Neste Artigo
- Grande Porto em silêncio porque “Deus está em todo o lado”
- Autópsia inconclusiva aguarda mais dados
- Alugou carro na Maia e veio para Braga
- A chamada “Pista de Braga”
- Absolvido duas vezes no processo “Aquiles”
- Amigo de Bruno “Pidá”
- Família ainda aguarda pela entrega do corpo
- A equipa da PJ do Porto que acabou com a “Máfia de Braga”
- Sistema judicial dava “pouca credibilidade” às suas declarações
- Acórdão da “Noite Branca” em que foi testemunha
- Acórdão no caso de rapto e tortura de que foi vítima:
- Outros dois casos de desaparecimentos
José Pires (“Pirinhos”) foi torturado, antes de morto, cortando-lhes os dedos, o que reforça a tese de um “ajuste de contas”, na origem do crime, tendo o cadáver sido encontrado domingo, em Braga, quando estava desaparecido faz segunda-feira um mês.
A tese de “ajuste de contas” é a mais provável, mas continuam em aberto “todas as hipóteses”, de acordo com as investigações da Diretoria do Norte da PJ, que já andava com o caso, antes de encontrado o corpo, em Braga, faz este domingo uma semana.
O corte dos dedos da vítima, para além da tortura, eventualmente visando obter mais dinheiro (e que não seria pouco, segundo sabe O MINHO), é um “castigo” para quem não paga nada ou só paga a parte de uma dívida e daí a tese de “ajuste de contas”.
A haver “ajuste de contas” seria por uma eventual “banhada” (para quem fica sem dinheiro na sequência de uma negociata ilegal) cometida por José Manuel Barbosa Pires, de 52 anos, natural e residente em Gondomar.
Grande Porto em silêncio porque “Deus está em todo o lado”
O trabalho da Polícia Judiciária está a ser muito dificultado pela “Omertá” (a “Lei do Silêncio”), regra sagrada que impera não só, mas também, no ambiente noturno do Grande Porto, comentando-se, a propósito, na cidade, que “Deus está em todo lado”.
Esta última frase significa, na gíria criminal, que em qualquer lado poderá estar sempre alguém que avise os responsáveis pelo crime, sendo que em caso de haver fuga de informação, os autores da morte saberiam, pagando muito certamente com a morte.
A hipótese de uma “vingança” por “Pirinhos” eventualmente colaborar com as autoridades policiais estará completamente fora de hipótese, até porque “não morreria de amor” pelas forças de segurança, às quais se esquivava sempre nos seus julgamentos.
No entanto, o cadáver tinha os sapatos calçados normalmente, sendo habitual que em caso de “vingança” e “para dar o exemplo”, costuma a vítima mortal de uma delação à polícia ser encontrada com os sapatos calçados ao contrário, uma situação que não foi o caso.
Autópsia inconclusiva aguarda mais dados
Inspetores e peritos da Secção Regional de Combate ao Terrorismo e Banditismo, da Diretoria do Norte, participaram na terça-feira na autópsia à vítima, no Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, nas instalações do Hospital Central de Braga.
A autópsia foi considerada “inconclusiva”, quanto “à causa direta e necessária da morte” de José Pires, mas há esperança dos exames complementares a vestígios, retirados do cadáver e do vestuário da vítima, possam esclarecer algo mais sobre o crime.
Aqueles profissionais da Polícia Judiciária, baseados no Porto, têm-se desdobrado em diligências, mas no caso de Braga, há a dificuldade relativa à ausência de câmaras de vigilância nas imediações onde foi deixado o cadáver da vítima na mala do carro.
O local é ermo, especialmente de noite, situando-se no Nor-Noroeste debaixo do viaduto oblíquo, de cerca de 100 metros, da Variante Norte da Estrada Nacional 14 (Braga-Porto), sendo à partida a zona ideal para se deixar um cadáver, sem ser filmado.
Não há estabelecimentos em redor, já que os dois últimos cafés da zona fecharam há algum tempo, um por falta de clientela e o outro devido a mau ambiente a cenas de tiroteio, ao fundo da Rua Abade da Loureira, na freguesia de São Vicente, em Braga.
Alugou carro na Maia e veio para Braga
Segundo O MINHO constatou no local, o automóvel, da marca e modelo Fiat 500, de cor branca, tinha sido alugado por José Pires, aquando do desaparecimento, a 26 de maio, nas cercanias do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, na Maia, perto do Porto.
Por pedido da Polícia Judiciária do Porto, a PSP e a Companhia de Bombeiros Sapadores de Braga mantiveram um mutismo, na tarde do passado domingo, isolando a área e desencarcerando o cadáver da mala do automóvel, de uma forma muito sigilosa.
Só assim foi possível a serenidade necessária para o trabalho dos peritos oriundos da Polícia Judiciária do Porto, que montaram uma tenda branca, mas opaca, utilizada em determinados cenários de crimes de homicídios, sempre longe das vistas de mirones.
A chamada “Pista de Braga”
A equipa da Polícia Judiciária do Porto que investiga os crimes mais graves e complexos contra a vida humana e em sociedade, estarão a explorar a chamada “Pista de Braga”, que assentará em alguma ponta solta do todo o novelo que envolve o assassínio.
É convicção de toda a gente que só quem sendo de Braga, ali vivendo ou tendo um bom conhecimento da cidade que é a capital do Minho, escolheria os baixos do viaduto entre a Rua Abade da Loureira e o Bairro da Misericórdia, para abandonar o cadáver.
Mesmo tratando-se eventualmente de suspeitos da região do Grande Porto, poderá tratar-se de alguém com ligações fortes em Braga, inclusivamente com uma “casa de recuo” nesta cidade, como sucederá com pelo menos um dos “suspeitos do costume”.
As pessoas têm medo de passar por aquela zona, em especial durante a noite, por ser local de consumo de drogas e de dormida para os sem-abrigo, o que não tem sucedido, o último dos quais, o célebre “Canelas”, foi o último a sair dali com a sua roulotte.
Mas continua a haver consumo de droga debaixo do viaduto, em ambas as partes, entre o empedrado da Rua Abade da Loureira e da Rua D. Francisco de Noronha, bem como encontros sexuais de ocasião, em automóveis, naquela zona de estacionamento.
Tal como nos meandros do submundo da noite, na zona onde foi encontrado o cadáver de “Pirinhos”, faz este domingo já uma semana, toda a gente tem medo de falar, as pessoas dizem que não ouviram, nem viram nada, entrando mesmo em contradições.
Absolvido duas vezes no processo “Aquiles”
José Manuel Barbosa Pires, de 52 anos, tinha sido novamente absolvido, na repetição parcial do seu julgamento da operação “Aquiles”, caso relacionado com Franklim Lobo, em Lisboa, quatro dias antes do seu desaparecimento, ocorrido a 26 de maio.
“Pirinhos” seria próximo de Franklim Lobo, considerado um dos maiores traficantes de droga portugueses de sempre, mas saiu absolvido, de ambas as vezes, enquanto Franklim Lobo, em outro processo, teve a pena de onze anos de prisão efetiva.
A operação da PJ denominou-se “Aquiles”, por ter um “calcanhar se Aquiles”, que era o facto de existirem nessa investigação criminal dois altos responsáveis da própria Unidade Nacional de Investigação do Tráfico de Estupefacientes (UNITE), da PJ.
No acórdão da repetição parcial do julgamento, proferido, em Lisboa, quatro dias antes do desaparecimento de “Pirinhos”, foi condenado a seis anos e prisão efetiva o coordenador PJ Carlos Dias Santos, mas absolvido o inspetor-chefe da PJ Ricardo Macedo.
Ambos os graduados da Polícia Judiciária foram presos por camaradas da própria PJ, através da capacidade de autocorreção, detendo os dois colegas suspeitos, que foi sempre apanágio do único corpo policial superior de investigação criminal português.
Amigo de Bruno “Pidá”
O nome “Pirinhos” começou a andar nos jornais há cerca de 15 anos, em finais do verão de 2007, quando era conotado como sendo do “Grupo da Ribeira”, liderado pelo seu amigo Bruno “Pidá”, que então se digladiava com o rival “Grupo de Miragaia”.
Na noite de 24 de agosto de 2007, José Pires (“Pirinhos”) foi com Bruno Pinto (“Pidá”) e Fernando Martins (“Beckham”) a uma discoteca, no Porto, tendo sido agredido por um membro do “Grupo de Miragaia”, que era integrado pelos Irmãos Correia.
No julgamento desse caso, o Processo da “Noite Branca”, como testemunha, “Pirinhos” disse ter sido fechado na casa de banho da discoteca, alegadamente por quem lhe cobrava alegada dívida, de cinco mil euros, débito que José Pires não reconhecia ter.
Entretanto, José Pires, já como vítima, foi notícia de destaque, em jornais espanhóis e portugueses, dado o seu rapto, cometido na noite de 9 de novembro de 2009, em Vigo, na Galiza, onde ia ter como uma namorada, que trabalhava numa casa de alterne.
“Pirinhos” foi torturado com um alicate, por quatro homens, que decorridas algumas horas, o abandonaram, numa cova, em Vidago, abandonando-o à sua sorte, incendiando-lhe o seu BMW, tendo os arguidos sido absolvidos, pelo Tribunal de Chaves.
Na ocasião, José Pires disse terem-lhe sido roubados seis mil euros que levava no automóvel, ao mesmo tempo que os raptores inicialmente lhe exigiam o pagamento de 300 mil euros, mas já numa segunda fase contentavam-se com 150 mil euros à frente.
Família ainda aguarda pela entrega do corpo
A família de José Pires ainda aguarda pela entrega do seu corpo, que continuará depositado na Casa Mortuária do Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, em Braga, até que os testes de ADN confirmem em absoluto qual a identidade da vítima.
O procedimento é o habitual nestas circunstâncias, em que será o Ministério Público de Braga a determinar a entrega do corpo à família, residente em Valbom, Gondomar, em cuja casa já houve buscas da PJ para ajudar a esclarecer o seu desaparecimento.
José Pires tinha dois filhos, de 21 e de 11 anos, que se encontram ainda em estado de choque, desde que souberam, através dos órgãos de comunicação social, do aparecimento do cadáver do pai, em circunstâncias macabras, findas duas semanas no local.
Poucos dias antes, a Polícia Judiciária do Porto já fazia buscas em casa de “Pirinhos”, situada na vila de Valbom, do concelho de Gondomar, nos arredores do Porto, para tentar encontrar documentos ou aparelhos (como os telemóveis da vítima) de Pires.
A advogada Luísa Moreira Macanjo, que defendeu “Pirinhos” no único caso em que foi condenado, mas com pena suspensa, por tráfico de droga, “há muitos anos”, apelou a que “nesta hora de dor se respeite o luto e sofrimento dos seus familiares”.
Luísa Moreira Macanjo recordou que “desde a primeira hora, familiares e amigos fizeram tudo para encontrarem o senhor José Pires, além das participações às autoridades, sendo que só a mãe da infeliz vítima esteve uma vez na PSP e três vezes na PJ”.
“Já antevíamos esta tragédia, pois quando está em causa a vida de uma pessoa não se pode perder tempo em burocracias, tenha ou não tenha passado criminal, aliás, factos pelos quais já tinha pago”, disse a O MINHO a advogada Luísa Moreira Macanjo.
A equipa da PJ do Porto que acabou com a “Máfia de Braga”
As esperanças de pessoas próximas de “Pirinhos”, contactadas por O MINHO, é o caso estar a ser investigado por operacionais da unidade de elite da Diretoria do Norte da PJ, sediada no Porto, a Secção Regional de Combate ao Terrorismo e Banditismo.
É que são os mesmos investigadores que esclareceram o fogo posto na boîte Meia Culpa, em Amarante, com 13 mortos, tendo desmantelado os gangues do Vale do Sousa e de Valbom, além da “Máfia de Braga” (Irmãos Bourbons e “Bruxo da Areosa”).
Em tempo recorde, mas com prova fortemente solidificada, aqueles mesmos profissionais da Polícia Judiciária do Porto, que também atuam em Braga, sempre que há crimes de especial complexidade, esclareceram o rapto e assassínio de um empresário.
João Paulo de Araújo Fernandes, de 41 anos, divorciado, foi raptado à frente da filha, de menor idade, na garagem de casa da mãe, em Lamaçães, na cidade de Braga, tendo sido levado a seguir para os arredores do Porto, onde foi torturado e assassinado.
O rapto foi consumado ao início da noite de 09 de março de 2016, uma sexta-feira, tendo os responsáveis por tais crimes, cuja autoria sempre negaram, sido condenados nas penas de prisão de 25 anos, o máximo permitido pelo Código Penal Português.
Sistema judicial dava “pouca credibilidade” às suas declarações
Ao longo das últimas duas décadas, o sistema judicial tem vindo a dar “pouca credibilidade” às declarações prestadas por José Pires (“Pirinhos”) durante os julgamentos, classificando-as sempre de “incoerentes”, quer como testemunha, quer como vítima.
Estas caraterísticas de José Pires, que negociava a compra e venda de automóveis, chegando a deter um stand, em Paredes, no distrito do Porto, afastam ainda mais alguma recente “contrainformação”, segundo a qual “Pirinhos” seria “informador” da PJ.
Nos dois julgamentos relacionados com a “Operação Aquiles”, ficou comprovado que havia sim um “homem de confiança” (um “informador”) da Polícia Judiciária, que fazia jogo duplo com narcotraficantes e a PJ, não se tratando nunca de José Pires.
Acórdão da “Noite Branca” em que foi testemunha
“As declarações desta testemunha foram muito incoerentes, com vontade de imputar aos ofendidos (…) a extorsão de dinheiro, sem explicar a propósito de quê. Disse que anda fugido por causa dos ofendidos, que estes não o largam por causa do dinheiro. Não soube explicar porquê, limitando-se apenas a dizer que não sabe o que é que eles querem, a não ser ter vida fácil. As suas declarações, por manifestamente incoerentes e pouco isentas, não merecem credibilidade” (Porto, 19 de janeiro de 2010).
Acórdão no caso de rapto e tortura de que foi vítima:
[“No que se refere às declarações do [vítima], José Manuel Barbosa Pires, o Tribunal entendeu que se mostram muito pouco credíveis… Já quanto ao restante pelo mesmo declarado, aquilo que nos disse mostrou-se inverosímil, nada existindo nos autos que o confirme. Foi o caso do motivo que invoca para o rapto, a extorsão, que não convenceu o Tribunal, até porque não é credível que uma pessoa que se encontra em risco elevado para a sua vida, como era o caso do ofendido [José Pires] se limite a negar pagar qualquer quantia, não tentando uma qualquer forma de negociação, de maneira a ser libertado. Aliás, o ofendido, questionado sobre tal situação, limitou-se a insistir que não pagava e que não faria mesmo se soubesse que o matariam, sem querer explicar melhor os seus motivos” (Chaves, 24 de junho de 2013).Outros dois casos de desaparecimentos
Outros dois casos de desaparecimentos enigmáticos, mas em ambos os casos sem que os corpos tivessem sequer aparecido, envolveram Fernando Borges (“Trico”), líder do Gangue de Valbom, além de um ex-recluso, Eduardo Costa, no Grande Porto.
Rui Mesquita, que na sua juventude já tinha assassinado os tios e um sobrinho deficiente, em Viana do Castelo, foi absolvido, por um Tribunal de Júri (três juízes de carreira e quatro jurados sorteados através dos cadernos eleitorais), por falta de provas.
A absolvição, em 31 de janeiro de 2022, seguiu-se a uma acusação do Ministério Público, segundo a qual Rui Mesquita teria a partir de uma saída precária assassinado “Trico” com ajuda de Eduardo Costa, que conheceu na prisão, matando este a seguir.
O desaparecimento de Fernando Borges (“Trico”) ocorreu em 01 de julho de 2018, entre Vila do Conde e Póvoa de Varzim, ao mesmo tempo que o de outro ex-recluso, Eduardo Costa, que teria conhecimento das circunstâncias do homicídio de “Trico”.