O ex-provedor da Irmandade de Santa Cruz, Luís Rufo, que está a ser julgado por alegado crime de burla tributária contra a Segurança Social (SS) de Braga, acusa aquela instituição de não ter estado presente quando o lar de idosos mais precisava, especialmente na fase da pandemia, afirmando nunca ter esperado sentar-se no banco dos réus, depois de “um trabalho voluntário” de oito anos.
Luís Rufo, investigado noutro processo por suspeitas de falsificar as suas notas do curso de Direito e exercer assim de uma forma fraudulenta a profissão de advogado durante 30 anos, responde neste caso por alegada burla tributária, porque enquanto era provedor a Irmandade de Santa Cruz recebeu 52 mil euros, em nome de um casal abastado de Cabeceiras de Basto, que nunca viveu permanentemente no lar de idosos, pagando 200 mil euros, por um quarto vitalício, em 2008.
Segundo o antigo provedor da Irmandade de Santa Cruz, Luís Rufo, que agora já se reformou da atividade de advogado, enquanto decorrem investigações do Ministério Público e da Ordem dos Advogados em relação ao seu alegado exercício ilegal da profissão, a SS de Braga “portou-se sempre como patroa e não como parceira”, da Irmandade de Santa Cruz, durante todas as inspeções que fazia à instituição.
Luís Rufo afirmou que a SS “já há mais de três anos que não atualiza as comparticipações com os idosos”, revelando que “em média cada utente custa 1.200 euros para a Irmandade de Santa Cruz, havendo um défice permanente de 200 euros, porque a nossa instituição paga 540 euros e a Segurança Social arca com 460 euros, pelo que temos de vender património para manter uma atividade de há 440 anos”.
Ainda de acordo com Luís Rufo, que cumpriu dois mandatos à frente da Irmandade de Santa Cruz, em Braga, “só com as despesas de pessoal a instituição tem encargos superiores a 100 mil euros por mês, às vezes além de vendermos património”.
“Temos de pedir dinheiro emprestado para servirmos os nossos idosos, eu próprio já tive de emprestar dinheiro várias vezes à Irmandade, inclusivamente para pagarmos atempadamente as prestações sociais dos nossos trabalhadores”, declara.
“Durante oito anos consecutivos prestei serviços jurídicos inteiramente gratuitos à Irmandade de Santa Cruz e abdiquei sempre dos 2.332 euros mensais a que tinha direito por lei, enquanto provedor, fui louvado pela Arquidiocese de Braga, a instituição recebeu a Medalha de Ouro da Câmara Municipal de Braga, aguentámos ao longo da pandemia de covid-19, tudo fizemos em prol dos idosos, de uma forma desinteressada, vendo-nos agora sentados no banco dos réus”, salientou Luís Rufo, de 67 anos, natural da freguesia de Areosa, em Viana do Castelo, e residente no Bom Jesus, em Braga.
Tal como Luís Rufo estão a ser julgados o seu antecessor no cargo de provedor da Irmandade de Santa Cruz, Carlos Vilaça, bem como a diretora técnica do lar de idosos, Liliana Cerqueira, para além da própria instituição, também acusada do crime de burla tributária, cometido contra a Segurança Social entre 2013 e 2019. A Irmandade de Santa Cruz já devolveu 52 mil euros, indevidamente recebidos, além de mais de mil euros em juros.
MP pede condenação para todos
Entretanto, a procuradora do Ministério Público pediu a condenação para todos os arguidos, alegando que nem o casal vive permanentemente no lar de idosos, nem sequer alguma vez teve necessidades financeiras, pelo contrário. O marido, Januário Oliveira, ainda tem atividade profissional enquanto industrial, logo não deveria a SS ter pago um cêntimo que fosse pelas suas estadias ocasionais na instituição, dele e da sua esposa, Miquelina Oliveira, esta reformada.
A SS de Braga, através do seu advogado, Cardoso Caldas, pediu a condenação dos dois ex-provedores, da diretora técnica e ainda da instituição particular de solidariedade social, alegando estarem em causa dinheiros públicos e escassos, que não podem ser alvo de descaminho, afirmando que “esses recursos, porque nunca chegam para tudo, têm de ser gastos com probidade, não se justificando haver comparticipação social para um casal sem problemas financeiros”.
Já a defesa pediu a absolvição total, argumentando que os ex-provedores e a diretora técnica nunca tiveram qualquer intenção de enganar a SS, nem consciência de ilicitude, ao indicarem nome do casal para comparticipações sociais, “que foram recebidas de acordo com aquilo que estava protocolado”, isto é, para os utentes com mais de 65 anos, como disse nas alegações finais o advogado Manuel Vieira, que defende a Irmandade de Santa Cruz e Liliana Cerqueira.
A advogada Maria Helena Alves, que defende o ex-provedor Luís Rufo, rejeitou existir qualquer tipo de burla tributária, ao contrário do que consta na acusação do Ministério Público e sustentou o julgamento, porque, tal como referiu o colega, Manuel Vieira, “nunca houve meios fraudulentos” com a indicação do nome do casal abastado nas listagens enviadas da Irmandade de Santa Cruz para a Segurança Social de Braga, em que, argumentou, “ninguém escondeu nada de ninguém”.
Para o advogado José Manuel Tarroso Gomes, defensor do antigo provedor Carlos Vilaça, “nunca a Segurança Social de Braga alguma vez chamou a atenção para eventuais irregularidades, pois caso contrário o meu cliente teria imediatamente reparado a situação”, alegando que “este julgamento só existiu por o casal de utentes em causa não ir à Loja do Cidadão alterar o seu local de residência, de Arco de Baúlhe, em Cabeceiras de Basto, para a Irmandade de Santa Cruz, em Braga”.
“Foi tudo por uma questão burocrática, porque bastariam 15 minutos, para essa questão, meramente formal, ter sido logo ultrapassada, o que a ter acontecido evitaria que estivéssemos aqui agora neste julgamento”, salientou o advogado José Manuel Tarroso Gomes, reforçando que “à Segurança Social também cabe fazer pedagogia junto das instituições como é o caso da Irmandade de Santa Cruz e das suas congéneres, avisando atempadamente para as eventuais irregularidades”.