Artigo de Vânia Mesquita Machado
Pediatra e escritora. Autora do livro Microcosmos Humanos. Mãe de 3. De Braga.
Foi dada ontem a bofetada de luva branca ao Sr. Jornalista Joaquim Vieira por atletas praticantes de Desporto Adaptado, através da sua performance brilhante.
Quatro dos atletas participantes nos Jogos Paralímpicos (PO), na final dos 1500m teriam conseguido a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos (JO) do mês passado…
…Pessoas com baixa capacidade visual.
De certa forma, a «darem razão» ao Sr. Jornalista Joaquim Vieira, pois poderiam realmente competir com as «pessoas normais» nos JO – como o próprio afirma num comentário da sua página.
Seria grotesco aplaudir a vitória destes atletas sobre os presumíveis «melhores elementos da raça humana» se corressem lado a lado?
Explicitando e para quem não está a par da polémica, o Sr. Jornalista Joaquim Vieira, resolveu afirmar há dias num post do seu perfil de Facebook o seguinte: «Sou só eu a achar que os Jogos PO são um espetáculo grotesco, um número de circo para gáudio dos que não possuem deficiência, apenas para preencher a agenda do politicamente correto?».
Vamos pôr de parte linchamentos em praça pública, execuções sumárias e comentários insultuosos (quem quiser pode aceder à página de Joaquim Vieira para os ler).
Entre a babilónia de atuais comentários polémicos de «opinion makers» mais ou menos idóneos, com presumível intuito exibicionista e sede de ribalta, como o uso de burkinis, ou se as tatuagens serão a nova crise da meia-idade, emitir opiniões desta natureza, com evidente risco de ferir a sensibilidade de quem teve o azar aleatório na vida de nascer ou adquirir uma incapacidade física é notoriamente grave, principalmente sendo proferidas por pessoas com responsabilidade acrescida nos meios de comunicação social, como é uma personalidade que foi Diretor de uma Comissão de Ética, de vários jornais, jornalista na RTP e é atualmente Presidente do Observatório da Imprensa.
Como já será evidente para o visado, deu um tiro no pé, (felizmente não se magoou fisicamente), com o formato infeliz que utilizou para se referir a um determinado conteúdo. Concretizando, e tentando compreender a mensagem, se pretendia denunciar o aproveitamento político e mediático com supostos contornos sensacionalistas e de «voyeurismo» caritativo das Paraolimpíadas, as palavras pesadamente depreciativas que usou retiram-lhe qualquer hipotética razão.
De imediato a merecida chuva de críticas, muitas ofensivas; relativamente a estas, não me parece que agredir verbalmente seja uma solução.
Em vez de se retratar com humildade pedindo publicamente desculpas, qualquer que fosse a conotação pretendida com o seu juízo de valores, prosseguiu com dissertações sobre a origem das Olimpíadas, cujo objetivo consiste em «premiar os melhores da raça humana». Porque segundo ele, os Jogos PO são «condescendentes e paternalistas», e «não existe o Usain Bolt nem o Michael Phelps dos PO».
Cita depois como exemplos de «superação» Stephen Hawkings, mente brilhante que não ousou participar nem nos JO nem nos PO. Provavelmente porque não quis, porque o próprio fez o discurso de abertura dos Jogos PO de 2012, onde elogia os atletas com incapacidade motora, ressaltando que o importante é a criatividade, e que não existem seres humanos «standard», mas sim um espírito humano que nos une a todos como pessoas.
Confesso ter tido dificuldade em escrever sobre este assunto. Talvez nem me devesse pronunciar, corro o risco de querer protagonismo, mas faço-o porque defendo valores como a igualdade de oportunidades, e o humanismo, os quais senti serem ameaçados pela verborreia deste Sr. Jornalista.
A minha vontade inicial foi a de lhe responder à letra, como o meu filho de idade escolar quando lhe li as afirmações do post – «ele é que era deficiente» e «devia experimentar ficar sem olhos, braços ou pernas».
Como adulta, assumo com o máximo de boa vontade que não terá tido intenção de magoar verbalmente as pessoas com deficiência, pretendia apenas insurgir-se contra qualquer tipo de segregação.
Talvez as suas afirmações devessem ser ignoradas. É a melhor forma de descredibilizar raciocínios absurdos.
No entanto este post tornou-se viral, e feriu realmente muitas pessoas com incapacidade física e respetivas famílias.
Quem participa nos jogos PO tem vontade própria e lucidez mental para decidir. E se essa participação lhes vai ou não realizar os seus sonhos (dúvida colocada pelo Sr. Jornalista, pródigo em filosofar sobre os sentimentos das pessoas com deficiência), só a eles lhes diz respeito.
Até julgo que tal como eu e como a maioria dos seres humanos com coração, Joaquim Vieira admira e considera louvável e meritório o resultado do esforço e persistência destes outros seres humanos, que amputados da plenitude das suas capacidades físicas por vicissitudes da vida, enfrentaram de cabeça erguida as dificuldades. Em vez de se vitimizarem seguiram em frente, aceitando a sua imagem e tentando -se enquadrar numa sociedade que estigmatiza – veladamente- o não normal. São um exemplo para todos nós, «os normais», que nos queixamos das dores nas costas, ou do mau tempo.
Acrescento a paciência e dignidade de Pedro Bártolo, jogador de basquetebol na seleção nacional de PO, cujos comentários no perfil de Joaquim Vieira merecem respeito.
Sim, todos somos livres de ter uma opinião e exprimi-la sem censura.
Liberdade implica respeito pelo outro.
O Sr. Jornalista Joaquim Vieira pode pensar o que quiser.
Antes de partilhar o que pensa, deveria ter noção do papel que encarna na sociedade, que confere aos seus pensamentos tornados públicos um valor diferente.
Os desportistas portadores de deficiência física são livres, tão livres como o Sr. Jornalista que se sente incomodado em assistir aos Jogos PO tem sempre a livre opção de desligar a televisão.
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