Os elementos da PSP que estiveram na Cova da Moura, na Amadora, depois de um agente ter baleado Odair Moniz deram versões diferentes à Polícia Judiciária sobre a existência de uma faca.
A conclusão consta do relatório da própria Polícia Judiciária, consultado pela agência Lusa, que aponta incongruências às declarações dos vários agentes da PSP que se deslocaram ao local onde Odair Moniz morreu, na madrugada de 21 de outubro do ano passado, sobre a existência de uma arma branca.
De acordo com a PJ, alguns agentes afirmaram que viram a faca assim que chegaram ao local, outros disseram que só a identificaram quando o corpo foi retirado pela equipa médica e outros afirmaram nunca ter visto qualquer arma branca.
Algumas das declarações dos vários agentes da PSP chamados à Cova da Moura contrastam com a versão dada inicialmente pelo agente que está agora acusado de homicídio no auto da PSP que foi enviado para o Ministério Público. No auto, o agente referiu que foi ameaçado com um punhal por Odair Moniz.
O relatório da PJ dá mais detalhes sobre as versões apresentadas pelos polícias sobre a madrugada de 21 de outubro. Por exemplo, um dos agentes disse que viu a faca junto a Odair Moniz, ao nível da anca. Já outro agente disse ter visto a faca a cerca de 50 centímetros do corpo de Odair e próximo da sua mão esquerda.
Já os dois elementos da investigação criminal da PSP descreveram os factos de forma diferente: um, apesar de ter estado muito próximo do corpo de Odair, disse ter visto a faca apenas quando o corpo foi removido e outro disse não ter visto qualquer objeto quando esteve no local pela primeira vez, tendo visto um punhal quando regressou pela segunda vez ao local, depois de se ter ausentado por alguns minutos.
A Polícia Judiciária diz ainda, com base nas imagens recolhidas, que estes dois polícias da investigação criminal e um dos agentes chamados ao local estavam praticamente no mesmo sítio, partilhando a mesma perspetiva da vítima e do sítio, e, no entanto, partilhavam versões diferentes sobre a existência de uma faca junto a Odair Moniz.
A estas incongruências, como refere a PJ, há ainda o facto de o agente que disparou dois tiros contra Odair Moniz ter relatado versões diferentes aos colegas e aos superiores hierárquicos. Aos primeiros, disse ter sido ameaçado com uma arma branca e, aos segundo, não mencionou qualquer tentativa de agressão, nem mesmo a existência de uma faca.
No auto de notícia feito pela PSP e enviado para o Ministério Público, o agente que baleou Odair Moniz refere que o homem que morreu tinha uma arma branca na mão e que tentou agredi-lo na cabeça. No entanto, quando prestou as primeiras declarações à Polícia Judiciária não falou na tentativa de agressão e mencionou apenas ter visto numa das bolsas que Odair usava à cintura um objeto parecido com uma lâmina de uma faca e que Odair terá tentado alcançar a faca.
A PJ admite mesmo a possibilidade de o agente não ter sido o autor do auto de notícia.
Sobre o auto da PSP, o Ministério Público determinou a extração de certidão para investigar a alegada falsificação do documento, elaborado no âmbito da morte de Odair Moniz.
Em comunicado, a direção nacional PSP explicou na altura que um homem em fuga morreu após ser baleado pela polícia na Cova da Moura, quando tentava resistir à detenção e agredir os agentes com uma arma branca.
Segundo aquela força de segurança, os agentes da PSP deram ordem de paragem a um homem de 43 anos que, ao visualizar a viatura policial, encetou fuga para o interior do bairro da Cova da Moura, tendo o condutor entrado em despiste, abalroando viaturas estacionadas e o carro em que seguia ficado imobilizado.
De acordo com a PSP, na rua principal do bairro os agentes abordaram o suspeito, que “terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca”.
A PSP indicou ainda que “esgotados outros meios e esforços” um dos polícias recorreu à arma de fogo e atingiu o homem.
Além do processo judicial, estão a decorrer na Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e na PSP processos de âmbito disciplinares.
A IGAI indicou à Lusa que o inquérito se mantém na fase de instrução e sujeito a segredo.
Neste momento, o agente da PSP e arguido está de baixa e não existe ainda data para que regresse ao trabalho, tendo sido transferido da esquadra onde estava a trabalhar na ocasião em que a vítima foi morta.
Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano de 43 anos e morador no Bairro do Zambujal, no mesmo concelho, morreu no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, pouco tempo depois de ter sido baleado.
Na semana seguinte à morte de Odair registaram-se tumultos no Zambujal e noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, onde foram queimados e vandalizados autocarros, automóveis e caixotes do lixo, somando-se cerca de duas dezenas de detidos e outros tantos suspeitos identificados.