O interesse pela arqueologia nasceu através do avô, na freguesia da Correlhã, em Ponte de Lima. De lá para cá, passaram quase três décadas, e Fernanda Magalhães é hoje uma das principais responsáveis pelas escavações do período romano na cidade de Braga (e não só). Fruto de uma tese de doutoramento, a investigadora da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho venceu o mais importante prémio nacional nesta área: Prémio Eduardo da Cunha Serrão.
O MINHO falou com a arqueóloga no intervalo de uma das muitas escavações pelas quais é responsável. Confidenciou que este prémio vem reconhecer o trabalho levado pela UMinho ao longo de 40 anos, pela preservação e divulgação do legado romano em Braga, Portugal e no noroeste da Península Ibérica.
A tese trata, “numa linguagem simples”, o estudo da casas romanas no noroeste peninsular, a partir de Braga, uma das três capitais, a par de Lugo e Astorga. Simplificando, a investigadora conseguiu provar que que as grandes casas romanas da cidade de Braga eram estruturadas na forma vertical (com dois pisos) devido a restrições urbanas (como existem agora, através do PDM), enquanto que, por exemplo, em Coimbra, as casas eram quase palácios, estendendo-se na horizontal, por não existirem restrições nos lotes de construção.
Fernanda estudou e comparou as casas de diferentes pontos de Espanha e Portugal para chegar à conclusão que a arquitetura variava, e que no noroeste da Península existe uma forma característica na construção das habitações do período romano. Prova também que em Braga, os habitantes não seriam menos abastados financeiremente por terem casas mais pequenas, mas que o tamanho se devia precisamente às restrições de construção.
Braga vai valorizando o património romano
Responsável por escavações como o teatro romano de Braga, o quarteirão das Carvalheiras ou da Rua do Alcaide, Fernanda Magalhães crê que o poder político e os proprietários privados aprenderam a valorizar a importância histórica do património, até porque, crê, poderá ser um grande impulso para o turismo na pós-pandemia de covid-19.
“Neste momento começamos a entender que o património vai ser uma mais valia depois da covid, cada vez mais percebemos que vamos ter que apostar no património para ter turismo, e este terá de ser valorizado, pois outro tipo de turismo poderá ser muito frágil”, argumenta.
Também os investidores privados têm reconhecido essa importância. Fernanda dá o exemplo de uma descoberta recente em obras na Rua do Alcaide, onde num terreno privado apareceram fragmentos da cloaca máxima do grande coletor de drenagem da cidade de Braga no sentido Este/Oeste, algo que ainda não tinha surgido.
“Desde o início que avisamos o proprietário e ele compreendeu a importância de preservar e logo se ofereceu para isso. Acho que os proprietários percebem que estes achados são uma mais valia e não um impedimento às obras”, esclarece.
Arqueologia tem saída
Questionada por O MINHO sobre as saídas profissionais dos cursos de História (em que é licenciada) ou de Arqueologia (onde se especializou), Fernanda afirma que nunca teve receio e que sempre percebeu que poderia ter uma carreia na área que escolheu
“Sempre quis seguir por uma parte mais prática da História, não me via a trabalhar num arquivo, sempre quis estar em contacto com as pessoas, com a descoberta e foi por isso que fui para Arqueologia”, explica.
” Os professores sempre nos disseram quais as linhas que podíamos seguir, as que teriam mais saída, e no meu último ano de licenciatura surgiu oportunidade de participar num projeto em Romano. Na altura cheguei a ter dúvidas se seguia ou não mas os professores sempre estiveram presentes e disseram para seguir Arqueologia Urbana porque seria possível ter saídas profissionais, ao contrário do pré-histórico, por exemplo. Então direcionei a pesquisa para o Romano e hoje em dia para Arqueologia Urbana”, sublinha.
Quem é Fernanda Magalhães
Fernanda Magalhães nasceu em 1980 em Ponte de Lima e vive em Braga. É licenciada em História e mestre e doutorada em Arqueologia pela UMinho, na qual é investigadora do Lab2PT e arqueóloga da UAUM. É corresponsável pelo projeto científico Teatro Romano de Bracara Augusta e pelo projeto de musealização da área arqueológica das Carvalheiras e codirige escavações em vários locais de Braga, colaborando no estudo de materiais e tratamento de informação vinda dos trabalhos arqueológicos. A especialista em arquitetura doméstica romana tem três dezenas de artigos científicos e (capítulos de) livros, tendo participado em projetos internacionais como “Le ‘forme’ dell’acqua” e “Landscapes and societies” e sido membro do Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória.