A Câmara de Braga está a implementar um modelo ‘pop-up’ de vias partilhadas entre veículos automóveis e bicicletas. Em comunicado, a autarquia refere que se trata de “um projeto de segurança rodoviária e de promoção da mobilidade ciclável”. Mas o presidente da Associação Braga Ciclável garante que a medida não garante segurança aos ciclistas e reivindica ciclovias e medidas efetivas de acalmia do trânsito. Acrescenta que estas linhas pintadas no chão carecem de regulamentação.
O município considera que este modelo “testa novas estratégias para a circulação de bicicletas e efetua a ligação em rede ao centro da cidade, principais estabelecimentos escolares e outros polos geradores de mobilidade através de ruas secundárias”.
A autarquia considera “determinante reduzir a sinistralidade rodoviária e, para tal, a velocidade de circulação automóvel tem que ser compatível com os modos suaves. Em zonas habitacionais, bem como na proximidade de equipamentos como as escolas, a velocidade de circulação deve ser inferior a 30 km/h”.
A Câmara diz que o projeto está integrado numa estratégia global definida para a concretização da rede ciclável do concelho e pretende ser o “prenúncio da mesma na definição de uma rede mais segura, direta e coerente, construindo-se uma cidade mais democrática nas formas de mobilidade”.
“Assim, o projeto será complementado com medidas de acalmia e com a restante rede ciclável segregada que está prevista”, acrescenta.
Os circuitos interligados entre si estabelecem ligação entre locais estratégicos da cidade como a Universidade do Minho (ciclovia da Variante da Encosta), o Conservatório Calouste Gulbenkian, a Rua 31 de Janeiro (via ciclável Rio Este), a Escola Carlos Amarante, a Escola Francisco Sanches, o Colégio D. Diogo de Sousa, a Escola Sá de Miranda, a Escola Dona Maria II, a Escola André Soares, a Escola Alberto Sampaio, a Residência Universitária de Santa Tecla, a Avenida da Liberdade, o Parque da Ponte ou o Altice Forum Braga.
Segundo a Câmara, “para a sua implementação foram delineadas medidas de acalmia de tráfego que chamam a atenção do condutor para a necessidade de coexistência com outros modos e de redução da velocidade de circulação nas vias em questão, garantindo-se que a partilha com o automóvel é efetuada de modo seguro”.
Assim, explica o município, a primeira fase consistiu na pintura no pavimento de símbolos de bicicleta, bem como sinais de velocidade máxima 30 km/h e ainda uma linha contínua bordô (corresponde à cor a utilizar nas ciclovias que serão criadas e nos lugares de estacionamento) no eixo de cada via de trânsito na qual os ciclistas podem circular. Estas marcações criam um efeito visual bastante marcante que consciencializa os automobilistas e aumenta a sua atenção para os modos suaves.
Numa segunda fase serão criadas medidas adicionais de acalmia de tráfego, tais como o estreitamento de vias de trânsito em zonas pontuais específicas e a criação de faixas centrais de 1,50m de largura em betuminoso, em ruas cujo pavimento atual seja em cubo de granito.
“Pretende-se com isto que o piso seja confortável para os veículos suaves, mas continue a existir algum atrito na área de passagem dos rodados dos automóveis”, reforça a autarquia, concluindo que a implementação destas medidas funcionará como veículo para a transformação efetiva das deslocações quotidianas, “num processo que se prevê tornar-se progressivamente mais incontornável”.
“O incentivo aos modos suaves incute um efeito crescente de procura e fará com o que o Município detenha mais informações para a implementação das medidas físicas, consistindo assim mais um passo para a criação da rede definitiva”, conclui o comunicado.
“Esta medida não resulta em mais segurança”
Mário Meireles, presidente da Associação Braga Ciclável, é crítico deste modelo que, considera, não trará acréscimo de segurança a quem quer andar de bicicleta na cidade. “Está-se apenas a fazer marcação da bicicleta no chão e do sinal 30 e um sinal de trânsito a dizer que é proibido circular ali a mais de 30km/h. Sendo que, quando falamos na Rua D. Pedro V, por exemplo, o problema é a falta das medidas efetivas de acalmia de tráfego. Não é por terem lá o sinal vertical nem o sinal no chão, que as pessoas vão começar a andar abaixo de 30. Fazem falta as passadeiras sobrelevadas, fazem falta mais gincanas, fazem falta os estreitamentos de vias”, defende em declarações a O MINHO.
O dirigente acrescenta que, noutras ruas, como a 25 de Abril ou a Avenida da Liberdade, “não se justifica de todo colocar esta marcação no eixo da via, porque a coexistência já existe desde 1920 e não são apenas estas marcações que vão garantir mais segurança às pessoas que queiram andar de bicicleta”.
“O que nessas grandes avenidas fazia realmente falta e que já estava previsto e até aprovado em reunião de executivo é a implementação do projeto para reorganizar aquele espaço para que ali possam existir ciclovias, espaço para o transporte público e espaço para o carro, porque ali cabem os três modos. E aí sim haveria segurança para quem quer andar de bicicleta”, vinca Mário Meireles, dando ainda o exemplo da Avenida 31 de Janeiro.
“Não faz sentido nenhum pintar ali um passeio de vermelho para se dizer que tem um ciclovia. É o que está previsto fazer, espero que não o façam, por diversas razões. Primeiro, porque tecnicamente é algo que se diz para não se fazer e também porque vai criar confusões com os peões”, aponta.
Resumindo, Mário Meireles considera que “esta medida não resulta em mais segurança” e não convence novos utilizadores de bicicleta.
“O que os bracarenses dizem – e isso está demonstrado na minha tese de doutoramento – aqueles que não andam de bicicleta não andam porque a infraestrutura lhes mete medo e só o passariam a fazer se existissem ciclovias nas principais avenidas. É isso que falta: acalmia de tráfego efetiva e ciclovias onde se justifique”, reforça.
Falta de regulamentação
Mário Meireles refere que em Lisboa este modelo também foi implementado de uma forma “parecida” mas apenas em locais onde não era efetivamente possível construir ciclovias e “onde a acalmia de tráfego foi efetivada”. Mas tanto num caso como noutro, ressalva, as linhas “não estão regulamentadas”.
“O Código da Estrada e o Regulamento de Sinalização do Trânsito em nada prevêm uma linha contínua nem vermelha nem verde, isso é um problema. Aqui há uns tempos a ANSR levou a que um município que tinha pintado uma passadeira para assinalar o Dia Mundial LGBT a retirar a pintura por não cumprir a regulamentação e para não criar confusão nos utilizadores da via”, exemplifica.
“Temos ali uma linha vermelha contínua que não sabemos o que é aquilo porque não está regulamentada”, vinca o presidente da Braga Ciclável, reiterando, contudo, que “a diferença em Lisboa é que primeiro foram implementadas medidas de acalmia do tráfego”.
“Além disso, a grande implementação em Lisboa são as ciclovias, só depois em vias mais secundárias e estreitas, onde efetivamente não cabe uma ciclovia, foram implementadas estas zonas com acalmia de trânsito”, remata.