A Associação Académica da Universidade do Minho recolheu cerca de 100 exposições de assédio moral e sexual de estudantes via questionários digitais, enquanto um “grupo informal de alunos” exige à instituição, que reveja o seu código de conduta e ética e formule uma entidade independente para denunciar agressores e acompanhar violentados. O grupo de missão, para a elaboração de orientações de prevenção e combate ao assédio na Universidade do Minho, já enviou à reitoria um conjunto de propostas.
“Todas as denúncias dos estudantes foram recolhidas e expostas à Reitoria da Universidade do Minho, a fim de encontrar formas de aumentar a segurança nos campi”, afirma o ex-presidente da Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM) respondendo a O MINHO.
Nos últimos dias do seu mandato, o ex-presidente Rui Oliveira explicou que a associação académica reuniu “com as autoridades de segurança pública para dar nota destes casos e encontrar soluções que garantam que os estudantes se sentem seguros no percurso entre a Universidade e as suas residências”.
“Tentamos sempre encontrar mecanismos para que os estudantes pudessem reportar situações, que possam ter presenciado ou tenham tido conhecimento, dessa índole ou de qualquer outra relacionada com a segurança nos campi”, acrescenta o ex-presidente.
Os questionários digitais da AAUM dedicados a aferir os indicadores de segurança dos estudantes universitários, experimentaram-se em 2020, mas a associação académica relançou-os, após o protesto organizado pelo “grupo informal de alunos” durante o passado mês de dezembro. As cem denúncias entraram no correio eletrónico da associação académica posteriormente.
Casos de assédio sexual na Universidade do Minho motivaram centenas de membros da comunidade académica a protestar no Largo do Paço, em Braga, em dezembro do ano passado. A mobilização foi coordenada e organizada por um “grupo informal de alunos” que discutiu os moldes do protesto durante sucessivos plenários públicos agendados nas redes sociais.
No rescaldo da manifestação a reitoria convocou um grupo de missão, para a elaboração de orientações de prevenção e combate ao assédio na Universidade do Minho, composto por docentes de vários quadrantes, não docentes e um representante dos alunos. As recomendações elaboradas pelo organismo já estão nas mãos do reitor, segundo o gabinete de comunicação da instituição.
O grupo de alunos responsável pelo protesto aguarda a divulgação das ações prometidas, pela instituição de ensino para fomentar a segurança no ‘campus’.
Maria Madureira, 23 anos, é estudante de mestrado e uma voz ativa no grupo informal de alunos. “Não havendo uma resposta acabamos por efetuar a queixa como se fosse um caso de assédio na rua e acabamos por endereçar a queixa à polícia, o que defendemos é que a Universidade crie um gabinete, onde a queixa é entregue, escrita e descrita”, a aluna discrimina as reivindicações do movimento.
“O assédio é um problema sistémico na sociedade e a universidade não é mais do que uma parte da sociedade, um organismo vivo com estudantes, professores, funcionários, investigadores, mas um caso de assédio de um aluno para um aluno não pode ser resolvido da mesma forma que o assédio de um professor para um aluno”, expõe Maria Madureira a insegurança dos estudantes para denunciarem casos de assédio.
“Não havendo um órgão oficial para o qual devamos endereçar as queixas, se eu sofrer assédio de um professor, não o comunicarei à direção do curso, porque são colegas e poderiam criar um conflito de interesses, não farei queixa à associação académica, penso que não é o local apropriado” acrescenta Maria, apontando a ausência de um serviço transparente dedicado ao acompanhamento de vítimas e recetor de denúncias na instituição.
“O assédio laboral é compreendido no ordenamento jurídico, enquanto uma contraordenação muito grave, mas o assédio sexual pode desdobrar-se numa multiplicidade de crimes, desde o exibicionismo à coerção sexual”, afirma a gestora do Gabinete de Apoio à Vítima de Braga, Marta Mendes.
O assédio laboral constitui uma prática penal pouco denunciada. No ano de 2020 a APAV recolheu 7 denúncias, mas nenhuma no distrito de Braga. Em 2019 a instituição social recebeu 24 denúncias em Portugal, somente uma em Braga.
Marta Mendes refere a pouca pesquisa sobre o tema, contudo sublinha os dados divulgados num estudo do Centro Interdisciplinar de Estudos de Género — 16,5% da população ativa portuguesa já vivenciou uma situação de assédio moral no trabalho, sendo que 12,6 % da população inquirida refere ter sido vítima de assédio sexual no local de trabalho.
Daniel Cunha, 23 anos, aluno matriculado no mestrado em Ambiente e membro do grupo organizador do protesto, afirma a O MINHO: “Por o assédio nos termos legais não ser criminalizado de maneira geral é importante que a universidade enquanto organização estabeleça claramente, no seu código de conduta e ética em que consiste o assédio e quais são os comportamentos recriminados pela instituição”.
“A universidade no seu código de conduta e ética só menciona, que não são toleráveis atos de assédio, não desenvolve mais do que isto”, acrescenta Daniel Cunha.
A polémica instalou-se quando uma estudante foi alvo de exibicionismo e depois alertou os colegas para o perigo através das redes sociais. “Recebi uma mensagem reencaminhada no WhatsApp, recordo-me bastante bem de ler a mensagem, que era dela (a própria vítima), apesar de tudo o que lhe passara, apesar do trauma, ela estava simplesmente a comunicar, a dizer por favor tenham cuidado a andarem no ‘campus’”, afirma Carlota Silva, 20 anos, aluna a licenciar-se na instituição.
O relato alastrou-se rapidamente e três alunas matriculadas na Universidade do Minho solidarizaram-se com a vítima e fundaram uma página no Instagram onde partilharam centenas de denúncias anónimas, supostamente efetuadas por membros da comunidade académica.
Na página “denúncia.uminho” o calibre dos discursos diretos publicados é assinalável: “Encontrei esta página por acaso e não acredito que isto ainda acontece. Fui caloira em 2010 e na altura fui avisada pelos meus praxantes para ter sempre cuidado ao passar sozinha em frente ao CP1 de noite. Tive as minhas colegas assediadas e perseguidas nessa zona e os seguranças não faziam nada. A universidade sabe há mais de 10 anos o que acontece em frente ao CP1, mas pelos vistos contínua igual”.
A autoria dos relatos é duplamente anónima — tanto a identidade dos responsáveis pelas partilhas como as assinaturas: “29 anos, ex-aluna do ‘campus’ de Gualtar”.
A credibilidade de cada uma dessas publicações é indecifrável, pois não passaram por um crivo creditado, foram comunicadas aos responsáveis da plataforma através de formulários digitais com referências vagas ou nulas à primeira pessoa.
Contactada, uma das três responsáveis pela página de denúncias aceitou ser entrevistada e permitiu a divulgação da entrevista sob garantia de anonimato. “Esta página foi criada exclusivamente para partilhar o movimento e perceber-se que haviam imensas vítimas”.
A entrevistada identifica-se como uma das vítimas de assédio sexual: “Felizmente não foi muito grave, a questão da importunação no ‘campus’, naquela rua perto do CP1”.
“Fui das primeiras pessoas a falar nesse caso e depois percebi que não me acontecia só a mim, vi o homem nos arbustos a masturbar-se e consegui fugir, mas já me aconteceu duas vezes”.
“O homem tinha uma espécie de buraco, onde podia esconder-se e não estava tão visível. Isto aconteceu-me em 2019 e há cerca de um mês”, afirma a entrevistada, sendo que o período temporal dos acontecimentos remota à data da entrevista. No entanto, “na conta de denúncias percebemos que isto já acontece há pelo menos cinco anos”, afirma.
Questionada relativamente à veracidade e à plausibilidade das publicações, a entrevistada contesta que “todas as denúncias receberam uma triagem… o nosso objetivo não é andar a analisar a veracidade da história e descredibilizar as vítimas”, mas “expor estes casos e ser o mais justo possível para com as vítimas que tiveram a coragem de expor as suas situações”.
“A maioria das pessoas que efetuaram estas denúncias, eu conheço e sei quem são, pela história que está lá escrita”, afirma a estudante do ensino superior, enquanto indica “o principal objetivo seria mostrar que as vítimas com quem tinha entrado em contacto não estavam sozinhas e que não seriam casos isolados, mas seria o início de uma reivindicação de um problema que já existe há muito tempo na universidade”.
“A página de denúncias foi apenas o propulsor, que permitiu perceber que algo estava errado”, conclui a entrevistada.