice-presidente da Relação do Porto, juíza-desembargadora Maria Dolores da Silva e Sousa.
“Tendo em consideração a jurisprudência do Tribunal Constitucional entendemos que a decisão de que se pretende recorrer é uma decisão que lesa diretamente direitos fundamentais, emitida por um Tribunal, que a atender-se à decisão em reclamação não teria qualquer grau de recurso, pelo que o parâmetro constitucionalmente relevante, eleito pelo Tribunal Constitucional para a conformação do direito ao recurso, encontra o substrato material na decisão de que se pretende recorrer”, acrescenta-se.
“O despacho de que se pretende recorrer põe em causa diretamente a colocação do recluso em liberdade temporária não custodiada, nos supra referidos termos ainda que por um período de tempo muito curto, mas periodicamente”, refere a Relação.
A decisão sumária, esta sim, totalmente irrecorrível, do Tribunal da Relação do Porto, vai ao encontro daquilo que era pugnado, pelas advogadas Bárbara Silva Soares e Ana Eduarda Gonçalves, com escritório em Braga, defensoras do recluso bracarense.
As referidas causídicas, na sua reclamação, citavam precisamente um Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional, do dia de 11 de março de 2025, publicado no site do Tribunal Constitucional e acessível a todos os portugueses” referiu a reclamação.
“O despacho proferido em 20 de março de 2025 a não decidir admitir o recurso à decisão de indeferimento/não concessão da licença de saída jurisdicional, é completamente ilegal e inconstitucional, in totum, motivo pelo qual deve ser imediatamente revogado e convertido em admissão”, salientavam as duas advogadas, a quem a Relação do Porto deu hoje a mais inteira razão.
“O despacho de 20 de março de 2025, aqui reclamado, reflete uma teimosia sintomática do Tribunal de Execução das Penas do Porto em não obedecer aos princípios constitucionais consagrados na Constituição da República Portuguesa, ignorando por completo aquilo que a Defesa tinha invocado no recurso quando referiu expressamente que o artigo 196.º número 2, do Código de Execução das Penas e Medidas de Segurança no sentido da irrecorribilidade estava tacitamente revogada”, referiu a Defesa.
“A existência de tal despacho leva agora a defesa a ter que reclamar para o Tribunal da Relação do Porto”, sendo aliás que “este trabalho que a Defesa está a realizar, era totalmente desnecessário se dentro do Tribunal da Execução das Penas do Porto houvesse mais comunicação e atenção às doutas decisões dos Tribunais Superiores, quando o mais alto tribunal português, é precisamente o Tribunal Constitucional”, ainda de acordo com as advogadas do Escritório da Soares, Gonçalves & Associados.