Opinião
Rui Maia
Historiador e investigador em Património Cultural
A imagem perpetua-se, sobrevive aos tempos, marca uma época, uma extensa e profícua história da qual jamais a região do Minho se esquecerá. Porém, na bruma dos tempos, tal como na caligem das nossas memórias, há arquivos que devemos remexer, trazendo-os a lume, para que o presente e o porvir não se façam órfãos de valores tão nobres como aqueles que levaram a nossa sociedade de Oitocentos a querer e a deixar mais e melhor aos seus concidadãos. Assim, não esquecendo a história, mesclamos esse passado virtuoso com as suas estórias, algumas com “galo”, ou, como quem diz; pouca sorte!
O comboio chegou a Barcelos em 21 de outubro 1877, por essa altura inaugurava-se um dos maiores empreendimentos da época para a região Noroeste de Portugal: A Linha do Minho. Quem diria que, Gustave Eiffel, talvez o mais famoso engenheiro de todos os tempos, tivesse vivido em Barcelinhos, próximo da igreja paroquial. A Imprensa coeva dá conta disso mesmo, da sua presença neste jardim de Portugal que é o nosso bucólico e amado Minho. Alexandre Gustave Eiffel fez-se acompanhar da sua senhora – Victorinne Roblot – que por alia haveria de se finar e ficar sepultada, no dia 3 de abril de 1877. Após a sua morte, com tamanho desgosto, Eiffel abandonou Portugal, nunca mais cá voltando, limitando-se a fazer chegar até aqui as suas diretrizes de trabalho, seguidas pela “(…) legião dos seus auxiliares e cooperadores, que soubera preparar com afectuosa autoridade, fazendo de cada um um amigo”.
Pois bem! Entre umas vastas dezenas de Obras de Arte que a Casa Eiffel & Cia executou para a Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro, destaca-se nesta crónica a velha e primitiva ponte ferroviária sobre o rio Cávado, entretanto substituída por outra, em 1976, pela firma Sorefame.
Na altura em que Eiffel calcorreava a nossa região, tendo em mãos a ponte do Cávado, bem como outras da Linha do Minho, como a do rio Neiva, a do rio Lima (Viana do Castelo) ou a do rio Âncora (Caminha), o mestre certamente dividia-se por todas essas bandas para dar conta do recado.
Há episódios caricatos relativos à construção da ponte de Barcelos, pelo que a Gazeta dos Caminhos de Ferro dava nota de que aquando da construção das fundações para os pilares, Eiffel não atendeu o conselho de um velho lavrador com quem cavaqueara, transmitindo-lhe que por vezes as cheias do rio Cávado eram traiçoeiras. Ora, Eiffel riu-se da advertência, respondendo-lhe que era “(…) capaz de o canalizar nos canos das suas altas botas”. Todavia, chegado o inverno, “(…) veio uma daquelas cheias torrenciais, ali tão frequentes, e destruiu e arrastou para muito longe quase tudo o que estava feito”. A verdade é que foi um terrível “galo” e, a ser verdadeira essa estória, Eiffel deve ter pensado de outra forma ao encarar outros rios para além do Cávado.
A primitiva ponte ferroviária do rio Cávado, tal e qual se apresenta na imagem constante, media cerca de 130 metros de comprimento. A Obra de Arte, em conjunto com a primitiva ponte ferroviária do rio Neiva (que numa das margens assentava em Tregosa), revestiam-se de manifesta importância, uma vez que se tratavam de dois símbolos da arquitetura do ferro do século XIX – únicas no concelho de Barcelos – ambas extintas.