Oito anos depois, a pequena aldeia serrana de Cambezes, em Cabeceiras de Basto, voltou a estar cercada pelas chamas, mas, desta vez, além do pânico, o fogo trouxe a destruição de casas, uma de primeira habitação, a do n.º 61.
Construída no cimo do monte, da habitação, conhecida localmente como “casa florestal” e habitada por um casal e duas filhas, resta apenas a placa com o número da porta (61), as memórias, as paredes, as cinzas e o ferro torcido pelo fogo, que destruiu tudo o que havia no seu interior.
“Ficaram só com a roupa que tinham vestido”, conta Manuel Gonçalves, 70 anos, que levou a reportagem da agência Lusa até ao local, pintado de negro, onde agora reina o silêncio, mesmo dos três cães presos em casotas ou deitados, indiferentes a qualquer presença.
O morador, nascido e criado em Cambezes, lembra-se perfeitamente do grande incêndio que atingiu a região e a aldeia, em 2016, mas não tem dúvidas em afirmar que o desta semana foi “muito pior”, sobretudo porque destruiu totalmente duas casas, uma de primeira habitação, uma terceira parcialmente, anexos, produções agrícolas e matou vários animais, ao contrário do que aconteceu há oito anos.
Na aldeia tipicamente serrana moram “entre 60 e 70 pessoas”, a maioria acima dos 50 anos e todos se conhecem. À sua volta, o cenário, que, até segunda-feira era o de uma grande mancha verde, onde reinava o pinheiro, é agora o oposto: terra queimada, postes caídos, árvores dizimadas e um rasto de destruição ao longo das encostas, onde, além do cheiro, ainda é possível ver madeira a “fumegar”.
No centro da pequena localidade mora Ana Matos, 78 anos, que viu as chamas a destruírem-lhe um anexo, onde tinha ração e 22 coelhos: “Morreram todos”, disparou a septuagenária.
A moradora conta que, na manhã de segunda-feira tinha ido às compras, mas que, entretanto, lhe ligaram a alertar para o incêndio que estava às portas da aldeia.
“Quando cheguei, nunca pensei que fosse assim. Foi o pandemónio e corria muito vento. O anexo onde tinha os coelhos começou a arder e ninguém fez nada, nem os bombeiros que aqui estavam. Na minha opinião, isto [o combate às chamas] foi muito mal organizado. Houve muita coisa que ardeu e que se podia ter evitado”, defende Ana Matos.
Enquanto partilhava o seu testemunho com a Lusa à porta de casa, na rua, a caminho do café da aldeia passa um sobrinho seu, invisual, desde os 14 anos: “A Proteção Civil e a GNR é que o foram retirar de casa, pois já estava tudo a arder à volta”, conta a tia de José Ferraz.
Comparativamente com o fogo de 2016, a moradora confirma que a grande diferença é que o de há oito anos não destruiu casas, nem barracos, nem anexos nem se perderam animais.
No café da aldeia, o assunto continua a ser o incêndio “que metia medo” e que voltou a cercar a aldeia, passados oito anos.
“Daqui a oito anos volta a acontecer novamente”, ouve-se, em tom de crítica pela falta de limpeza das florestas e nas imediações das habitações, na conversa entre o ‘Neca’, Joaquim Martins e José Ferraz.
Sobre a causa do incêndio, os moradores não têm dúvidas de que se tratou “de fogo posto”.
“Há três semanas tentaram, mas como não havia este vento nem estas temperaturas conseguiu extinguir-se o fogo a tempo. Esta semana, como houve o alerta [da Proteção Civil], aproveitaram a oportunidade. O local da ignição dos dois incêndios foi o mesmo”, conta ‘Neca’.
Entretanto, era hora de almoço. Para Joaquim Martins e José Ferraz foi só atravessar a rua, até ao centro de dia, onde já estava Manuel Gonçalves, o morador que nos levou até ao que restou da casa n.º 61.
O presidente da Câmara de Cabeceiras de Basto indicou ontem que os incêndios que lavraram entre domingo e quarta-feira consumiram em todo o concelho “entre 4.500 e 5.000 hectares”.
“Estes incêndios foram dos mais complicados que ocorreram no território de Cabeceiras de Basto. Em 11 anos que estou na câmara foi das situações mais complicadas que vivi ao nível de incêndios”, afirmou Francisco Alves (PS).
O autarca diz que ainda está a ser feito o levantamento dos prejuízos materiais causados pelos fogos, revelando que já tem a garantia do Governo de que o município estará abrangido pelo estado de calamidade pública.
Sete pessoas morreram e 161 ficaram feridas devido aos incêndios que atingem desde domingo sobretudo as regiões Norte e Centro do país, nos distritos de Aveiro, Porto, Vila Real, Braga, Viseu e Coimbra, e que destruíram dezenas de casas.
A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) contabiliza cinco mortos, excluindo da contagem dois civis que morreram de doença súbita.
A área ardida em Portugal continental desde domingo ultrapassa os 121 mil hectares, segundo o sistema europeu Copernicus, que mostra que nas regiões Norte e Centro já arderam mais de 100 mil hectares, 83% da área ardida em todo o território nacional.