Braga: Movimento ajuda reclusos nos pedidos de ‘saída precária’

 Acórdão Fischer decisivo para a mudança de paradigma
Foto: Joaquim Gomes / O MINHO

À terceira foi de vez e a partir de agora qualquer recluso que veja indeferido um pedido de “saída precária” de alguns dias, na sua fase de prisão efetiva, por parte do Tribunal de Execução das Penas, pode finalmente recorrer para o Tribunal da Relação, de modo a ter um duplo grau de apreciação judicial, o que passará já a letra de lei, segundo decidiu o Tribunal Constitucional.

Até agora tal situação não era possível, enquanto o Ministério Público poderia sempre recorrer, apesar de não ser diretamente interessado, mas por força de um amplo movimento, impulsionado, em grande parte, por um cidadão bracarense, José Miguel Fischer, que chegou a alegar a inconstitucionalidade dessa norma, através do chamado Acórdão Fischer, mudou o paradigma.

O próprio Ministério Público entendeu que era inconstitucional essa mesma norma do Código de Execução das Penas, tendo o Tribunal Constitucional decidido, pela terceira vez consecutiva, pela não constitucionalidade, pelo que passa a ser possível um recurso ao Tribunal da Relação de uma decisão do Tribunal de Execução das Penas, que indefira a pretensão de um recluso. 

Para o Tribunal Constitucional, o direito ao recurso de indeferimento judicial de uma ‘saída precária’ justifica-se, porque “a decisão de concessão da adaptação à liberdade condicional configura descompressão significativa dos direitos fundamentais, face à execução da pena num estabelecimento prisional e uma vez que é executada em regime de permanência na habitação”.

Esta mais recente decisão do Tribunal Constitucional estriba-se também numa declaração de voto do juiz-conselheiro Pedro Machete, segundo a qual “a fruição de bens fundamentais (…), como, por exemplo, poder estar com o cônjuge e com os filhos, residir na sua própria casa, receber aí os seus amigos e tudo o mais que se possa incluir no conceito amplo e indeterminado de adaptação à liberdade condicional”, previstos no Código Penal, constituem bens fundamentais, que têm de ser salvaguardados.

“Para quem se encontra a cumprir uma pena de prisão intramuros, tal não pode deixar de significar um bem de valor inestimável e a própria Constituição da República Portuguesa valoriza e protege tais interesses: entre outros, a reserva da intimidade da vida privada e familiar na sua própria habitação, a liberdade de comunicação e de informação, incluindo o acesso às redes informáticas ou o exercício da parentalidade”, ainda segundo a posição de Pedro Machete, que teve agora inteiro acolhimento.

Fischer, de vencido a vencedor

José Miguel Fischer afirmou a O MINHO “congratular-me com a decisão do Tribunal Constitucional em reconhecer o direito ao recurso por parte de um recluso”, por exemplo, caso não lhe seja concedida uma ‘saída precária’, dizendo que “não fazia sentido nenhum que o principal interessado fosse impedido de recorrer de uma decisão de negação quando o recluso, segundo o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, mantém a titularidade dos seus direitos fundamentais”.

“Finalmente ocorreu uma inversão total da primeira linha jurisprudencial, que era errada, levando-me a ter processado o Estado Português, junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, salientou José Miguel Fischer”, destacando que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem deixou fortes recomendações ao Estado Português, que estão agora a ser acatadas pelo Tribunal Constitucional a todos os reclusos, sendo uma grande vitória, porque revitaliza o Estado de Direito e a Democracia”. 

“Falta agora o legislador português cumprir a segunda parte, que é alterar o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, em face das várias decisões do Tribunal Constitucional, passando a permitir ao recluso o recurso de decisões que lhe neguem as concessões de liberdades, seja a jurisdicional ou a de antecipação”, de acordo com a sua opinião.  

“Além disso, falta o legislador português, através da Assembleia da República, dar resposta à petição de perdão/amnistia dos 50 anos do 25 de Abril, ocorridos em 2024, petição com mais de cinco mil assinaturas, obrigando à sua discussão em Plenário na Assembleia da República, que já deveria ter ocorrido, mas não sabe sequer quando se realizará”, refere José Miguel Fischer.

“Sendo verdade que o anterior Governo, liderado pelo Doutor António Costa, do Partido Socialista, caiu só por força de um parágrafo, o país foi então a eleições, temos novo Governo formado e em funções, mas um tal diploma de perdão/amnistia criminal/fiscal e contraordenacional, é uma necessidade urgente para todos os cidadãos”, ainda segundo José Miguel Fischer.

“E mais uma vez a Assembleia da República e o Governo atiram para debaixo do tapete a discussão e quiçá a promulgação de uma Lei de Amnistia., em comemoração dos 50 anos de Liberdade, por referência à data do 25 de Abril de 1974, sendo que um perdão/amnistia abrange cidadãos reclusos e outros em liberdade, sabendo-se que o sistema está a rebentar dentro e fora das prisões”, considera José Miguel Fischer, referindo-se principalmente ao sistema prisional português e à reinserção social.

“Se o Doutor Mário Soares fosse vivo, ao tempo que esta lei de amnistia já tinha sido aprovada, promulgada e executada, mas na realidade estamos no mês de novembro de 2024, já com o ano acabar, só que ninguém fala no assunto, por culpa do Estado Português, que se esquece constantemente dos seus concidadãos”, ainda segundo o vencedor de um dos três acórdãos decisivos.

“Pedro Machete foi um visionário”

Entretanto, por uma infeliz coincidência, ocorreu este fim de semana o falecimento do juiz-conselheiro Pedro Machete, que neste caso concreto teve um papel fundamental, como considerou, já a propósito, José Miguel Fischer, numa nota de epitáfio.

“Quando tomei conhecimento do falecimento do Senhor Conselheiro Pedro Machete, fiquei bastante triste e até emocionado”, afirmou o mesmo cidadão, realçando que “o Direito e a Justiça ficaram muito mais pobres, porque se tratava de um guerreiro e de um homem dos seus próprios pensamentos”, afirmou a O MINHO José Miguel Fischer, acerca do falecimento do jurista.

“O Conselheiro Pedro Machete foi um visionário que passou de vencido, em 2014, a vencedor, e 2024, tendo sido o único que teve a enorme coragem de dizer que eu tinha toda a razão, porém como ele estava isolado, naquele acórdão não vencemos (nem eu, nem o Senhor Conselheiro Pedro Machete, vencemos, dez anos depois, sempre com a consciência tranquila”, segundo José Miguel Fischer, endereçando “uma mensagem de paz e de força para todos os seus familiares e a todos os seus amigos”.

 
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