A Fábrica “Pinta Amarela”: Nas memórias de Valença do Minho

Artigo do historiador Rui Maia
A fábrica “pinta amarela”: nas memórias de valença do minho
Foto: DR

Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia

Licenciado em História, Mestre em Património e Turismo Cultural pela UMinho – Investigador em Património Industrial

Há histórias que se não devem entregar ao esquecimento, tal é o seu egoísmo e arrogância! Aqui, pelo nosso amado Alto Minho, em terras da raia, de fortalezas e pedras rijas, que ajudaram a firmar a pátria, coisas há que desnudar, na penumbra do passado e, o dedo leve e húmido, páginas fecundas areja, apontando-as aos raios luzentes do pensamento. 

O património industrial, mais não é que memória de vidas, de gentes, que nele encerram capítulos infindos do quotidiano humano. 

A lume, trago a sobejamente conhecida fábrica de artigos em borracha, “Pinta Amarela”, situada em Valença do Minho, encontrando-se as suas instalações devolutas, parecendo que as mesmas, a breve trecho, vão ser dedicadas a outros fins.

A dita fábrica pertenceu a José Gonzalez Garcia, também conhecido como “Pepe”, um galego nascido em Tui, filho de um industrial, também ele galego, que no início do século XX lançou uma fábrica que se dedicava ao fabrico de calçado em borracha. A prosperidade do seu negócio foi tal, que em 1930 decidiu abrir outra unidade fabril, precisamente em Valença do Minho.

A unidade denominava-se “alpergatas Lusitana”, conhecida também como “Ictori” ou “Pinta Amarela” – em 1962 inaugurou um novo pavilhão, composto por três pisos e rés do chão, em betão armado, cujo espaço foi destinado a armazém, refeitório e cantina para os seus operários.

Em 1974, o número de trabalhadores aproximava-se da centena, com capitais dispersos por outras empresas. O industrial “Pepe” possuía uma casa em Tui, uma vivenda em Vigo e uma outra casa em Lisboa; esta última, servia de plataforma comercial para os seus artigos.

A famosa fábrica “Pinta Amarela” produziu calçado destinado aos nossos soldados, que partiram para a guerra colonial, em África. Após o 25 de abril de 1974, o insigne Sr. Pepe não mais voltou a Valença, ao que parece, ficou a dever-se à insubordinação dos seus operários que se opuseram a que retirasse da fábrica uns moldes, destinados a outra unidade fabril também sua, na Galiza. 

José Gonzales Garcia, para além de ter sido um importante industrial, foi, entre outras coisas, um grande devoto do filatelismo, pelo que os seus grandes prémios ficaram a dever-se à sua valiosa e vastíssima coleção de selos portugueses, exibida em inúmeras partes do mundo.

Nas brumas da memória, e nas paredes silenciosas de um espaço que outrora fervilhou de vida, passamos e olhamos como forasteiros, testemunhando o quão decrépito é o destino.

Todavia, na chaminé altaneira, vislumbram-se cegonhas, quiçá, vaticínios de um novo tempo. A chaminé que em tempos vociferou produtos poluentes para a atmosfera, metamorfoseou-se em berço de esperança, de um novo porvir, cujas cegonhas parecem encabeçar e nortear.

O património industrial, por muito paradoxal que nos possa parecer, nunca é algo obsoleto. É, antes de mais, um fim e um começo.  

 
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