Domingos Bragança Salgado, atual presidente da Câmara de Guimarães, é natural de Pinheiro. Casado, tem três filhos e cinco netos. Licenciou-se em Economia pela Universidade de Coimbra, sendo especialista nas áreas da consultoria económica e financeira e elaboração de projetos de investimento de criação ou expansão de empresas na área industrial, enquadrados nos apoios da União Europeia. Durante oito anos, foi vice-presidente da Câmara, com os pelouros das Obras Públicas, Freguesias, Finanças Municipais, Património e candidaturas a apoio dos Fundos da União Europeia. A 29 de setembro 2013, foi eleito presidente da Câmara de Guimarães, com 47,61% dos votos, cargo que revalidou em 2017, com 51,52%.
Qual é o principal problema de Guimarães, aquele que, se for reeleito, vai procurar tratar de imediato?
O meu principal foco é a ligação ferroviária à futura estação do eixo ferroviário de alta velocidade. É um objetivo muito difícil, mas temos uma oportunidade única que é o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e o facto de o Governo estar a trabalhar o Plano Ferroviário Nacional (PFN). É uma oportunidade para Guimarães e para os concelhos que ficam para o interior de Guimarães de ficarem ligados à alta velocidade.
Neste momento perdemos o alfa, não sabemos quando vai ser reposto e quando olhamos para as apresentações do PFN, não aparece lá desenhada a linha de ligação de Guimarães à alta velocidade?
Eu diria que Braga, Famalicão, Barcelos, Viana do Castelo, Aveiro, não trabalharam nada para o eixo da alta velocidade. O eixo foi traçado no sentido de acompanhar toda a zona litoral. Porque este é o eixo ferroviário que corresponde ao traçado histórico. Quem tem que lutar é quem está fora do traçado de séculos.
Viana do Castelo ficará longe da alta velocidade, porque a linha, a partir de Braga, segue um novo traçado?
Sim, mas é na linha ferroviária. Nós temos um problema, porque o eixo ferroviário deve aproximar-se do aeroporto Sá Carneiro, é assim que está definido.
Está confiante que o concelho vai ganhar essa ligação à alta velocidade ou é algo que sente que poderá ainda fugir?
Vai dar muito trabalho, mas a informação que me foi prestada pelos responsáveis: primeiro-ministro, ministro das Infraestruturas, secretário de Estado das Infraestruturas, ministro do Ambiente e da Mobilidade e a CCDR-N, todos aceitam que Guimarães seja o portal de entrada do interior do país para a alta velocidade. Para isso é precisa esta ligação de Guimarães à alta velocidade. A história de Guimarães tem sido uma história de conquista, porque a cidade caminha a par, nas suas dimensões, com a capital de distrito.
A autarquia vimaranense e o Governo nacional são liderados pela mesma força política, contudo, o Município nem sempre parece capaz de exercer o seu poder de influência em Lisboa. Veja o caso do tempo que levou até que acontecessem as obras na igreja Românica de Serzedelo, veja o caso da igreja do Mosteiro de Santa Marinha da Costa, com infiltrações, humidade, quedas de reboco, zonas interditas ao culto e ameaças de encerramento. O executivo que lidera não tem capacidade de influenciar o Governo para que estas obras aconteçam?
Não há problema nenhum. O Governo já assumiu isso.
O certo é que não está feito.
A decisão está tomada e a força é na decisão. Em Serzedelo demorou porque a Direção Geral da Cultura (DGC) tem a sua estrutura, há análise, há avaliação. Em Santa Marinha da Costa, desde que foi chamada, por ofício e em reunião, a ministra da Cultura, de imediato, assumiu estas obras, de três ou quatro milhões de euros, integradas nos fundos comunitários. A Câmara podia lá ir resolver um problema de infiltrações, mas a própria DGC diz ‘não, não, não podem mexer, nós é que mexemos’.
Então, na sua opinião não há nenhum problema de falta de influência de Guimarães em Lisboa?
Não, claro que não. O projeto do tribunal não está feito, mas foi assumido. O quartel de Lordelo há 20 anos que andava para ser feito, já está protocolado. Há uma influência, mas é bom que se perceba que os governos devem olhar para o território independentemente das suas cores partidárias.
Veja o supercomputador que vai para o Avepark, é um exemplo da influência da capacidade da Câmara para influenciar o Governo.
O computador que vai ocupar um espaço deixado vago por uma empresa que está lentamente a sair de Guimarães?
A Farfetch ocupava aquele edifício e construiu um novo. Estas instalações eram alugadas e a Câmara agora comprou o edifício. A Farfetch não deixou Guimarães, robusteceu a sua posição em Guimarães construindo um edifício para se instalar.
O projeto da Farfetch é nacional e mundial e há um conjunto de investimentos que ficarão sempre próximos dos portos de mar e dos aeroportos, não há volta a dar.
Nos últimos 30 anos a mobilidade no país mudou radicalmente, no entanto, em Guimarães continuamos a percorrer as mesmas estradas e a levar ainda mais tempo, porque há mais carros, a vir de Lordelo a Guimarães ou das da cidade às Taipas. Atendendo a que, durante todo este tempo, o PS foi governo na autarquia, reconhece que houve aqui uma má gestão da questão da mobilidade?
A Via Intermunicipal do Ave vai direitinha a Lordelo. Nós temos no PRR 24 milhões de euros para uma via que começou no desnivelamento, vai a Ponte e depois vai às Taipas, ao Parque de Ciência e Tecnologia, tem saídas em todas as freguesias do norte do concelho. É uma via que tem faixa segregada e ecovia.
De que via é que está a falar?
Da via do Avepark.
Mas essa via não está feita.
Está o projeto aprovado. Isto não é “tic” e está feito. As estradas em Braga mudaram alguma coisa? Em Famalicão, mudou alguma coisa? Não mudou nada. O que foram feitos foram grandes eixos viários a ligar as grandes cidades. É injusto dizer-se que não se fez nada. Então esta estrada que estamos a fazer, que vai de Fermentões até Atães e Rendufe, não é um eixo viário essencial? A estrada de Leitões até Braga que está toda reformulada e com passeios não é uma questão essencial do eixo viário?
Fazer novas estradas, tem que se ver bem como é que se faz. A via do Avepark atrasou porque eu assumi o estudo de impacto ambiental, está financiada, está o projeto aprovado pelas diversas entidades e passa-se à frente como se não fosse uma via estruturante.
Depois, há a questão de aproveitar o eixo ferroviário até Lordelo, aproveitando as estações e apeadeiros, melhorando as acessibilidades viárias a essas estações.
Essa é uma ideia nova, que introduziu agora e que veio a par com a possibilidade de fazer um teleférico para as Taipas?
Sim, mas é minha, não foi de mais ninguém. O teleférico para as Taipas é outra coisa. Não ridicularizem uma coisa que pode não ser assim, porque as cidades modernas estão a optar por isso. Um dia hão de me dizer!
A via-férrea está utilizada em cerca de 30%.
Sim, não há comboios para Guimarães.
Há comboios para Guimarães e relativamente ao alfa pendular, a que se está a referir, eu já reuni com a administração e eles disseram-me que na retirada da pandemia voltamos ao alfa pendular. O alfa pendular não tem nada importância. É importante para Guimarães, mas não é algo que nós não tenhamos, foi suspenso. Eu utilizo o alfa pendular quando vou a Lisboa.
Vai apanhá-lo a Braga?
Quando eu digo que não tem importância… está bem! Mas eles estiveram aqui comigo a dizer que vão retomar.
O compromisso da retoma do serviço alfa pendular foi assumido pelo ministro das infraestruturas?
Foi assumido pelo vogal do conselho de administração da REFER. Não é preciso levar tudo ao ministro.
O facto de agora se propor um teleférico não é porque durante anos se permitiu que a construção fechasse os corredores possíveis para o alargamento das vias?
Nós somos uma cidade histórica, Património da Humanidade, a cidade de Guimarães não pode ser esventrada. Para se fazer o parque de Camões, que é classificado como um dos melhores do país.
Quem é que classifica como o melhor do país?
Rebemos um prémio de distinção. Mas isso não importa, as pessoas dizem ‘é uma das melhores obras que se fez nos últimos tempos é o parque de Camões’. Não podemos ter, para os problemas de mobilidade, as mesmas respostas de há 60 anos atrás: mais estradas, mais estradas… não é essa a solução. A solução é eixo ferroviário, que temos, outro eixo ferroviário a ligar à alta velocidade, porque se tiverem mobilidade fácil para o Porto e para o mundo, as pessoas deixam de usar o carro. Para que é que se há de criar mais estradas? A estrada que liga a Serzedelo está confinada entre as casas e é a que existe. Mas temos eixo ferroviário que podemos usar como metro de superfície para a zona Sul. Para a zona Norte já temos a via do Avepark e nós estamos numa parceria com a Câmara de Famalicão para requalificar a N206, onde vamos meter uma ciclovia. Vai estruturar toda a centralidade de Ronfe, com ciclovia de Guimarães até Famalicão. Há ainda a possibilidade de serem colocados corredores dedicados, mas isso tem que ser bem pensado.
A obra da rotunda de Silvares resolveu o problema do acesso à autoestrada, mas não resolveu o problema de quem quer ir para Pevidém, para Brito ou para aquela zona comercial que agora está em grande expansão. Houve ou não houve mau planeamento nesta obra?
Não. Considerou-se que a N206, que vem da Pisca, que está subutilizada… Nós habituamo-nos a usar a variante de Creixomil. Foi considerado que essa N206 seria utilizada, não está a ser e não vai ser. Agora vamos acrescentar um tramo que falta.
É, então, um problema de hábitos das pessoas?
Que eu também tenho. Eu quando vou para Silvares não me lembro de ir pela Pisca, vou sempre pela variante.
Comparem as cidades de média dimensão, comparem Guimarães com Braga.
Braga tem mais do dobro da população de Guimarães, é uma cidade com mais de 100 mil habitantes.
Aí está um exagero! Braga tem 190 mil habitantes, nós temos 150 mil. Qual é dobro?
Guimarães tem 150 mil habitantes na cidade? Falamos de Braga cidade, a comparação é cidade a cidade.
O concelho, Guimarães é polarizador, as pessoas deslocam-se para a cidade. Portanto, Braga tem para lá mais 30 mil habitantes que Guimarães.
O que me está a dizer é que as cidades de Braga e Guimarães são quase do mesmo tamanho?
O concelho de Braga e o do Guimarães têm uma diferença de 30 mil pessoas. Pergunto, qual é a melhor mobilidade, a de Braga ou de Guimarães?
Ainda defende, como já defendeu o fecho da circular urbana?
Nós não podemos fechar, pela encosta da Penha, a circular. Ambientalmente era de um impacto brutal.
“Para futuro, esse plano [urbanístico] tem que ser mais rigoroso e mais contido”
Já que fala na encosta da Costa. Todo aquele edificado, de casas de luxo que ali foram feitas, está agora a causar problemas no escoamento das águas pluviais e a provocar o desaparecimento das águas que corriam das nascentes naturais. Na sua opinião houve erros de planeamento urbanístico na encosta da Costa?
Houve ali uma construção cuidada, mas que tem que ser acompanhada para resolução do problema das águas pluviais. Nós acabamos, agora mesmo, de fazer um desvio das águas pluviais, para a primeira bacia de retenção, das águas que veem daquela zona do Complexo do Vitória. Sempre que chovia intensamente, falava-se das cheias e nós resolvemos o problema com as bacias de retenção que são uma referência. Temos tido distinções sucessivas e replicações sucessivas por todo o país e até pela Europa.
O problema corresponde a uma maior impermeabilização dos solos quando se vai construindo o que está licenciado.
O que lhe pergunto é: o problema foi oi não foi a construção na encosta da Costa? Ou tudo o que está ali construído está bem e não houve nenhum erro?
Eu diria assim: sempre que se constrói há uma alteração na natureza. Nós somos uma cidade que, quando nos comparamos, somos das melhores cidades do mundo. É assim que eu penso. A construção na Costa segue o plano urbanístico dos urbanistas da cidade. Para futuro, esse plano tem que ser mais rigoroso e mais contido.
Guimarães ambicionou ser Capital Verde Europeia, contudo, apesar de ser atravessado por três rios, não tem uma praia fluvial infraestruturada, muito menos com Bandeira Azul, como já acontece aqui ao lado, em Fafe. Como é que explica esta falta de olhar para os rios e para as zonas onde as pessoas se podem relacionar com eles?
Nós somos um concelho pioneiro no cuidado com o rio. Daí as ecovias do Ave e do Selho, um projeto excecional que estamos a desenvolver com todas as freguesias do concelho. A Capital Verde Europeia não é exatamente a zona montanhosa, é uma cidade com dimensão – mais de 100 mil habitantes – e que consegue fazer tudo nas suas relações sociais e económicas respeitando a natureza, se não, o Gerês é que era Capital Verde Europeia.
Sabe quem é que recebeu o prémio da sustentabilidade em 2021? Foi Guimarães.
E, no entanto, deixou de se candidatar à Bandeira Verde Eco XXI?
Porque deu importância às freguesias e tem 23 Eco freguesias. Temos dois programas que foram considerados pela Comissão Europeia referência para implementar em toda a Europa. O programa de educação ambiental “Pegadas” e o programa das Brigadas Verdes. O percurso para Capital Verde Europeia é mais importante que o estatuto. Embora nós queiramos o estatuto.
A pergunta sobre as praias é porque na candidatura a Capital Verde Europeia um dos indicadores em que Guimarães teve pior classificação foi a “água”. Guimarães não tem um sítio onde as pessoas possam usufruir do rio, 35% da água que entra na rede de abastecimento perde-se.
Há praias a serem tratadas, em Donim, nas Taipas, Ponte é outro exemplo de praia a ser criada, Serzedelo é outro exemplo. Todos estão a despertar, ainda agora Santa Eufémia de Prazins quis adquirir um terreno para uma praia fluvial. Despertou com muita força e não é uma imposição Câmara, são as próprias juntas que querem estes projetos. As pessoas e a comunidade despertaram para o ambiente e a ecologia por este processo da CVE.
Em 2018, foi anunciado em outdoors que Guimarães era finalista da CVE, contudo, a cidade não fez parte da shortlist, onde estavam Lisboa, Ghent e Lahti. Foi um erro ou foi propaganda? Continua a insistir que Guimarães foi finalista?
Foi apurada, foi apurada como finalista. Concorreu muita gente e foram apuradas 13 cidades. Claro que foi finalista.
Vai haver uma nova candidatura a Capital Verde Europeia, “o mais tardar em 2023”
Afirmou, em 2018, que queria, ainda neste mandato, fazer uma nova candidatura a CVE. O mandato está a acabar e não conseguiu realizar esse desejo. Quando é que vamos ter uma nova candidatura a CVE, se é que vamos ter?
O mais tardar em 2023, se possível ainda em 2022, mas o mais tardar em 2023, para ser Capital em 2025.
A questão dos bairros sociais do IRHU é um problema antigo, provavelmente já estão em situação de degradação há mais de 20 anos. Há situações de insalubridade, condições de habitação infra-humanas, em que as pessoas convivem com os animais porta com porta. O Estado central não arranja, a Câmara não toma conta e, entretanto, as pessoas que lá vivem é que sofrem. Se for reeleito, é no próximo mandato que vai resolver este problema?
O IRHU fez o arranjo de alguns blocos no bairro da Conceição. Ficaram dois de fora, porque havia frações privadas e não conseguiram resolver, assim como em Gondar. Nós pegamos nisso e fizemos protocolos, resolvendo a situação legal. Estamos a chamar os proprietários das frações privadas, porque se eles não tiverem recursos a Câmara apoia substituindo o proprietário. A Câmara pode fazer candidaturas com esses proprietários ao Programa 1º Direito que tem 13 milhões para isto.
Qual é a perspetiva temporal para termos estes bairros recuperados?
Nos próximos dois anos tem que estar feito, porque está muito avançado. Tratamos estes prédios como se fossem nossos e está muito trabalho feito.
As caixas de gás da rua D. João I vão ser substituídas por outras de ferro fundido
Há ruas a serem reabilitadas, como é caso da rua D. João I e da rua de Vila Verde, em que não está a ser prevista a instalação do gás. Isto justifica-se, em vias urbanas tão centrais, relativamente a uma comodidade que é, hoje, indispensável?
Mas foi. O gás é uma empresa privada, o gás foi concessionado. É uma empresa privada que tem que fazer as infraestruturas, porque nós não podemos fazê-las por ela.
Foi a empresa privada que não teve interesse em instalar?
Nós impusemos à empresa privada o canal central. Isso ficou feito. Depois pedimos à EDP Gás que fosse porta a porta negociar os contratos para a ligação, porque isso é entre os proprietários e a concessionária. Houve uma adesão inicial de sete ou oito e isso irritou-me, porque havendo cerca de cem possibilidades de ligação, isso significa que depois vão ter que rasgar a obra feita para fazer a ligação.
Não seria melhor a Câmara assumir esses ramais de ligação?
A lei não nos permite assumir o custo da propriedade privada. A certa altura escrevi uma carta a pedir por favor para fazerem a ligação.
Gosta das caixas que foram colocadas na rua D. João I?
Não gosto, não gosto. Há uma dúvida, fala-se nos tubinhos da rua de Santo António. Aquilo não são as ligações são os ramais enquanto não se fazem as ligações.
Precisamente, na rua de Santo António seguiu-se a filosofia de fazer os ramais, ao contrário do que foi feito na rua D. João I?
Nós temos isso, aquilo não está ligado. Está seguido e agora na rua D. João I conseguimos uma boa adesão e nós vamos substituir as caixas, a expensas da Câmara, por uma de ferro fundido.
Guimarães tem o maior ou o segundo maior festival de jazz do país, tem o maior festival de dança contemporânea do país… mas onde é que estão os músicos de jazz de Guimarães, os bailarinos, as companhias de dança vimaranenses? Não se perdeu a oportunidade de transformar Guimarães de um consumidor de cultura num produtor de cultura?
Nós estamos no topo na área cultural. O Teatro Jordão e a Garagem Avenida são exatamente para a produção e formação cultural. Está pronto. Uma obra excecional, para as artes performativas, a música e as artes plásticas. Aqui, nesta escola, vão-se formar talentos, vai permitir a criatividade e a produção cultural.