A Sanjo foi comprada por dois empresários de Braga, José do Egipto e Hélder Pinto, que estão apostados em dar uma nova vida à mais antiga e emblemática marca de sapatilhas portuguesa.
Com quase 90 anos de história, a Sanjo já enfrentou altos e baixos, mas os seus modelos K100 e K200 são icónicos e a marca continua presente no imaginário dos portugueses.
Os novos proprietários apostam na qualidade e conforto dos artigos – daí a produção ter passado a ser 100% nacional – e chegar às gerações mais novas, pois serão elas a garantir o futuro da marca, que agora tem a sua sede na capital do Minho.
Marca comprada em janeiro de 2019
Quando propuseram a José do Egipto comprar a Sanjo, inicialmente, o empresário, com historial ligado aos transportes e à medicina do trabalho, descartou essa possibilidade, apesar de a marca lhe dizer muito, porque “quando era miúdo” trabalhou numa loja de desporto que vendia a marca. “E usei Sanjo muitos anos, mas não estava no meu horizonte meter-me no mundo da moda”, conta a O MINHO.
Porém, após insistência, falou do negócio ao sócio Hélder Pinto, com quem havia constituído uma empresa vocacionada para equipamentos de proteção individual e fardamento de trabalho.
Com passado empresarial ligado à moda e ao comércio, Hélder Pinto “ficou empolgado” e o seu entusiasmo contagiou José do Egipto, que confessa: “Ele é que mais me incentivou a comprarmos a marca”.
Tomada a decisão de avançar, começaram as negociações e a compra foi efetivada em janeiro de 2019.
Sanjo, uma longa história
A história da Sanjo remonta a 1933, quando em São João da Madeira, na Companhia Industrial de Chapelaria, começa a ser construída a primeira marca de sapatilhas portuguesa batizada de Sanjo, em honra àquela cidade, ficando estabelecida em 1936.
Só em 1944 é que a fábrica da Sanjo é finalmente construída, tornando-se autónoma e permitindo uma produção de calçado mais séria e dedicada. Em pleno Estado Novo, com leis protecionistas e a propaganda do regime exacerbando a identidade nacional também através do design, a Sanjo torna-se, segundo a história da marca, “o calçado oficial de um país – uma marca que moldou a identidade e o design português”.
Os anos 50, 60 e 70 do século passado foram a época de ouro da marca, que se afirma então como a principal marca de calçado desportivo em Portugal.
Contudo, após o 25 de Abril de 1974 e com a abertura do país ao mercado global, a Sanjo não consegue competir com as marcas desportivas internacionais. A Companhia Industrial de Chapelaria fecha em 1996 e, no processo de encerramento, é perdido o molde das sapatilhas Sanjo.
A marca é comprada em 1997 e, sob nova administração, começa a sua segunda vida, com muito trabalho de pesquisa e investigação para reproduzir o molde perdido. Em 2010, a Sanjo regressa ao mercado com os dois modelos clássicos, K100 e K200.
Por impossibilidade de produzir solas vulcanizadas por questões ambientais em Portugal, a produção passa a ser feita na China. O objetivo era manter as sapatilhas o mais semelhantes possível ao que eram na sua época de ouro, com a sola vulcanizada e a parte de cima de lona. Graças a uma onda de revivalismo nacional, a marca começa a surgir de novo na memória dos portugueses.
Por fim, em 2019, a Sanjo é adquirida pelos empresários José do Egipto e Hélder Pinto, que tomaram logo a decisão de tornar a produção totalmente nacional. Perdeu-se a sola vulcanizada, introduzindo-se uma sola colada com maior consciência ambiental, mas mantendo a típica borracha e a lona tão marcantes da Sanjo.
“Chegámos à conclusão de que sendo a Sanjo um produto tão icónico português não fazia sentido estar a produzir na China”, realça José do Egipto. “Então começámos à procura de alternativas para fazer produção nacional e foi a melhor decisão que tomámos, porque hoje em dia está-se a valorizar muito o que é feito em Portugal”, acrescenta.
A produção foi entregue a uma fábrica de Felgueiras que foi “espetacular” na forma como abraçou o projeto e “ajudou muito na criação dos modelos”, sublinha o empresário bracarense.
Aposta na loja online
As primeiras sapatilhas começam a ser comercializadas em 08 de outubro, quando é aberta a loja online. “Decidimos logo que a grande aposta ia ser a venda online, porque é mais rápido e mais fácil de chegar a mais gente”, constata José do Egipto.
Para já, não está nos horizontes abrir uma loja física em nome próprio. A Sanjo está presente em apenas alguns pontos de venda (que podem ser consultados no site). “Somos muito criteriosos a escolher as lojas onde colocamos o nosso produto. Queremos que a marca permaneça num nicho protegido. Não queremos estar em grandes superfícies, não queremos vender por vender, não queremos banalizar a marca”, justifica.
Desde que a loja online abriu, a Sanjo começou “logo a vender e a reação tem sido muito boa”, até porque, observa José do Egipto, “a marca por si só tem uma força tremenda e abre muitas portas”.
Os preços variam entre os 64.50 e os 74.50 euros. Se a produção se tivesse mantido na China, poderiam ser mais baratos, mas a aposta é mesmo na “qualidade e conforto do produto” e, assim, em nada ficar a dever às concorrentes internacionais.
Vendas cresceram durante confinamento
Com a coleção primavera / verão já pronta, a pandemia de covid-19 começou por ser um autêntico balde de água fria. “No início foi terrível. Já tínhamos uma série de encomendas para lojas que foram todas suspensas ou anuladas. Foi um tremendo susto”, afirma o empresário, notando que, depois, as coisas foram melhorando.
“Como as pessoas estavam confinadas, o comércio online começou a subir. Entretanto, surgiu a corrente de comprar português que nos ajudou muito. Abril e maio foram os melhores meses desde a nossa curta existência e junho também está a correr bem”, sublinha José do Egipto.
A equipa Sanjo já é constituída por sete pessoas e a perspetiva é poder vir a integrar mais funcionários.
O objetivo é continuar a crescer. A coleção outono / inverno já está preparada para ser lançada em agosto e a primavera / verão está “praticamente fechada”.
Chegar aos jovens
Explorando o importante mercado da saudade, a Sanjo procura também chegar aos emigrantes, havendo já contactos estabelecidos nos Estados Unidos da América, Suíça e Grécia.
Mas o principal objetivo da estratégia delineada pela dupla de empresários de Braga é chegar às faixas etárias mais novas: “Chegando aos mais jovens, o futuro da marca está garantido”.
A atual coleção vai, aliás, nesse sentido, com modelos mais coloridos e arrojados, embora não seja possível fugir aos clássicos, admite José do Egipto: “As pessoas conhecem a Sanjo pelo K100 e pelo K200, mas vamos inovar nos materiais, nas cores, nas solas”.
Para além das sapatilhas, a Sanjo está também a alargar a sua oferta ao vestuário – na atual coleção já tem t-shirts de algodão orgânico e na próxima terá hoodies e sweats.
O desafio para uma marca com tão longo historial é evoluir sem perder a identidade. “A marca faz parte da cultura portuguesa e não a devemos deixar cair. Se morre uma marca como esta, morre também um traço da cultura portuguesa”, considera José do Egipto. “A Sanjo precisa dos portugueses e os portugueses precisam da Sanjo, porque faz parte da nossa identidade”, conclui.
Identidade, essa, que agora ganhou nova vida em Braga.