Um homem não acredita que a esposa terá encomendado o seu rapto, continuando a viver com ela, conforme afirmou durante o julgamento, ao final da tarde de sexta-feira, no Tribunal de Braga. Na verdade, até o procurador da República, Ricardo Tomás, tinha dúvidas, mas acabou por acusar Liliana A., de 42 anos, como a alegada mandante do sequestro do marido, Paulo C., de 39 anos, cometido a 200 metros do edifício da PJ de Braga.
O grupo de raptores foi desmantelado por inspetores da Secção Regional de Combate ao Terrorismo e Banditismo, da Polícia Judiciária do Norte, sediada no Porto, que também recolheu bastantes indícios e imenso material probatório, relativamente ao fogo posto que destruiu por completo a carrinha Peugeot 307, da vítima, nas imediações da Praia Fluvial de Cabanelas, em Vila Verde.
Os raptores, igualmente acusados de roubo e furto qualificado, levantaram 300 euros (em duas tranches) de uma caixa multibanco, em Mazagão, Braga, da conta da vítima, obrigada a revelar-lhes o código secreto.
Quase todos foram logo detidos pela PJ, quando já estava sob a mira da Esquadra de Investigação Criminal da PSP de Braga, mas as diligências tiveram de parar, pois face ao sequestro, o caso passou à alçada da Secção Regional de Combate ao Terrorismo e Banditismo.
Em meados de abril de 2021, aquela secção da Polícia Judiciária, baseada na PJ do Porto, tinha abundantes indícios que comprometiam Liliana A., mas teve que avançar com a operação detendo todos os suspeitos, menos a principal – enquanto mandante do crime de rapto -, porque o Ministério Público, através do procurador, Ricardo Tomás, do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP do MP de Guimarães), recusou à PJ solicitar detenção e buscas ao juiz de instrução, Pedro Miguel Vieira, magistrado que vai sempre para o terreno com a Polícia Judiciária.
Por isso, enquanto os principais elementos do grupo foram todos detidos, ainda em abril de 2021, a PJ só teve autorização para deter e buscar Liliana A., quatro meses depois, em agosto de 2021, depois de esta, alegadamente, ter apagado registos de telefonemas e mensagens do telemóvel, aquelas que a comprometiam, só que mesmo assim a PJ ainda conseguiu recuperá-las, salvando “in extremis” a investigação criminal.
A acusação do Ministério Público atribui a Liliana A. a autoria moral do rapto e as agressões ao seu marido, Paulo C., que teria sido “encomendado” pela esposa, consistindo o “plano” em deixar a vítima, abandonada nua, na Serra do Gerês, depois de levar uma sova, na madrugada de 08 de outubro de 2020.
Mas o plano não foi até ao fim, pois o sequestrado, já com o carro em andamento a alta velocidade, lançou-se para a estrada, tendo depois sido assistido no Hospital de Braga.
Esposa nega
Liliana A. nunca prestou declarações. Detida, mas numa fase inicial, a agora arguida, então ainda como testemunha, nunca admitiu sequer qualquer tipo de envolvimento seu no rapto do marido, tendo todos os arguidos que prestaram declarações já no julgamento reiterado, com bastantes pormenores, que se entrecruzarão, ter sido aquela a mandante do sequestro de Paulo C., supostamente por ciúmes, ao descobrir que ele “contratava ‘putinhas’ através do Instagram”.
Paulo C. assumiu, perante o Tribunal Coletivo, ter feito contactos por essa rede social para contratar serviços sexuais, mas que não foram avante. Revelou ao mesmo tempo que durante o percurso inicial do sequestro, os raptores criticaram-no por, alegadamente “falar com mulheres casadas”, o que no julgamento garantiu não ter dito.
A vítima admitiu casos fora da relação conjugal, “mas nunca com mulheres que soubesse serem casadas”. A juíza-presidente perguntou-lhe se não tinha conhecimento que também a esposa manteria um relacionamento, com o principal executante do rapto, João R., de 23 anos, um dos dois arguidos em prisão preventiva neste processo, ao que o homem disse “não acreditar”, razão pela qual nunca deixou sequer de residir com Liliana A., num apartamento da cidade de Guimarães.
A vítima processou todos os suspeitos à exceção da esposa, pedindo 20 mil euros por danos morais e mais sete mil euros, porque os raptores incendiaram o carro para apagar vestígios, designadamente impressões digitais, mas só depois de terem sido desmanteladas as melhores peças, vendidas a “Ricardo Espanhol”, que está a ser julgado à revelia.
Estes os factos mais salientes da última sessão do julgamento, que continuará na próxima quarta-feira, e em que o principal executor do rapto, tal como alguns dos outros seis acusados do crime, confessaram tudo ao pormenor.
Principal arguido já confessou tudo
O principal executor do rapto, João R., explicou detalhadamente depois de negar, acabaria por comandar o rapto, pelo que ia ganhar 1.200 euros, para depois distribuir pelos outros seis suspeitos, mas dinheiro que nunca recebeu, passando por isso a ameaçar a mulher da vítima, só tendo conseguido receber 100 euros por conta das despesas, tudo à margem do “prémio” que lhe teria sido prometido, confessando que por essa razão chegou a telefonar e a ameaçar várias vezes Liliana A., junto da casa da coarguida, em Guimarães.
João R., o principal arguido entre os executantes do rapto, fez uma confissão integral e sem reservas, dizendo ter sido “coagido” pela mulher da vítima a cometer o sequestro, “depois de ter mantido relações sexuais com ela”, referindo aos juízes que “se eu não o raptasse, ela garantiu que fazia queixa de mim por violação e tive medo, pelo que avancei logo para o rapto, com dois carros”, utilizando depois, segundo revelou no seu depoimento, um terceiro veículo, que era o da própria vítima do sequestro.
Ainda segundo a versão de João R., a preocupação da Lili [Liliana A., mulher da vítima e acusada de mandante do rapto] era não dar cabo do carro do marido: “Até ficou muito aflita ao saber que aconteceu ao carro, mas deu-nos o código do cartão multibanco dele, para levantarmos todo o dinheiro que tivesse na conta, o que fizemos, por pensarmos que o Paulo tinha morrido, ao atirar-se do carro, mas soubemos depois que tinha escapado, quando íamos fazer o terceiro levantamento, a conta já estava bloqueada”.
João R. também está a ser julgado porque, conforme confessou, deslocou-se desde Braga a Nisa, onde mora a mãe, soltando-lhe os cavalos e os burros da cerca, aproveitando a confusão para furtar eletrodomésticos, com a ajuda de outros arguidos, todos eles idos desde Braga até ao Alentejo, para furtar os bens mais valiosos da progenitora do suspeito.