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Chamam-se “Fantasmas do Cajuru” e são conhecidos por traficarem cocaína e por realizarem emboscadas na rua aos próprios elementos, num ambiente que parece conciliar as vinganças da série “Sopranos” com o filme “Cidade de Deus”. Mas este caso não é uma série de TV, é bem real, e este fim de semana as consequências chegaram a Portugal, com a Polícia Judiciária a tentar perceber a densidade dos ‘tentáculos’ do gangue em solo nacional.
Porque a forma como Rafael Lourenço foi assassinado a tiro ao final da madrugada de domingo junto ao Póvoa Arena, na Póvoa de Varzim, é bastante similar à utilizada pelo gangue que o próprio liderava, os ditos “Fantasmas”, com suspeitas de mais de uma dezena de homicídios em forma de emboscada na rua, todos relacionados com ajustes de contas pelo tráfico de droga. Entre as vítimas estão mulheres, uma delas grávida, todas companheiras de outros traficantes, alguns deles também elementos do mesmo grupo criminoso.

Mais de 40 milhões de euros lavados em stands e mercearias
De acordo com um especial publicado pela RICtv, televisão pública do estado do Paraná, no Brasil – e integrante do grupo da TV Record -, há várias décadas que o grupo encabeça o tráfico de droga no terceiro bairro mais populoso de Curitiba, o Cajuru, no Brasil, com cerca de 100 mil habitantes. De acordo com a investigação do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (DENARC), da Polícia Civil brasileira, entre 2019 e 2024, o grupo terá lavado mais de 40 milhões de euros provenientes do tráfico de droga, sendo o valor apenas aquele que a autoridade conseguiu apurar com provas.
Utilizavam, sobretudo, stands de carros e mercearias para lavar o dinheiro. O dinheiro ali lavado é proveniente do tráfico de droga, sobretudo cocaína, que lhes valia milhões na exportação para fora do Brasil. São também suspeitos de várias execuções dos próprios membros, à queima-roupa, e sempre na rua, em forma de emboscada. Mas também suspeitos de terem assassinado um polícia militar com mais de 40 tiros, em janeiro deste ano, e um ex-polícia militar, com mais de 100 tiros, também este ano. Suspeita-se que os dois estavam envolvidos no tráfico.
Vida de luxo e morte do próprio líder
Nos últimos anos, o grupo começou a internacionalizar o negócio do tráfico de droga com recurso à criação de várias empresas em nome de terceiros, o que dificulta o trabalho da polícia. Fonte da polícia brasileira diz mesmo que se trata de “uma organização inteligente” que “esconde” bem o rastro que deixa em termos financeiros e até nas declarações de impostos. Contudo, nas redes sociais partilhavam vida de luxo, não só os bandidos mas também as famílias, com cruzeiros e férias paradisíacas.
Após uma carga ter sido dada como perdida por um dos traficantes, uma série de homicídios seguiram-se uns aos outros, todos da mesma forma como Rafael Lourenço foi agora abatido na Póvoa de Varzim. Mas no caso do Brasil, não só mataram os traficantes, como também as esposas que os acompanhavam em pleno passeio na rua.
O próprio líder do gangue, Bruno Felisbino, foi executado em abril de 2024, quando descia de um centro comercial com Rafael Lourenço. Rafael e Bruno estavam nesse centro comercial, mas Bruno ficou por alguns momentos sozinho no parque de estacionamento. Foi executado à queima-roupa com disparos provenientes de um jipe preto. A polícia suspeita que o próprio Rafael Lourenço pudesse estar envolvido.

Um dos novos líderes era o abatido na Póvoa de Varzim
Rafael Lourenço, Hélder Felisbino (irmão do anterior líder) e Romulo Faria assumiram o controlo do gangue após o assassinato, mas ficaram com a cabeça a prémio. Acabaram por fugir do bairro e o gangue entrou em ‘stand-by’. Entretanto, um dos elementos que celebrou a morte do anterior líder acabou abatido a tiro e incendiado no meio da rua.

Semanas depois, Romulo, um dos três líderes, foi detetado por câmaras de videovigilância e com recurso a Inteligência Artificial, identificado a entrar numa loja em São Paulo. Minutos depois foi preso pela Polícia brasileira e ainda se encontra detido.

Hélder Santos, irmão do anterior líder, acabou assassinado na rua, também em São Paulo, por dois homens e um menor que foram rapidamente detidos por se esquecerem de um talão de compra no carro, que levou a polícia à sua identificação.

Um destes suspeitos já tinha sido identificado, em conjunto com Rafael Lourenço (o abatido na Póvoa de Varzim), como responsável do assassinato de outra pessoa, em 2015, situação também relacionada com o tráfico de droga. Ou seja, era aliado do grupo, mas agora abateu um dos líderes.

Novas portas para rivais
Segundo o delegado Vítor Loureiro, da DENARC, citado pela televisão estatal do Paraná (RICtv), com a morte de Bruno (o anterior líder), abriram-se novas portas para rivais, o que poderá ter acelerado estes ‘ajustes de contas’.
O terceiro ‘líder’ que restava era precisamente Rafael Lourenço, inicialmente apontado pela polícia como escondido na zona do Nordeste brasileiro, mas estava afinal escondido em Portugal, desconhecendo-se ainda concretamente a data em que o fez. E foi na Póvoa de Varzim onde conheceu o mesmo desfecho que Hélder Santos.
Para a polícia brasileira, a captura de Rafael Lourenço era essencial para conseguir ‘desfiar’ a meada de assassinatos ocorrido no seio do gangue, e também para que possam identificar quem são os novos líderes dos Fantasmas do Cajuru. Agora, só a investigação da Polícia Judiciária em busca dos autores do crime da Póvoa de Varzim os poderá ajudar nesse caminho.