O advogado Ernesto Salgado, conhecido por defender as três freiras e o padre de Requião, em Famalicão, que estão a ser todos julgados por alegados crimes de escravidão e de maus tratos a noviças, sentou-se, esta semana, no banco dos réus, Palácio da Justiça de Braga, como único arguido de um processo em que é acusado de supostamente se ter locupletado com um cheque de 100 mil euros, da conta bancária do tio de um seu cliente de Santo Tirso, tendo passado o julgamento a desmentir tudo.
Ernesto Salgado jura que nunca viu sequer a cor do dinheiro, nem sabia de qualquer tramoia, relacionada com a situação do cheque, cujo levantamento só foi possível porque foi apresentada uma procuração falsa, com assinatura falsa certificada pelos CTT, ao gerente da CGD de Lamaçães, que era conhecido de Ernesto Salgado através de convívios proporcionados por jantares, pelo que em 20 de julho de 2010 pediu à subgerente da agência que com ele assinasse um cheque não à ordem, devido à “procuração”.
O advogado de Famalicão é acusado por crimes de burla qualificada e de falsificação de documento, já que, segundo o Ministério Público, terá “fabricado” uma procuração falsa, com a qual, recorrendo a um empresário seu amigo, em nome do qual foi emitido o cheque de 100 mil euros, se terá locupletado com o dinheiro, quantia que o MP requer seja devolvido ao Estado em caso de condenação definitiva de Ernesto Salgado, tendo a Caixa Geral de Depósitos devolvido essa verba para a conta do seu cliente já idoso.
Ernesto Carlos da Costa Salgado, de 47 anos, casado, natural e residente na freguesia de Requião, em Vila Nova de Famalicão, onde nasceu a 28 de maio de 1975, nega qualquer tipo de intervenção, pelo menos conscientemente, do que se passou, com tal levantamento fraudulento de 100 mil euros, na agência da Caixa Geral de Depósitos de Lamaçães, em Braga, tendo já referido ao Tribunal Coletivo que “eu limitei-me a acompanhar um amigo da Trofa, à data empresário de sucesso em Famalicão, pelo que não desconfiei de nada”.
Empresário também suspeito fugido em Espanha
Segundo a acusação do Ministério Público de Braga, o advogado Ernesto Salgado, enquanto advogado, com escritório em Vila Nova de Famalicão, teve conhecimento das “fragilidades” de Joaquim Carneiro de Oliveira, um idoso, de Santo Tirso, aproveitando-se então do facto de um sobrinho, a quem o tio iria doar, ainda em vida, bens, terá engendrado um esquema, para logo aceder a uma conta da Caixa Geral de Depósitos, quando o familiar o procurou em Famalicão, porque não queria que se soubesse da doação em Santo Tirso.
Na tese da acusação pública, Ernesto Salgado “na execução de atos próprios da profissão que exerce, apercebeu-se que Joaquim de Oliveira possuía avultada quantia depositada na Caixa Geral de Depósitos e conhecendo as suas fragilidades, engendrou um plano que tinha como finalidade apropriar-se do património” do idoso, residente em Santo Tirso, “sob pretexto de ser seu representante, contando com a colaboração” de um empresário seu amigo, tendo sido o seu primeiro passo “o pedido de uma procuração para a doação legal”.
Segundo o Ministério Público, “aproveitando essa procuração que elaborou como advogado de Joaquim de Oliveira, aproveitando a estrutura montada, fabricou uma procuração, semelhante” à inicialmente já prestada pelo idoso, em 23 janeiro de 2009, num cartório.
Com assinaturas falsificadas do titular da conta na CGD de Santo Tirso, bem como de um notário de Famalicão, o advogado Ernesto Salgado terá, segundo refere o Ministério Público, com base em investigações da Polícia Judiciária do Porto, ido com o empresário amigo, residente na Trofa e estabelecido em Famalicão, à agência de Lamaçães, em Braga, “munido de uma cópia autenticada da procuração fabricada por Ernesto Salgado e com a sua credibilidade junto do gerente da CGD, seu conhecido”. Conseguiu que fosse emitido um cheque “não à ordem” a favor de uma imobiliária, que tendo como o sócio estatutário o empresário seu amigo, “era Ernesto Salgado quem tomava as decisões e detinha poderes de acesso à conta bancária” desta empresa.
Ainda segundo o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do MP de Braga, o cheque foi emitido a favor da imobiliária, em nome de Luís Pinheiro Sá Couto Reis, atualmente fugido algures em Espanha, por isso não estando a responder ao lado de Ernesto Salgado, tendo sido este último, na versão do Ministério Público, quem “depositou o cheque e imediatamente levantou todo o dinheiro”.
A partir daí, os familiares do idoso averiguaram a situação e tendo conhecimento da intervenção do advogado Ernesto Salgado no caso do levantamento fraudulento dos 100 mil euros, contactaram-no logo, só que o advogado famalicense, segundo uma familiar, “foi evasivo e só queria saber se o nosso tio já tinha morrido ou não”, após o que todos cortaram relações com aquele profissional. Estavam convencidos que Ernesto Salgado estaria de algum modo, direta ou indiretamente, relacionado com aquele levantamento fraudulento, tendo a vítima da fraude falecido em 2017, enquanto o empresário de Famalicão está ainda fugido em Espanha.
Ernesto Salgado diz estar 100 por cento inocente
Mas Ernesto Salgado nega tudo, de fio a pavio, salientando desde logo que “nunca deixei de ser advogado, nem tive quaisquer tipo de condenações disciplinares da Ordem dos Advogados”, mostrando-se mesmo notoriamente incomodado porque está a ser julgado e agradeceu aos três juízes “a oportunidade de pela primeira vez falar, o que até aqui não fiz, devido à imposição do sigilo profissional”.
Ernesto Salgado afirmou, na Instância Central Criminal de Braga, “ser tudo completamente falso” e “ser alheio a toda essa situação”, salientando “ter uma carreira sempre pautada pela correção, ética e deontologia, eu nunca foi castigado pela Ordem dos Advogados”, enquanto a Caixa Geral de Depósitos já devolveu os 100 mil euros na conta do seu cliente após uma ação cível movida pelos familiares.
O advogado, à data com escritórios em Famalicão e Barcelos, declarou aos juízes “ter feito um favor a um empresário de sucesso de Famalicão que era meu amigo, de uma família tradicional da Trofa, tudo gente insuspeita, limitando-me a acompanhá-lo à agência da Caixa Geral de Depósitos, em Lamaçães, cujo gerente também era meu amigo, mas de onde saí antes de ter sido levantado o cheque”.
“Eu ia a sair do Tribunal de Santo Tirso, quando por coincidência dei com o Luís Pinheiro, acabado de sair dos Correios com uma sua procuração autenticada, a perguntar se eu conhecia alguém na Caixa Geral de Depósitos, eu disse que sim, mas em Braga, pelo que a seguir fomos a Braga, eu apresentei-o ao gerente da agência de Lamaçães, já que eram ambos meus amigos, tendo-me vindo embora, nunca assisti à emissão de nenhum cheque, não recebi dinheiro algum, nem soube de mais nada, até ser ouvido pela Polícia Judiciária”.