As trotinetas do século XX: Inovações centenárias, repescadas nos tempos do século XXI

Artigo do historiador Rui Maia
As trotinetas do século xx: inovações centenárias, repescadas nos tempos do século xxi
Foto: DR

ARTIGO DE OPINIÃO

Por Rui Maia

Licenciado em História, mestre em Património e Turismo Cultural pela
Universidade do Minho – Investigador em Património Industrial

Aos 12 de agosto de 1918, a famosa revista Ilustração Portugueza, publicava na sua imagem de capa um simpático casal a movimentar-se em trotinetas. A revista refere o assunto nos seguintes termos; “a Sr.ª D. Ru Soares, distinta sportswoman, passeando no seu autoped”.

É caso para lembrar Fernando Pessa, e dizer: “e esta, hein?”. Ora, desengane-se quem pensa que o século XXI é pai de todas as invenções, onde as inovações parecem brotar como cogumelos em floresta amena e húmida. Nada melhor do que remexer as entranhas do século XIX e XX, e perceber que muitas das ditas “inovações” não passam de repescagens de velhas ideias que, à luz da ignorância, parecem ter sido paridas há instantes.

A denominada “autoped” era tida como uma ‘scooter’, que não deixa de ser uma espécie de trotineta, em que o condutor vai de pé, em cima da sua plataforma, ao contrário das motorizadas, como as “vespas” em que o condutor se senta numa plataforma elevada, e as suas pernas pendem para as laterais. A “autoped” foi uma invenção americana, que acabou por ser produzida sob licença, em Inglaterra, num período em que se deu um boom na sua comercialização. Isso sucedeu sobretudo perto do final da I Grande Guerra, e anos sucedâneos, entre 1916 e 1921.

A “autoped” foi produzida pela Imperial Motor Industries, Ltd., em Londres, utilizando um motor de quatro tempos, de 162cc, instalado à esquerda da roda dianteira. Também foi produzida uma segunda versão, usando o mesmo tipo de plataforma, todavia, esta foi equipada com um motor elétrico, alimentado a baterias, que eram carregadas na plataforma. Porém, o seu sucesso foi efémero, uma vez que foram comercializadas poucas unidades.

Na cidade de Braga, nos últimos anos, tem proliferado esse meio de locomoção peculiar – as trotinetas elétricas – com o mesmo tipo de plataforma, embora repletas de novas tecnologias, sobretudo de localização, e com bons níveis de autonomia. 

Passados mais de cem anos a ideia ressurge, quiçá, por força das contingências que o caos rodoviário imprime às cidades e, por consequência, à vida dos seus cidadãos. 

Entre tropeços e quedas, pelos mais incautos, o certo é que cada vez mais pessoas aderem aos seus encantos, sejam eles tecnológicos, estéticos, práticos ou mesmo económicos.

Não obstante, no caso da cidade de Braga, apregoam-se amiúde as questões da mobilidade verde. No entanto, se nos últimos anos a autarquia tem promovido a construção de zonas adequadas à circulação de bicicletas e de trotinetas, em boa verdade a cidade não possui uma rede minimamente integrada, que interligue as várias freguesias urbanas, antes pelo contrário, essa pulverização de iniciativas convida os utilizadores a infringir as regras, circulando pelos passeios e locais destinados para os peões.

As trotinetas de aluguer proliferam pela cidade, arremessadas onde calha, no meio das ruas, dos passeios e, até mesmo, para o rio Este. Trata-se de uma tragicomédia, pois, não se fazem omeletes sem ovos, o mesmo será dizer que não se pode permitir a massificação desses veículos sem a existência prévia de infraestruturas adaptadas. Imagine, caro leitor, os perigos que essa bandalheira pode representar para os cidadãos invisuais? A autarquia tem que tomar medidas sérias nesta matéria, sob pena de ficar em destaque na fotografia da irresponsabilidade.

Ao longo de décadas os vários autarcas não souberam antever as necessidades do porvir, destruindo meios de transporte que hodiernamente se afigurariam de vital importância, como os elétricos. Apostou-se em excesso nos transportes rodoviários, embora o mesmo não tenha sucedido ao nível das infraestruturas que os servem, não acompanhando esse crescimento, padecendo de um péssimo planeamento. As urbanizações cresceram, com ruas sufocantes, onde em determinados casos até os transportes urbanos circulam com dificuldades acrescidas.

Há na cidade casos gritantes de incompetência no que ao urbanismo diz respeito, onde se podiam nomear casos infindáveis, mas tomemos como mero exemplo a Estrada de São Martinho, que dá acesso ao Estádio do Braga. Ao descer, é surreal verificar que, do lado direito, existe um passeio que termina repentinamente, sem que os peões possam prosseguir em segurança, tendo que se sujeitar aos perigos de uma estrada, de per si perigosa, esburacada e há muitos anos negligenciada (uma vergonha) – uma péssima imagem para uma cidade que se diz jovem e promissora.

Na cidade de Braga aplica-se bem o velho adágio popular, “muita parra e pouca uva”, ou seja, muita conversa e pouca ação. Até mesmo nas pequenas autarquias da cidade, em que os cidadãos tentam intervir civicamente, os incómodos são notórios, pela mudez das respostas.

Porém, nas campanhas eleitorais, são mais papistas que o Papa. Nesses casos, há um aspeto comum entre alguns autarcas e as trotinetas – o silêncio com que se movem.

 
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