Neste Artigo
Artigo de Luís Morais
Ex-líder da AAUM e adjunto de Couto dos Santos no ministério da Educação
A esta hora, muito se escreveu e estará a escrever sobre António Couto dos Santos, cuja morte nos surpreendeu a todos no dia de ontem. A notícia apanhou-nos de forma abrupta, um golpe inesperado para quem, como eu, continuava a lidar frequentemente com ele e se habituou à sua perspicácia, ao seu olhar sempre atento e à sua visão clara do mundo. Vê-lo pessoalmente e ler, mais do que uma vez por dia, os seus comentários políticos e sociais num grupo de WhatsApp de antigos dirigentes associativos, tornou a sua partida ainda mais difícil de aceitar.
Conheci António Couto dos Santos em 1988. Eu acabava de ser eleito presidente da Associação Académica da Universidade do Minho e ele era Ministro Adjunto e da Juventude. Recordo com nitidez o nosso primeiro encontro, que nem estava agendado. Surpreendeu-me a sua disponibilidade imediata para me receber, quando soube que tinha ido ao ministério tratar de assuntos associativos. Era a primeira vez que entrava no gabinete de um ministro, e a forma franca, direta e pragmática com que me recebeu deixou-me sem receios. Foi, sem dúvida, o primeiro passo no meu processo de dessacralização da política.
Legalização da Rádio Universitária
Desde então, tivemos vários encontros, e ele sempre me recebeu, exceto uma vez. Na altura, Couto dos Santos tinha também a tutela da Comunicação Social e estava a conduzir o processo de legalização das rádios locais. Um dia, entrei no Palácio das Laranjeiras, sem aviso prévio, como já era meu hábito, para falar sobre a legalização da Rádio Universitária. Foi então que recebi a resposta inesperada: ele não me iria receber para tratar desse tema. Naquele momento, compreendi que, para além de acessível, era um homem de princípios e de retidão. Sabia onde traçar as linhas e respeitava-as.
Meses depois, já com a Rádio Universitária legalizada, António Couto dos Santos aceitou o convite para assistir à tomada de posse do meu segundo mandato. Na ocasião, com o seu habitual humor, relembrou o episódio e garantiu que não voltaria a acontecer, porque, se não falasse comigo, “os meus colegas abordam-me na reunião seguinte do Conselho de Ministros, para defender as questões da Associação Académica da Universidade do Minho”.
Em 1990, a nossa relação tornou-se mais próxima quando fui eleito representante das Associações de Estudantes do Ensino Superior no Conselho Consultivo da Juventude. Foi um período politicamente agitado. António José Seguro acabava de ser eleito secretário-geral da Juventude Socialista, e, apesar da relação de proximidade que mantinham, o confronto político era inevitável. Foi então que conheci um Couto dos Santos combativo, mas também flexível, dotado de uma capacidade invulgar de resposta, contra-ataque e gestão política. Tinha um equilíbrio raro entre firmeza e diplomacia.
Convidado para Adjunto
Durante os meus mandatos, conheci e reuni-me com muitos ministros, mas poucos eram tão acessíveis e próximos como ele. Já nos unia uma amizade sólida, que ultrapassava os formalismos políticos. Quando terminei o terceiro mandato em 1991 e iniciei a minha vida como professor, continuei a acompanhar a sua carreira, agora sem a mesma proximidade quotidiana.
No auge da sua carreira política, em 1992, quando foi nomeado Ministro da Educação, a nossa relação intensificou-se novamente. Um dia, ao regressar de dar uma aula, recebi um recado para ligar para um número. Era o Ministro da Educação que queria falar comigo. Liguei-lhe, e ele convidou-me para almoçar em Lisboa, onde me propôs um desafio: ser seu adjunto.
Aceitar aquele convite não foi uma decisão trivial. Significava passar para o outro lado, deixar de representar os estudantes e integrar a estrutura governativa, precisamente no momento em que se abria o difícil dossiê da alteração à lei das propinas. Durante o almoço, Couto dos Santos explicou-me a sua visão sobre o assunto: o princípio de reforçar a ação social para garantir que nenhum estudante ficaria impedido de prosseguir os seus estudos por falta de meios financeiros. Com essa clareza de objetivos, aceitei o desafio.
Trabalhador incansável
Os dois anos que se seguiram foram intensos. Conheci, então, um António Couto dos Santos ainda mais determinado. Não era apenas um negociador ou um facilitador de consensos, era um trabalhador incansável, alguém que traçava metas claras, se focava nos objetivos e exigia resultados. Aprendi muito com ele, sobretudo sobre a importância da disciplina e da gestão do tempo. Entrávamos no ministério às sete da manhã, uma hora que ele considerava ideal para pensar estrategicamente, antes de o dia ser consumido pelas exigências do cargo. Saíamos muitas vezes noite dentro, após longas horas de trabalho focado.
Ao longo desse tempo, aprendi a admirar-lhe outras qualidades: a capacidade de distinguir o essencial do acessório, o pragmatismo nas decisões e o sentido de humor, que nunca o abandonava, nem mesmo nas situações mais tensas. Recordo, com particular carinho, um episódio emblemático do seu espírito bem-humorado. Numa cerimónia oficial, quatro estudantes baixaram as calças, revelando a frase “Não Pago”, escrita nas partes traseiras. Quando saímos e entrámos no carro, olhámos um para o outro e desatámos a rir, aliviando a tensão do momento.
Amigo leal e generoso
Por detrás do homem público estava o amigo. Um amigo leal, generoso e sempre disponível para um conselho ou uma palavra de apoio. A sua partida deixa um vazio imenso. Vou sentir a tua falta, António. Deixo-te um abraço apertado e a certeza de que a tua memória e o teu legado perdurarão em todos nós que tivemos o privilégio de te conhecer. Sei que partiste para mais uma missão, e nunca recusaste um grande objetivo. Até sempre, meu querido amigo.
Nota de Redação: Luís Novais, professor, escritor e jornalista, vive há uns anos no Peru, mas vem amiúde a Braga.