No coração da área protegida de Ponte de Lima, a aldeia de Bertiandos fez-se passar pela selva amazónica, no Brasil, para a rodagem da série “Operação Maré Negra”, uma coprodução luso-espanhola para a Amazon Prime.
A pacatez da aldeia foi interrompida pela agitação de perseguições de carros e tiros entre traficantes. Simula-se a selva de Manaus, no noroeste brasileiro, e um estaleiro clandestino que construiu um submarino artesanal de 21 metros de comprimento e uma tonelada de peso para transportar três toneladas de droga da América do Sul para a Europa.
Baseada na história real de um submarino carregado de droga, que em 2019 passou por Portugal e foi intercetado na Galiza, “Operação Maré Negra” foi anunciada, em junho, apresentada como “a primeira coprodução luso-espanhola” para a Amazon Prime, com produção da Ficción Producciones (Espanha) e Ukbar Filmes (Portugal) e participação da RTP.
A aldeia de Bertiandos “encantou” o realizador espanhol Oskar Santos “pelas zonas planas, ideais para as perseguições automóveis e pela vegetação frondosa”.
No meio da mata foram montados os acampamentos dos trabalhadores do estaleiro, peça essencial da odisseia.
A maior dificuldade que o realizador encontrou foi rodar as cenas com o submarino que, na vida real, foi construído para a ficção, em Ferrol, na Galiza.
“O ideal seria filmar tudo no mesmo local. Poupa-se tempo e dinheiro, não foi o possível, mas tudo acabou por se resolver”, explica Oskar Santos.
A coprodução luso-espanhola andou, com a logística às costas, entre Ponte de Lima, Viana do Castelo e Ponte da Barca, Porto, Vila Nova de Gaia e Águeda para conseguir gravar o segundo episódio da série, em busca de espaços parecidos com a floresta considerada o “pulmão do mundo”.
Para a produtora Mamen Quintas, foi “fácil” construir a ficção, por ser inspirada numa história verídica e recente do narco-submarino que atingiu o litoral europeu, em águas galegas, em novembro de 2019 e, ao mesmo tempo, “complicado” porque para construir uma “história potente” era necessário o distanciamento do caso, ainda em fase de julgamento.
Bertiandos foi cenário da viagem do submarino que partiu de Manaus, carregado de droga. No interior, três homens sobrevivem à odisseia transatlântica recheada de tormentas, correntes, avarias, fome, discussões e a uma constante pressão policial até ao abandono junto a uma praia em Aldán, Cangas de Morrazo, na Galiza.
O quartel-general da equipa de filmagens, de mais de 80 pessoas, instala-se em terrenos junto à igreja de Bertiandos, ponto de partida para a ação, uns metros largos à frente, no meio do mato, onde são filmadas quatro cenas por dia.
O vai e vem entre a base e o ‘set’ é monitorizado pela GNR, que garante o trânsito e gere a curiosidade de quem passa na zona, local de caminhadas e passeios.
Um refeitório improvisado, camarins móveis e cabides gigantes com os figurinos, tudo ordenado numa parafernália de logística, mesmo ao lado da igreja e do cemitério contíguo.
Numa tenda montada para “mesas redondas”, realizadores, produtores e atores rodam entre os jornalistas convidados para uma visita guiada.
O protagonista, o ator Alex Gonzalez, interpreta Nando na série, enquanto capitão do submersível. A viagem iniciada no Brasil fora planeada para pagar dívidas de um negócio de Nando e Sérgio (o português Nuno Lopes), que correra mal em Espanha.
A “química” entre os atores foi “imediata” e determinante para o sucesso das filmagens em que ambos contracenam.
Por exemplo, para filmar o transporte de droga que faziam e que correu mal porque um gangue rival lhes roubou a carga, em Vigo, demoraram 11 horas, dentro de uma lancha, no mar.
Sérgio é uma personagem diferente na carreira de Nuno Lopes, o que pesou no momento de aceitar o convite da coprodução luso-espanhola: “Ultimamente tenho sido muito chamado para uma espécie de ‘macho latino lover’. Este personagem é o oposto disso”.
O colombiano David Trejos interpreta Angelito, um viciado em cocaína que lidera o cartel que fornece a droga para a viagem de quase um mês, ficcionada no terceiro episódio da série.
A camaradagem entre todos os atores foi fundamental para o sucesso da representação e tal como Gonzalez, Trejos não esquece as cenas filmadas no interior do submarino, durante 22 horas.
O espaço “muito pequeno” chegou a juntar uma equipa de 12 pessoas. O calor que fazia transpirar sem parar, os litros de água bebidos e o alívio de respirar ar puro, quando cada cena terminava, estão gravados na memória do ator.
Há cinco meses a viver numa ponte aérea entre Portugal e Espanha, o ator brasileiro Bruno Gagliasso recebeu o convite para a produção destinada à Amazon Prime ainda não tinha acabado de gravar outra série, mas para a Netfilx (“Santo”, também sobre tráfico de droga).
Aceitou interpretar João, engenheiro de construção naval, “maravilhado” com a inteligência e sedução da personagem, responsável pela construção do submarino e que se relaciona com os traficantes da Colômbia que fornecem a droga para uma missão impossível.
A estreia da série “Operação Maré Negra” está marcada para julho de 2022.
Coproduções permitem projetos com financiamento e ambição internacionais
O diretor de programas da RTP1, José Fragoso, defende que as coproduções internacionais no audiovisual permitem realizar “projetos com dimensão de financiamento e ambição à escala internacional” que seriam impossíveis de concretizar se a estação pública portuguesa trabalhasse sozinha.
“Este tipo de parceria permite-nos pensar em projetos que tenham dimensão em termos de financiamento e ambição com outra escala, que seria completamente impossível se estivéssemos a falar da só da RTP, sozinha no projeto” afirmou à Lusa.
José Fragoso, que falava à agência Lusa em Bertiandos, Ponte de Lima, durante uma visita a um dos palcos de rodagem em Portugal da série “Operação Maré Negra”, para a Amazon Prime, salientou que aquela produção “tem escala, elenco e ambição internacionais”, e “vai ser vista no mundo inteiro, somando espectadores”.
A “Operação Maré Negra”, com correalização de Daniel Calparsoro, Oskar Santos e do português João Maia, é apresentada como “a primeira coprodução luso-espanhola” para aquela plataforma de ‘streaming’, com produção de Ficción Producciones (Espanha) e Ukbar Filmes (Portugal) e participação da RTP.
O drama bilingue, em espanhol e português, é inspirado no caso real “Maré Negra”, uma investigação que resultou do fracasso de um submarino carregado de droga a atingir o litoral europeu, em águas galegas. A rodagem teve início no dia 07 de julho em Espanha e termina sexta-feira em Portugal.
“Este projeto só é possível neste ambiente de coprodução, um vetor muito importante de produção de ficção na Europa”, referiu José Fragoso, sublinhando que as coproduções “são uma oportunidade para os países europeus e as televisões públicas trabalharem entre si”.
Para José Fragoso, a série para a Amazon Prime Video é “uma oportunidade para as operadoras de ‘streaming’ que investem muito em ficção e têm vontade de produzir” em Portugal, o que permite a “diversidade de oferta” nacional.
“Em Portugal não temos tradição nenhuma de fazer série de ação. Fazemos comédias, séries históricas e contemporâneas, adaptações de obras literárias, mas é muito raro uma série com esta dinâmica”, apontou, destacando também que estas produções, ao contrário das telenovelas, “ficam no tempo e, dentro de 30 a 40 anos, farão parte do património audiovisual português”.
A produtora portuguesa, Pandora da Cunha Telles, da Ukbar, destacou que a recente publicação da nova legislação para o audiovisual veio regulamentar o investimento dos operadores de ‘streaming’ em Portugal, garantindo “fontes de financiamento extremamente interessantes que facilitam a produção de projetos diferentes”.
“Normalmente não produzo projetos de ação. Este está a dar-me imenso gozo e vontade de procurar outras histórias. A possibilidade de maior financiamento abre esse horizonte. Podemos sonhar fora dos nossos padrões atuais e sonhar mais alto. Estas portas, quando se abrem, raramente se fecham”, explicou.
A produtora defende ser necessário “instigar a mudanças estruturais” em Portugal, “não apenas no processo criativo”, mas de “redimensionamento estratégico” que “torne o audiovisual nacional mais competitivo e concorrencial a nível europeu”.
Como exemplo, apontou os custos elevados de uma produção com cenas filmadas em equipamentos públicos, como museus e pontes, situação que não se verifica em Espanha.
Para o realizador espanhol Daniel Calparsoro a aprovação recente de um convénio cinematográfico europeu de televisão vem introduzir “regras” no setor e “abrir oportunidades impensáveis de competitividade no mercado internacional, sobretudo no americano, indiano e chinês”.
Calparsoro aponta a “rapidez” com que começou a ser produzida a série “Operação Maré Negra”, com quatro episódios, cada um com 50 minutos.
Foram cerca de seis meses desde a conclusão do guião até ao início das filmagens, o que, para o realizador espanhol, “demonstra a competitividade da união entre Portugal e Espanha”.
A coprodução começou a ser delineada em janeiro, em julho começaram as rodagens em Espanha. As filmagens terminam na sexta-feira, em Portugal, e a estreia já está marcada para 2022.
A história real do caso de tráfico de droga chegou a Daniel Calparsoro através de um jornalista do La Voz de Galicia, que investigou o caso e que vai também publicar um livro com o mesmo nome da série.
“Ele tinha muita documentação sobre o caso, o que permitiu arranjar rapidamente o financiamento suficiente para poder ter um projeto ambicioso”, explicou.
Fruto de colaborações anteriores, “foi possível realizar o ‘casting’, de primeira linha e, em pouco tempo, começar a filmar”.
“Temos dos melhores atores de Portugal, Espanha, Brasil, Colômbia e uma máquina oleada que dá continuidade aos projetos”, acrescentou.
O realizador português João Maia destaca o trabalho em equipa com os colegas espanhóis, num “processo muito tranquilo”.
As conversas entre os três permitiram que cada um “absorvesse” as ideias dos outros, tal como aconteceu com os atores de diversas nacionalidades que contracenam na série.
A coprodução luso-espanhola escusou a revelar o orçamento da série, mas Pandora da Cunha Telles admitiu “estar muito acima do investimento em uma série exclusivamente portuguesa, multiplicado várias vezes”.
Reportagem de Andrea Cruz, da Agência Lusa.