Aldeia que era o “celeiro do Alto Minho” vai voltar a cavar a terra e a semear o centeio como antigamente

No próximo domingo
Foto: DR

Os habitantes de Miranda, aldeia serrana de Arcos de Valdevez, vão juntar-se, no próximo domingo, para recriarem, pela primeira vez, uma cavada da terra e sementeira do centeio, atividade agrícola antiga, feita manualmente e sempre “em comunidade”.

Naquele dia, os tratores vão dar lugar às enxadas, que, levantadas com a força dos braços, abrem as leivas, onde são largadas as sementes do centeio. Os “lavradores” vão vestidos com as roupas que antigamente se usavam na lavoura e munidos de enxadas ao ombro.

A atividade é promovida pela Associação Cultural, Recreativa e Desportiva (ACRD) de Miranda, em Arcos de Valdevez, “para preservar usos e costumes de outros tempos, sobretudo relacionados com a lavoura, o principal meio de sustento na freguesia, hoje com cerca de 250 habitantes, a maioria idosos e poucas crianças”.

“Miranda era o celeiro do Alto Minho. É uma aldeia com muitos terrenos, muitos chãos [planos] e tem muita abundância de água, propícios para a produção de trigo e centeio. Com a chegada do outono, chegavam as cavadas da terra para semear estes cereais”, explicou a presidente da ACRD.

Contactada pela agência Lusa, Alexandrina Cunha adiantou que a cavada da terra, era uma prática muito usual, que foi desaparecendo com a introdução das máquinas agrícolas.

“Antigamente, os trabalhos agrícolas eram realizados em comunidade. Toda a gente participava. O que pretendemos com esta iniciativa é relembrar a entreajuda. Juntavam-se os vizinhos e havia quase um cronograma. Hoje vamos todos ajudar o fulano, amanhã o sicrano, era mesmo assim que funcionava esses trabalhos que acabavam por ser de convívio e festa”, contou.

Tal como noutros tempos, “a cavada da terra vai ter animação, com a Rusga da Miranda, e merenda, como o típico arroz de feijão, acompanhado de uma boa malga de vinho”.

A atividade, que vai acontecer a partir das 14:00, faz parte do projeto Reviver Tradições que a ACRD de Miranda desenvolve desde 2016, com a recriação da malhada do centeio, a desfolhada, a ida ao moinho para moer os cereais e fazer o pão de milho, a vindima, a rojoada à moda antiga, a matança do porco, o domingo gordo.

Alexandrina Cunha explicou que, segundo “o preceito católico, fielmente seguido na freguesia, os dias que antecediam a Quaresma eram intitulados de dias gordos, dias de dizer adeus à carne, visto que se ia entrar num tempo de rígida abstinência”.

“É muito interessante ver a envolvência das pessoas nestas atividades, principalmente das pessoas mais velhas. Ao mesmo tempo que querem participar, sentem uma nostalgia e relembram memórias e momentos que para eles foram muito felizes. Alguns passavam fome, mas eram felizes nestes trabalhos”, realçou Alexandrina Cunha.

A presidente da ACRD de Miranda destacou ainda “a partilha intergeracional, com os mais velhos a ensinarem os mais jovens, contando as histórias e experiências que viveram no passado”.

“Os mais novos perguntam aos mais velhos quais são as suas melhores memórias, para que servem as alfaias e utensílios agrícolas, objetos que eles não veem atualmente. Nós vivemos muito na época do cimento e da tecnologia, só que não comemos isso. É importante que eles saibam de onde vêm os alimentos que eles comem”, afirmou.

Além de recriar vários trabalhos e várias tradições da freguesia, registadas em vídeo, para “guardar e passar às gerações futuras”, a associação tem vindo a recolher testemunhos dos mais antigos, imagens de materiais, antigas alfaias e objetos, para fazer uma exposição e perpetuar os usos e costumes da aldeia.

Outro dos projetos da associação passa pela recuperação de pelo menos um dos mais de 30 moinhos da aldeia, para recriar a transformação dos cereais.

 
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