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A Câmara de Braga embargou a obra de reconstrução de um prédio do século 18, com o número 161 da Rua de S. Vicente, por estar em desacordo com o projeto aprovado, nomeadamente pelo facto de os tetos de dois salões localizados no segundo piso terem sido desmontados e retirados da sua posição original.
O embargo segue-se a um alerta da ASPA (Associação de Defesa do Património), de Braga, para o facto de se tratar de um edifício barroco que consta do “Mappa das Ruas de Braga” (1750) e para a existência de uma pintura de teto com moldura oval, assente em madeira (século XVIII), bem como outros elementos da arquitetura dessa época (tetos em masseira, senhorinhas e escadas interiores de granito, etc.).
Quando a obra estiver concluída, o prédio, composto por rés do chão, dois andares e águas furtadas, com a utilização “plurifamiliar”, terá sete habitações de tipologia “T1”.
O despacho de embargo, do vereador do Urbanismo, João Rodrigues refere, ainda, que a empresa, a BrunoRent, Lda, de Amares, desrespeitou o projeto, tendo escavado o terreno onde serão executadas as fundações e caixa de elevador, sem a comunicação ao Departamento de Arqueologia, com antecedência de 10 dias.
O autarca sublinha que, aquando do licenciamento, “foi devidamente acautelada a correta execução da obra, ficando garantido que todas as intervenções seriam executadas por técnicos especializados, devidamente monitorizadas e documentadas em relatório técnico final, a apresentar com o pedido de autorização de utilização do edifício”.
Informação da Fiscalização
No processo, a Fiscalização camarária escreveu: “Tendo sido promovida uma inspeção no dia 05/11/2024, foi possível verificar o seguinte: operação urbanística em desacordo com o projeto aprovado nomeadamente, os tetos de dois salões localizados no Piso 2, foram desmontados e retirados da sua posição original”.
Os responsáveis presentes na obra (promotor e equipa técnica) disseram que, “durante a execução da estrutura do edifício os tetos estariam armazenados, fora do estaleiro, para os preservar”.
Diz que tal “está em desconformidade com o “Relatório Final dos Trabalhos Arqueólogicos (RFTA)”, que identifica e carateriza todos os elementos arquitetónicos e artísticos existentes no edifício, apontando também as metodologias a dotar na sua conservação e restauro, este foi aprovado segundo condicionantes arqueológicas determinadas”.
Adianta que foi promovida nova inspeção, no dia 11/11/2024, “em que se verificou que tinha sido efetuada a escavação do terreno onde serão executadas as fundações e caixa de elevador previstos em projeto, sem a devida comunicação, com antecedência mínima de 10 dias, da data de início dos trabalhos, bem como a duração previsível dos mesmos”.
O acompanhamento da obra está a cargo de Armandino Cunha do Departamento de Arqueologia do Município, além do Encarregado de Obra.
Tetos armazenados para preservação
João Rodrigues disse a O MINHO que “o paradeiro dos elementos artísticos é desconhecido, mas, como a obra tem prazo de execução até dezembro de 2025 presume-se que venha a ser executada no quadro do licenciamento aprovado e das condicionantes impostas”.
Sublinha que, no projeto de arquitetura, de 2021 – despachado pelo ex vereador Miguel Bandeira – estava prevista a demolição de grande parte do interior do edifício, mas não a sua totalidade.
ASPA critica a Câmara
Na sexta-feira, a ASPA criticou a Câmara, em comunicado intitulado “O Neo-Fachadismo e a destruição do Património”, no qual diz que a havia avisado: “Está em curso uma situação de neo-fachadismo, em que, para transformar moradias unifamiliares em prédios de apartamentos, se destrói o rico interior de algumas casas, com perda de elementos decorativos únicos, nomeadamente tetos em estuque, pinturas murais, escadarias em madeira ou granito trabalhado, claraboias, vitrais, etc”.
A ASPA anota, ainda, que pediu, sem êxito, a classificação da Rua de S. Vicente como conjunto de interesse concelhio, envolvendo outros edifícios, entretanto também vítimas do camartelo”. Pedido de classificação – diz – “a que o Município fez orelhas moucas”.
Muitas das moradias da artéria – sublinha a ASPA – têm origem no período barroco e outras são transição do século XIX para o século XX, onde reside a herança de “brasileiros de torna-viagem” e do seu gosto decorativo da época.
Sobre o licenciamento da obra, a ASPA diz que, o ex-vereador Miguel Bandeira “estabeleceu várias condicionantes em 2021 e, por isso mesmo, o proprietário não avançou e vendeu a casa: Agora é novo dono, novo arquiteto, e novo projeto”.
Alerta para ‘fachadismo’
O comunicado assinala que, “em tempos idos, a ASPA alertou para a transformação de alguns edifícios no centro histórico de Braga, em que se conservou a fachada e, por detrás, se construíram novos edifícios de raiz. Chamou a isso o “fachadismo”.
E diz, ainda: “Entretanto, desde final de agosto, altura em que foi colocado um andaime junto a esta casa do séc. XVIII, a ASPA não tem deixado de alertar, incessantemente, a Presidência da Câmara e o Pelouro do Urbanismo, para a destruição que então se prefigurava”.
Alertámos – acrescenta – “para o risco de perda de património e solicitámos resposta a várias questões, com destaque para as medidas preventivas adotadas no sentido da salvaguarda, in situ, da pintura oval de teto do século XVIII. Também solicitámos dados relativos à intervenção licenciada, uma vez que, nessa altura, o Aviso da obra não estava afixado”.
E anota, ainda: “Dias depois da publicação no Diário do Minho de mais um ‘entre-aspas’ de alerta, constatámos que estavam a proceder à retirada da laje do segundo piso, onde se incluía a pintura de teto, do século XVIII. Novos alertas junto da Câmara tiveram também a mesma resposta: um silêncio ensurdecedor”.
E a ASPA pergunta
E a associação, pergunta: “Como foi possível permitir-se esta demolição, sabendo que este edifício barroco, devidamente sinalizado no processo pelo Município, exigia um trabalho de reabilitação minucioso e qualificado? “
E, prosseguindo: “Neste momento, “em que já só resta a fachada desta casa do século XVIII (um dos últimos elementos construtivos pré-existentes, e sobreviventes aos trabalhos de demolição realizados), perguntamos: Quais as condicionantes impostas, no âmbito do licenciamento, para garantir a preservação, in situ, da pintura de teto com moldura oval, assente em madeira (séc. XVIII), bem como dos restantes elementos da arquitetura original?”
E insiste: “Onde se encontra a pintura de teto com moldura oval, atendendo à sua importância histórico-patrimonial? Atendendo a que a casa do século XVIII já não existe, uma vez que a demolição do interior já foi concretizada, qual o fim que o Município atribuiu à pintura de teto com moldura oval, no âmbito do licenciamento desta obra, sabendo que se trata de uma raridade da arquitetura bracarense do séc. XVIII?”
A ASPA avisa que “a observação atenta da fachada permite perceber da existência de uma fenda que se estende desde a platibanda até às padieiras dos vãos do piso térreo. Haverá a garantia de a fachada resistir à chuva e vento característicos do inverno bracarense?”