Mais de 500 mulheres foram assassinadas nos últimos 15 anos em contexto de relações de intimidade em Portugal, e só neste ano já morreram 28, algumas baleadas, outras estranguladas ou espancadas, a maioria vítima de violência doméstica.
Em 2019, Braga é o segundo distrito do país com mais mulheres a morrerem (4) desta forma, menos que em Lisboa (7), e as mesmas que em Setúbal (4).
Ana
Ana Paula Fidalgo, de 39 anos, residente em Salamonde, Vieira do Minho, morreu, a 06 de março, asfixiada às mãos do marido, após uma crise de ciumes. Foi a primeira vítima mortal deste ano, no distrito. Na altura, o alegado homicida comentou a notícia da morte da mulher nas redes sociais de O MINHO, indicando que “uma relação a dois” não era para três. Fazia referência a um alegado amante da mulher, que esteve, naquele dia, no mesmo local onde ocorreu o crime. O alegado homicida está em prisão preventiva enquanto aguarda julgamento.
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Otília
Agosto foi o pior mês no distrito. Duas mortes às mãos de companheiros com quem as vítimas ainda residiam. Otília Castro perdeu a vida dentro da residência que dividia com o companheiro, em Gondifelos, concelho de Famalicão. O marido, José Ribeiro, de 61 anos, admitia publicamente os ciumes em relação à roupa utilizada pela mulher, chegando a dizer a amigos que iria acabar por a matar. E assim foi. Acabou com a vida da malograda, a tiro de caçadeira, suicidando-se em seguida. Os corpos foram descobertos dois dias depois, dentro da habitação conjunta.
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Maria
Em Pedralva, no dia 23 de agosto, perde a vida Maria Magalhães, de 54 anos, na sequência de três disparos de caçadeira efetuados pelo marido, com quem vivia. A vítima tinha já alertado os filhos que poderia vir a ser assassinada pelo marido, com problemas alcoólicos. O homicida, após consumar o crime, dirigiu-se ao posto da GNR para avisar da morte da esposa e se entregar, como único responsável pelo ato. Encontra-se em prisão preventiva a aguardar julgamento.
Gabriela
A 18 de setembro, ocorreu o caso mais mediático. Gabriela foi assassinada com múltiplas facadas, em plena via pública, à porta do prédio onde residia, por um ex-companheiro, morrendo ainda no local. O caso chocou a cidade de Braga, levando à organização de várias vigílias e à criação de um grupo informal, chamado “Mulheres de Braga”, que pretende ver a legislação mais apertada para suspeitos e condenados por este tipo de crime. Gabriela Monteira, de 47 anos, terá sido a última vítima mortal, em 2019, deste tipo de crime, no distrito.
Os dados são do Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA), da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), e constam do relatório preliminar que é hoje apresentado, em Lisboa, e que traz a realidade das mulheres assassinadas em Portugal desde 01 de janeiro até ao dia 12 de novembro.
Nesse período, e tendo como fonte as notícias publicadas pela imprensa nacional, o OMA contou 28 mulheres assassinadas em contexto de relações de intimidade ou familiares, além de outras duas mortas em diferentes contextos, e 27 tentativas de homicídio.
Contas feitas, significa que, em média, houve três mulheres assassinadas todos os meses e uma média de cinco mulheres vítimas de formas de violência extrema.
“No que concerne à relação existente entre vítimas e homicidas, à semelhança dos anos anteriores, continuamos a verificar que 53% das mulheres assassinadas mantinha uma relação de intimidade presente com o homicida ao passo que 21% já tinha procurado romper com essa relação”, lê-se no relatório.
Acrescenta que “as relações de intimidade – presentes e anteriores – representam 74% do total de femicídios noticiados”.
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Por outro lado, ao ser feito o cruzamento entre a incidência do femicídio com a presença de violência doméstica nas relações de intimidade, presentes ou passadas, e relações familiares, foi possível constatar que a maioria (71%) das mulheres assassinadas foi vítima de violência nessa relação.
“Nesse sentido, em 71% das situações é muito provável que alguém próximo tivesse conhecimento de tal violência”, refere o OMA, que aproveita para defender que é urgente implementar programas de prevenção primária.
Esta percentagem corresponde a 20 casos onde se constatou existir um contexto de violência doméstica, dentro dos quais houve 12 em que existiu denúncia, ou seja, processo crime anterior à prática do homicídio.
O OMA registou a existência de 45 filhos/as das mulheres mortas, sendo que 26 eram filho/as da vítima fruto de uma relação anterior e 19 eram filhos/as comuns da vítima e do homicida. No total, 16 eram menores de idade, o que leva a UMAR a pedir uma atenção especial para as crianças vítimas dos crimes de género e, em particular, para as crianças que ficam órfãs.
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A caracterização da vítima mostrou que o grupo etário que registou mais femicídios foi o das mulheres com idades entre os 36 e os 50 anos (43%), imediatamente seguido pelo grupo etário acima dos 65 anos (21%), sendo que metade das vítimas estava inserida no mercado de trabalho.
Um dado que leva a UMAR a defender a necessidade de aumentar a proteção a estas mulheres e a criação de “estruturas especificas com métodos, instrumentos e respostas especializadas e ajustadas às especificidades das mulheres idosas, sobretudo em zonas mais afastadas dos grandes centros urbanos”.
Já o homicida tem idades entre os 36 e os 50 anos (32%) e entre os 51 e os 64 anos (25%), e a maior parte (57%) estava empregado.
O mês de janeiro destacou-se como aquele que registou o maior número de ocorrências (sete), seguido dos meses de fevereiro, agosto e outubro, com três mortes cada um, não tendo, ainda, sido registado qualquer homicídio em novembro.
“A residência continua a ser o espaço onde a maior parte dos femicídios foram praticados (71%), seguido dos crimes na via pública (18%)”, refere o relatório, acrescentando que a maioria dos crimes aconteceu ou durante a noite ou pela manhã.
A maioria das mulheres (13) foi morta com recurso a arma de fogo, mas houve também oito casos de mulheres esfaqueadas, três espancadas, três estranguladas ou uma morta por asfixia.