Um octogenário residente há mais de 20 anos num apartamento, do qual afirma ser dono, situado na Praça Paulo Vidal, em Lamaçães – uma das zonas mais valiosas da cidade de Braga -, acusa um outro bracarense – que também diz ser o verdadeiro dono do imóvel – de perseguições e ameaças à porta de casa.
O promotor imobiliário que fez negócio com os dois diz que o octogenário ali vive em regime de comodato e que o recente comprador é que tem a propriedade, mas o advogado do atual morador diz que o promotor não esperava que o octogenário “vivesse tanto tempo” e por isso é que avançou com a venda da casa a terceiros antes da sua morte.
João Rodrigues, de 87 anos, atual morador no apartamento, diz ter realizado, há mais de 20 anos, um contrato de permuta (troca) de uma casa com o maior promotor imobiliário de Braga, José Veloso de Azevedo, afirmando ter dado “onze mil contos” para ficar com o apartamento. O promotor diz que é mentira e que isso será esclarecido nas instâncias próprias.
Facto é que em 2022, o apartamento foi vendido a Fernando Magalhães, de 69 anos, que tem na sua posse escritura e registo predial onde é dito que João Rodrigues ali mora desde 20o2, mas apenas em regime comodato, ou seja, sem ter posse do imóvel.
Queixas-crime e PSP
Esta situação, que os tribunais vão resolver, tem causado queixas-crime e solicitações de intervenção da PSP. Recentemente, e pela segunda vez, o octogenário queixou-se ao Ministério Público de alegadas situações de ‘bullying’ para o “escorraçarem” do apartamento, atribuindo a responsabilidade ao comprador Fernando Magalhães.
O advogado Luís Miguel Sampaio, que representa João Rodrigues, diz que as ameaças e perseguições “continuaram mesmo desrespeitando um acordo feito em Tribunal num processo-crime na fase do julgamento onde foi feito um acordo entre os dois, em agosto de 2022, ficando obrigado o senhor Magalhães a deixar o senhor João em paz”.
João Rodrigues disse a O MINHO que na origem das “perseguições diárias” – testemunhadas por agentes das PSP -, está a posse do apartamento, afirmando ter comprado o mesmo “por onze mil contos ao promotor imobiliário José Veloso de Azevedo, de Braga”, com quem diz ter permutado “uma vivenda, depois de ter estado emigrado no Canadá”.
O octogenário diz que, desde o ano passado, a posse do apartamento passou a ser reclamada por um eletricista de Braga, Fernando Magalhães, que exibiu documentos e contrato de compra e venda, escritura, registo predial e o comprovativo de pagamento ao mesmo promotor imobiliário – José Veloso de Azevedo.
Advogado nega perseguições
A O MINHO, o advogado do novo comprador, Ricardo Miguel Cardoso, desmentiu as alegadas perseguições que o octagenário se queixa, referindo o causídico que “jamais o senhor Magalhães injuriou, assediou ou ameaçou o senhor Rodrigues”.
“O último contacto do senhor Magalhães com o senhor Rodrigues prende-se apenas com a necessidade de verificação do estado de conservação do imóvel para a contratação do correspondente seguro e de tal tem testemunhas”, referindo-se à última vez que a PSP foi chamada ao local para se tentar dirimir esse conflito.
O advogado diz que o “dissídio de base prende-se com questões relativas ao condomínio da fração e da correspondente dívida do senhor Rodrigues para com o senhor Magalhães, entendendo o meu constituinte que o senhor Rodrigues optou por uma estratégia de vitimização como forma de prevenir que lhe seja cobrado o que é devido, circunstância que se lamenta”.
Vive sozinho e precisa de ajuda
O problema não se resume a questões policiais e jurídicas, pois desde que o seu único filho, que consigo vivia, faleceu por covid-19, João Rodrigues passou a residir sozinho, dependendo da ajuda pontual de vizinhos até para lhe fazerem compras básicas, incluindo os próprios advogados, que recentemente o levaram de emergência à Urgência do Hospital de Braga.
“Eu paguei o apartamento mas querem escorraçar-me da minha própria casa, enquanto esse promotor imobiliário está há mais de 20 anos para fazer a escritura em meu nome, mas nunca o fez, apesar das minhas insistências permanentes para ele legalizar toda a situação”, disse o octogenário.
“Nas várias reuniões que eu tive com o senhor José Veloso de Azevedo, sempre na sede da sua empresa imobiliária, em Braga, ele disse-me sempre que não assumia nada, que o apartamento só seria desse tal Magalhães quando eu morresse, mas parece que ninguém esperaria que eu quase aos 90 anos ainda estivesse vivo, deve ser esse o problema”, acusa João Rodrigues.
Promotor imobiliário diz que o apartamento não é do octogenário
A versão do promotor imobiliário José Veloso de Azevedo, questionado por O MINHO, é oposta ao que diz João Rodrigues, afirmando que “esse apartamento onde lá mora foi vendido ao senhor Magalhães, por isso é dele com todos os direitos e deveres expressos nesse negócio e escritura realizada”.
Para o promotor, o que diz o octogenário são mentiras a serem apuradas nas “instâncias devidas, que apuram a boa ou a má fé dos atos”.
Questão de direito complexa
Acerca do imbróglio em torno do apartamento de Lamaçães, o advogado Ricardo Miguel Cardoso reconhece que “sendo uma questão de direito complexa e que terá de ser vista em sede própria”, mas diz “não poder entrar em grandes considerações quanto à circunstância do senhor Rodrigues se encontrar a ocupar o imóvel”, que garante, documentalmente, ser do seu cliente.
“Esclareço, no entanto, que o proprietário do apartamento é o meu constituinte, conforme, aliás, melhor resulta da escritura, registo e caderneta predial”, concluiu, mostrando esses mesmos documentos a O MINHO.
Advogado do octogenário acusa promotor de não fazer escritura
Luís Miguel Sampaio, reforçando as declarações do seu cliente, João Rodrigues, disse a O MINHO que “até à presente data José Veloso de Azevedo se recusa a fazer a escritura do Imóvel, depois de inúmeras tentativas extrajudiciais para resolver o problema e fazer escritura do apartamento, pois o Senhor Veloso recebeu o dinheiro na totalidade”.
“Neste sentido realizaram-se reuniões no escritório do senhor Veloso, onde nos mostrou sempre contratos de compra e venda feitos com um terceiro, de nome Fernando Magalhães, tendo o senhor Veloso, em tom arrogante, acabado por dizer que não esperava que o senhor João vivesse tanto tempo, pensava que iria morrer rápido”, acusou Luís Miguel Sampaio.
Nos últimos tempos, João Rodrigues passou então a ser assistido juridicamente por uma equipa de advocacia de Braga – Mónica Cunha e Luís Miguel Sampaio -, cujo acompanhamento não se limita à esfera legal, segundo este jurista, que está a coadjuvar a colega, afirmando a O MINHO que ajudam o “senhor João em tudo aquilo que ele precisa do ponto de vista humano”.
“O que me ensinaram no Conselho Regional do Norte da Ordem dos Advogados é que o melhor que há num advogado, é que ele está lá quando não há mais ninguém”, disse jurista, lamentando “que um homem sozinho e já com quase noventa anos de idade esteja a ser vítima de perseguições constantes, depois de ter pago o apartamento por inteiro”.