O que têm em comum as gémeas Teresa e Luísa, António Variações e Pitanga? E os livros ‘Uma Aventura’, um busto do cantor e um barbeiro de luxo e motard? Arlindo Fagundes é o ilustrador da série de livros juvenis mais famosos do país, do busto de Variações na freguesia natal do cantor e da personagem de BD do momento. E faltam as peças de cerâmicas, icónicas, que fizeram o nome do bracarense ‘de coração’.
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Vamos por partes. Corria o ano de 1985 quando o editor Zeferino Coelho lançou o convite a Arlindo Fagundes. Havia duas ‘jovens’ professoras que tinham interesse em lançar uma colecção infanto-juvenil e a editora queria ilustrar as aventuras. Arlindo Fagundes, conhecido pelas suas “bonecadas políticas sobretudo cartoons”, aceitou o desafio.
“Hoje já faço aquilo sem grande excitação. Já é uma rotina”, reconhece o ilustrador. “Já não há conflito entre autoras e ilustrador o que, por um lado, facilita as coisas mas por outro tira toda a discussão que se poderia criar à volta da construção das personagens”.
E é aqui que Arlindo Fagundes tem as duas mãos de quota parte de responsabilidade. A imagem que temos das gémeas Teresa e Luísa, do Pedro, do Chico e do João foram idealizados por ele: “nas histórias eles não têm ‘uma cara’. Não há uma discrição precisa sobre aspectos físicos e assim, o ilustrador sente-se à vontade para criar as personagens à sua maneira”.
Mas também é “uma responsabilidade” porque a ideia que o leitor ficar das personagens “é dada, muito, pelas imagens, também”. E é aqui que Arlindo Fagundes faz o seu ‘mea culpa’: “os primeiros desenhos são muito maus. Se soubesse o sucesso que os livros iriam ter, teria tido outro cuidado no início”. Hoje, olhando para os primeiros volumes e comparando-os com os mais recentes “a evolução é notória”.
O ‘mau arranque’ tem uma explicação: a cerâmica, a grande paixão do artista. “Ocupava-me de sol a sol e fazia as ilustrações de ‘Uma Aventura’ fora de horas”.
França e Revolução
Vamos ao início. Arlindo Fagundes é natural de Ovar, entrou em Belas Artes em Lisboa mas “para fugir à guerra” foi para França onde esteve até ao 25 de Abril. Por lá tirou um curso de realização de cinema e era intérprete trilingue na empresa onde trabalhava.
“Quando percebi a revolução, vim logo para Lisboa e fui bater à porta da RTP”. Não havia vaga mas falaram-lhe de uma oportunidade na delegação do Porto. “Como a minha mulher é da vila de Prado e dava aulas no liceu de Guimarães” embarcou para a cidade invicta. “Realizava um programa de 30 minutos. Era uma ideia gira porque podíamos abordar os temas que quiséssemos”.
O 25 de Novembro de 1975 vê a colaboração com o canal público acabar: “no dia seguinte já não pude voltar à RTP”. Regressaria, apenas, para terminar os programas que já estavam filmados e que iriam para o ar em Janeiro do ano seguinte.
Cerâmica
Foi a necessidade que o levou à cerâmica: “os meus sogros tinham um forno que estava abandonado e sugeriram que eu o utilizasse. Fui fazendo experiências porque não era uma arte que dominasse e precisava de perceber como se fazia”.
O atrevimento de fazer peças originais e fora do comum foi um trunfo: “tinha a inocência de quem acaba de cair num sítio, sem constrangimentos e reconheço que foi uma pedrada no charco”.
As duas primeiras fornadas foram vendidas a uma loja em Braga: “na altura, pensei que ia ficar rico” porque as peças se vendiam muito bem. Hoje há obras de arte espalhadas por todo o país mas Arlindo Fagundes nem sabe bem onde estão: “há peças minhas no Museu da Olaria em Barcelos e o meu neto disse-me que viu um presépio num museu em Évora”.
O seu maior arrependimento foi não ter ficado com alguns trabalhos: “não tenho nenhum Cristo nem nenhum presépio e gostaria”. A cerâmica já lhe deu um grande prémio na Bienal de Cerveira.
Mas também lhe deu a maior mágoa. Deixou de trabalhar por causa de um problema nas costas, “ossos do ofício” e para não ter ‘tentações’ desfez-se da olaria em Prado.
Variações: busto e BD
Os olhos de Fagundes brilham quando começa a falar do busto de Variações, encomendado pela Câmara de Amares, e instalada na freguesia Natal do cantor. Está em lugar de destaque, na estrada nacional que liga Braga a Terras de Bouro.
Foi também o artista minhoto que o inspirou para a personagem icónica da banda desenhada que criou e cujo terceiro volume foi lançado recentemente. Com traços de Hugo Pratt e Fernando Relvas, Pitanga, a personagem central, é um barbeiro excêntrico que não larga um cachecol de bolas pretas.
O primeiro volume foi editado em 1985, o último em Junho deste ano: “é uma personagem para o qual criei um uniforme e em todos os livros há uma personagem real. No primeiro é o António Variações com quem falei e desde logo mostrou receptividade ao projeto”. O livro seria lançado por alturas da morte do cantor.
Futuro
“Nunca me senti velhote mas tenho projetos com a razoabilidade que a esperança de vida me parece permitir”, refere quando se fala em futuro. Passará pela ilustração e pelo desejo de expor: “há muito tempo que não faço uma exposição”.
O novo livro de ‘Uma Aventura Voadora’ já está no prelo, as ilustrações terminadas. Portanto, resta esperar para ver que surpresas nos reserva mais um volume (número 62) dos cinco amigos que marcaram várias gerações de leitores.