A massificação da tecnologia e das redes sociais permite, hoje em dia, uma visão mais ampla sobre a biodiversidade existente em Portugal. Espécies de animais que pensávamos apenas existirem em outras partes do mundo, são amplamente divulgadas por utilizadores das redes sociais que vão tendo estes encontros em locais de natureza, sobretudo no Parque Nacional da Peneda-Gerês. As serpentes são um desses casos que, por entre cobras e víboras, residem por entre o nosso habitat minhoto. Pedro Alves, biólogo na Palombar – Associação de Conservação da Natureza e Património Rural, explica um pouco sobre estes répteis sempre muito incompreendidos e deixa alguns conselhos sobre como lidar com eles.
Que espécies de serpentes existem no PNPG?
Em todo o mundo estão identificadas cerca de 4.000 espécies diferentes de serpentes, marinhas e terrestres. Na Europa existem 45 espécies, sendo a Península Ibérica uma das zonas mais ricas no contexto europeu. No PNPG ocorrem 8 espécies de serpentes, das quais 6 são cobras e 2 são víboras: cobra-rateira (Malpolon monspessulanus), cobra-de-escada (Zamenis scalaris), cobra-de-água-viperina (Natrix maura), cobra-de-água-de-colar-mediterrânica (Natrix astreptophora), cobra-lisa-europeia (Coronella austriaca), cobra-lisa-bordalesa (Coronella girondica), víbora-cornuda (Vipera latastei) e víbora-de-Seoane (Vipera seoanei). Além destas, em Portugal, ocorrem mais 2 espécies de cobras: cobra-de-capuz (Macroprotodon brevis) e cobra-de-ferradura (Hemorrhois hippocrepis).
São também comuns no resto do Minho?
Todas as espécies que ocorrem no PNPG também ocorrem noutras zonas da região do Minho, no entanto as cobras-lisas e as víboras têm distribuições mais restritas que as outras espécies.
De que é que se alimentam estes répteis?
Estes répteis alimentam-se de uma grande variedade de presas, mas algumas espécies são mais especializadas. Por exemplo, as cobras-rateiras alimentam-se principalmente de aves, micromamíferos (como os roedores) e outros, mas as víboras alimentam-se de lagartixas, micromamíferos e até aves, enquanto que as cobras-lisas se alimentam essencialmente de outros répteis, inclusive víboras.
Costumam atacar seres humanos?
A primeira linha de defesa das serpentes é a camuflagem, mas se forem detetadas irão tentar fugir. Só quando não conseguem fugir é que assumem outros mecanismos de defesa, como a inflação do corpo e avisos sonoros. Algumas espécies até são capazes de libertar uma substância muito mal cheirosa (almiscarar) e podem-se fingir de mortas (tanatose). Só quando todas estas defesas falham é que se colocam em posição defensiva, de mola, preparadas para atacar o predador, podendo fazer vários ataques falsos, mas nunca perseguem os seres humanos.
“Não é aconselhado o uso de garrote, chupar o veneno ou qualquer outra coisa que se vê tipicamente nos filmes de Hollywood. Na verdade essas soluções apenas irão piorar a situação”
São, de alguma forma, perigosas?
A vasta maioria das serpentes portuguesas não apresenta perigo nenhum para o ser humano. De todas as espécies que existem no país, apenas 4 têm veneno, das quais somente 2 podem apresentar algum tipo de perigo para nós: as víboras. As cobras que têm veneno (cobra-rateira e cobra-de-capuz) têm um sistema de inoculação muito rudimentar e o próprio veneno é extremamente fraco. Mesmo as víboras só apresentam algum perigo em situações muito pontuais, principalmente no caso de serem crianças, idosos ou adultos não saudáveis. De qualquer forma, qualquer pessoa que seja mordida acidentalmente deve ir a um hospital, não sendo aconselhado o uso de garrote, chupar o veneno ou qualquer outra coisa que se vê tipicamente nos filmes de Hollywood. Na verdade essas soluções apenas irão piorar a situação. A única coisa a fazer é essencialmente manter a calma e encaminhar-se para o hospital mais próximo, onde irão garantir que não existem complicações. Caso haja complicações, poderá ser aplicado um soro anti-ofídico polivalente, que é geral para todas as serpentes da Europa, não sendo, por isso, necessário identificar a espécie que mordeu.
A “víbora preta” parece ser uma espécie rara e tem atraído curiosidade nas redes sociais devido a avistamentos no Parque Nacional. O que sabemos sobre ela?
As pessoas, quando falam em “víbora-preta”, estão na verdade a referir-se à víbora-de-Seoane, também apelidada de “víbora-do-gerês”. Esta espécie em Portugal apresenta duas colorações diferentes: a melânica e a cantábrica. A melânica caracteriza-se pela elevada concentração de melanina (o mesmo pigmento que nós temos na pele), que dá ao corpo um aspeto total ou parcialmente negro. A cantábrica caracteriza-se por um corpo de cor cinza ou castanha e uma risca dorsal fina com muitas riscas transversais mais grossas. Um estudo realizado nas Serras do Soajo e da Peneda demonstrou que 85% dos indivíduos dessas populações apresentavam cor negra.
E estão ameaçadas?
Em termos de perigo de extinção, as espécies de víboras que ocorrem no país estão ambas ameaçadas: a víbora-cornuda tem o estatuto “Vulnerável” e a víbora-de-Seoane tem o estatuto “Em Perigo”. Além da destruição, degradação e fragmentação do habitat e o atropelo nas estradas, todas as serpentes são frequentemente perseguidas e mortas por medo e/ou desconhecimento.
Há algum projeto para que deixem o estatuto de “vulnerável”?
Não conheço nenhum plano ou projeto que incida especificamente sobre a víbora-de-Seoane, no entanto é alvo de investigação, principalmente pelos investigadores Fernando Martínez-Freiría e José Carlos Brito do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (CiBio-U.P.). Existem algumas entidades em Portugal que se dedicam à sensibilização e proteção das serpentes no geral, como é o caso do “HerpEbora”, o “Cobras de Portugal” e a “Associação Portuguesa de Herpetologia”.
“Um agricultor ao matar uma serpente, está automaticamente a aumentar a presença de ratos e insetos na sua propriedade”
Como vê a reação das pessoas perante as cobras? Geralmente têm medo e matam, não é?
A perseguição infelizmente é ainda uma prática muito comum em Portugal, que se deve essencialmente ao medo. E o medo pode ser explicado por questões culturais, religiosas e até mesmo genéticas, mas com todo o conhecimento que está disponível atualmente, a morte destes animais é algo que não tem cabimento nem justificação. Por exemplo, um agricultor ao matar uma serpente, está automaticamente a aumentar a presença de ratos e insetos na sua propriedade, quando deveria era incentivar a maior presença de serpentes e até de aves de rapina diurnas e noturnas para ajudar no controlo dessas pragas agrícolas. A presença de cobras pode ser fomentada através da construção de amontoados de madeira e/ou pedras.
O que aconselha a que se faça?
Quando não queremos uma serpente na nossa propriedade ou se alguma entrar para dentro de casa, o mais sensato a fazer é colocar umas luvas (de jardinagem, de couro ou de soldar) e, com a ajuda de um pau, sem a magoar, incentivá-la a entrar numa caixa ou saco. Elas preferem esconder-se do que atacar, por isso irão entrar para a caixa/saco. Depois deverá ser solta nas imediações da casa, pois as serpentes adultas são muito fiéis aos seus territórios. Se não lhe for possível fazer o resgate, ligue para a linha SOS Ambiente e Território através do número 808 200 520. O seu caso irá ser imediatamente encaminhado para a GNR (SEPNA) ou PSP (BriPA), que se irão deslocar à sua residência/propriedade para resgatar o animal em segurança.
Consideração final: Está nas nossas mãos proteger estes animais tão essenciais para os ecossistemas, que nos providenciam importantes serviços. Está na hora de mudar de mentalidade. Em vez de as matarmos, vamos ajudá-las!.