À terceira foi de vez. Casal de cegonhas de Famalicão já tem crias (e são raras no Minho)

Biodiversidade

A Norte do rio Douro existe cerca de uma dúzia de casais de cegonha-branca, que tentam a reprodução, ano após ano, sem sucesso. Um deles é o casal que frequentemente habita na futura área protegida das Pateiras do Ave, na freguesia de Fradelos, um dos poucos no Minho, e pela primeira vez conseguiram terminar ninho a tempo do nascimento das novas crias. Embora se avistem alguns ninhos na região, muito poucos chegam a comportar juvenis.

No primeiro ano em que tentaram reproduzir-se, em 2018, o ninho que construíram foi destruído num incêndio provocado pela chuva, uma vez que se encontrava em cima de um poste de alta tensão. Em 2019, após meses a fio na construção, que engloba milhares de pequenos galhos, o período de reprodução passou sem que o conseguissem concluir. Desta vez, obtiveram sucesso.

O MINHO falou com Vasco Flores Cruz, ecólogo responsável pelo projeto que visa classificar aquela área – que engloba ainda pequenas partes das freguesias de Ribeirão e Vilarinho das Cambas – como paisagem protegida local, dando a entender que a distribuição geográfica das cegonhas está a aumentar para Norte.

“No sul existem vários casais de cegonha, mas a Norte do douro são uma dúzia, pouco mais”, começa por explicar o especialista, indicando que, por cá, costumam passar apenas em migratória, duas vezes por ano, não sendo casais reprodutores.

A monitorização deste casal decorre com os parceiros da Birdsonthemove, projeto da CIBIO sediado na Universidade de Lisboa, e em breve as crias serão anilhadas para se perceber se ficam no Minho ou se preferem outras paragens mais habituais para este tipo de ave, como o Norte da Europa ou o Norte de África.

Casal de cegonha-branca. Foto: birdsonthemove

“Queremos perceber quais as rotas que seguem, mas ainda está tudo em aberto, pois depende do sucesso do casal em relação aos juvenis”, explica. O passo inicial para monitorizar este ninho deu-se com a ajuda de um drone, de forma a não interferir muito com o habitat das aves. “Sabemos que cria sempre algum conflito mas é importante que se perceba que o fazemos por questões científicas, para obter dados concretos. Sabemos o dia em que nasceram e tudo isso é relevante para as acompanharmos ao longo da vida”, salienta.

Pateiras do Ave

Vasco dá conta da intenção de classificar o local como protegido, uma vez que é uma área de bosques aluviais, única no concelho de Famalicão, que durante alguns meses fica preenchido por 40 centímetros de água.

“Pretendemos classificar a paisagem, mas para isso vamos tentando monitorizar a biodiversidade que lá existe, para além de um levantamento dos valore a preservar, incluindo o património natural e cultural da região”, sublinha.

O processo tem sido moroso [iniciou há quatro anos] pois a abordagem é diferente da maior parte das áreas protegidas em Portugal: “sabemos que, por vezes, criam-se conflitos com a população local, por isso estamos em contacto permanente com associações, juntas de freguesia, agricultores, tudo para que, existindo um consenso sobre a área a preservar, se possa avançar sem qualquer conflito”.

O responsável prevê que, até final do ano, exista uma discussão pública sobre a matéria de forma a avançar com a classificação. Para isso, conta com apoio de cerca de 20 pessoas de diferentes departamentos da Câmara de Famalicão, que se mostrou desde uma primeira instância disponível para levar avante o projeto.

133 espécies de aves e répteis ameaçados

Foram já identificadas 133 espécies de aves, mas apenas 60 são residentes, sendo as restantes invernantes ou estivais, ou seja, migratórias, que só estão no verão ou no inverno. Há ainda umas “10 ou 15” que “passaram por acaso”, como o Peneireiro-cinzento, uma ave de rapina com 78 centímetros de envergadura, ou o Rolieiro-europeu, uma ave bastante colorida, raramente avistada na região.

Existem ainda algumas espécies residentes que estão ameaçadas, como é o caso da rã-ibérica, que só existe na península, o tritão de dente laranja, a salamandra lusitana ou a lagartixa do Bocage, que são espécies vulneráveis com distribuição muito restrita.

Há cada vez mais sensibilidade para a conservação da natureza

Vasco Flores Cruz crê que existe “cada vez maior sensibilidade” para promover os espaços naturais, não só por parte da população como das próprias autarquias, que vão reagindo às ideias e às vontades para a conservação da natureza.

“Na última década, acho que tem sido uma prioridade para quase toda a gente, pois percebem que é algo que nos afeta. Acho que, como nunca aconteceu, há cada vez mais investimento na preservação e existem cada vez mais projetos a serem desenvolvidos, como é o caso da Serra d’Arga, no Minho, ou de locais em Vila do Conde e em Valongo, onde há um movimento para criar pequenas reservas”, destaca.

Vasco Cruz é, para já, o único elemento que se dedica a tempo inteiro às Pateiras do Ave, mas conta com o apoio dos gabinetes de ambiente, cultural, património, jurídico e até de empreendedorismo, uma vez que é necessária a captação de fundos europeus quando se conseguir classificar a área.

 
Total
0
Shares
Artigos Relacionados