O Parlamento Europeu (PE) deverá aprovar hoje em Estrasburgo uma resolução não vinculativa onde reconhece a Rússia como Estado “patrocinador do terrorismo”, enquanto se avoluma a lista de alegados crimes de guerra atribuídos às partes em conflito na Ucrânia.
A resolução visa que Moscovo responda judicialmente por alegados crimes de guerra cometidos pelas suas forças na Ucrânia, que têm vindo a ser documentados desde o início da invasão da Ucrânia há quase nove meses.
No mais recente caso, e na sequência da recente retirada militar russa e de parte da população civil da cidade de Kherson, sul da Ucrânia e na margem direita do rio Dniepre, ocupada nos primeiros dias da invasão, o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky afirmou que os investigadores documentaram “400 crimes de guerra” cometidos pelas forças russas durante a ocupação.
Na segunda-feira, a Procuradoria-Geral da Justiça da Ucrânia também anunciou a “descoberta de quatro locais de tortura” usados pelos russos nessa cidade durante a ocupação e antes da retirada total para a margem esquerda do Dniepre em 11 de novembro.
Ainda no passado domingo, o procurador-geral da Ucrânia, Andriy Kostin, indicou estarem registados “47 mil potenciais crimes de guerra” no país e reivindicou um tribunal internacional especial para investigar e julgar “o crime de agressão” da Rússia que assemelhou a um “genocídio”
Desde o início do conflito que diversos ‘media’ e organizações internacionais, onde se tem destacado a Amnistia Internacional (AI), também têm revelado situações que podem configurar crimes de guerra, à semelhança da procuradoria-geral ucraniana, e mesmo que as informações nem sejam sempre coincidentes.
Kiev tem anunciado regularmente a descoberta de valas comuns em diversos locais do país anteriormente ocupados pelas forças russas, alguns com civis que apresentariam sinais de tortura.
Em abril, mais de 400 corpos de civis terão sido descobertos em Bucha, cidade situada nos arredores de Kiev.
Em março, as forças russas efetuaram um ataque aéreo que atingiu um teatro de Mariupol, onde estariam refugiadas muitas crianças, com um balanço de centenas de mortos, com a generalidade destas ações desmentidas por Moscovo. Um hospital desta cidade do sudeste, na região do Donbass, também foi atingido nesse mês.
Em setembro, foram encontrados 450 corpos – na maioria civis – em valas comuns em Izium, na região de Kharkiv. Ainda nesta cidade do nordeste, registo de ataques indiscriminados das forças russas, com uso de bombas de fragmentação.
Os tribunais ucranianos também já condenaram um soldado russo, assim como os separatistas russófonos do Donbass também sentenciaram diversos “mercenários estrangeiros” envolvidos no conflito, e membros do batalhão Azov, muitos deles entretanto envolvidos em trocas de prisioneiros.
Mais recentemente, e na sequência da designada “operação militar especial” desencadeada pelo Kremlin em 24 de fevereiro, o chefe de tanque russo, Vadim Shishimarin, 21 anos, foi condenado a prisão perpétua acusado de ter disparado contra um civil não armado na localidade de Chupakhivka, nordeste do país, alguns dias após o início da invasão.
Neste contexto, foi admitido que seria mais fácil indiciar por crimes de guerra os soldados individualmente face aos comandantes militares ou políticos com altas funções.
No início de agosto passado, um novo relatório da Amnistia Internacional (AI) revela que as táticas de combate ucranianas também colocavam civis em perigo, referindo-se a bases militares instaladas em zonas residenciais (incluindo escolas e hospitais), ataques lançados a partir de zonas residenciais, mas sublinhado que estas “violações dos direitos humanos” não justificam os ataques “indiscriminados e sistemáticos” da Rússia por terra, mar e ar a alvos residenciais e a civis.
Kiev reagiu de forma veemente, com o chefe da diplomacia ucraniana, Dmytro Kuleba, a manifestar “indignação” com as acusações “injustas” avançadas pela AI, enquanto o Presidente Volodymyr Zelensky considerava que a organização estava a “tentar amnistiar o Estado terrorista russo”.
Em paralelo, Moscovo também tem acusado Kiev da prática de “crimes de guerra”, sendo o mais recente a acusação da execução sumária de 11 soldados detidos na região de Lugansk e que estavam desarmados, tendo pedido à ONU que investigue este incidente.
O Comité de Investigação da Rússia abriu um processo criminal na semana passada e na segunda-feira o Kremlin garantiu que vai tentar identificar os responsáveis e julgá-los. Kiev rejeita a versão de Moscovo, mas a Procuradoria-Geral ucraniana anunciou na terça-feira que iniciou uma investigação sobre a alegada execução.
Os líderes russófonos do Donbass também têm denunciado bombardeamentos sistemáticos das tropas ucranianas contra zonas residenciais em Donetsk e Lugansk com muitas baixas civis e que decorrem desde o início do conflito nesta região do leste a Ucrânia, na sequência da rebelião separatista da primavera de 2014.
Responsáveis da Human Rights Watch (HRW), uma organização não-governamental sediada em Nova Iorque, têm ainda considerado que o estabelecimento da “cadeia de comando” é muito importante para qualquer futuro processo, em particular para determinar se um potencial crime foi autorizado por um dirigente.
Desde 2013 que o Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, investiga crimes de guerra e crimes contra a humanidade na Ucrânia, ainda antes da anexação da Crimeia pela Rússia. No entanto, o TPI não tem poder para prender suspeitos e a Rússia não é signatária do acordo que instituiu o Tribunal (à semelhança dos Estados Unidos ou China), sendo pouco provável que extradite dos suspeitos.
O TPI também pode desencadear processos judiciais contra dirigentes políticos por terem “promovido uma guerra agressiva”, uma invasão ou conflito injustificado que não tenha sido efetuado em estado de legítima defesa.
No entanto, será muito difícil ao TPI indiciar os dirigentes russos, incluindo o Presidente Vladimir Putin, pelo facto de o país não ser signatário do tribunal.
Desta forma, admite-se a formação de um tribunal próprio para julgar os potenciais crimes de guerra e contra a humanidade, e quando os tribunais ucranianos já começaram a organizar os seus próprios processos.
Em teoria, o Conselho de Segurança da ONU também pode pedir à sua instância judicial que inicie uma investigação, mas a Rússia poderá sempre aplicar o seu veto.
A ONU apresentou como confirmados desde o início da guerra 6.595 civis mortos e 10.189 feridos, sublinhando que estes números estão muito aquém dos reais.