“A escola privada opera numa realidade de ‘bolha’, de um estrato social alto”

Investigador da UMinho analisa rankings escolares
Foto: Rui Dias / O MINHO

Quem o diz é o sociólogo Esser Jorge Silva, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho e professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e no IPCA. Convidado por O MINHO a pronunciar-se sobre o ranking das Escolas Secundárias, o investigador colocou a tónica na impossibilidade de se compararem realidades completamente distintas.

A discordância de Esser Jorge começa na ideia de que existe um ensino público e outro privado. “Na verdade, entre as duas putativas ordens, não há um ensino diferenciado do ponto de vista das exigências dos programas ou currículos escolares. Portanto, o que afirma ser ensino público e ensino privado são na verdade Escola Pública e Escola Privada. Mais do que um problema de semântica parece-se estar perante a construção de uma falsa ideologia de ensino que urge desmistificar”, afirma o investigador.

Segundo Esser Jorge, “a escola privada resulta de um corpo de alunos pouco ou nada diferenciados entre si”. Para o sociólogo, a condição que une os alunos da escola privada é o facto de os pais terem recursos. Por recursos, Esser Joge não quer dizer apenas dinheiro. “Os recursos podem ser de vária ordem, mas resumem-se à posse de capital físico ou capital cultural. O capital social é alto mesmo quando a contribuição do capital cultural para o capital social é mediana. Neste caso o dinheiro compra, por exemplo, ‘explicações’ para compensar. Ou permite viajar e relacionar-se com horizontes abertos a ensinar por si só.”

Nos filhos destas famílias “é inculcada, desde cedo, a ideia de que se está a aprender num sistema de competição”. Além de reconhecerem que estão num sistema competitivo e de saberem que o seu lugar depende desta concorrência, estes são os que têm as melhores armas, explica o sociólogo.

“A realidade em que opera a escola privada é uma realidade de ‘bolha’. O negócio da escola privada é exatamente o de criar soluções com as quais os ‘eleitos’ se possam identificar. É uma realidade de um estrato social alto que se não compagina, nem é comparável com, por exemplo, uma realidade atravessada por todos os estratos sociais”, analisa Esser Jorge.

Por outro lado, a escola pública “contém a realidade em todas as suas contradições”. Na escola pública encontram-se todos “inclusive os filhos de pais com alto ‘capital social’ que não os querem reduzidos a uma aprendizagem de ‘bolha’ ou enclausurada numa ideia de classe eleita à nascença, afortunados e humildes, com e sem biblioteca em casa, viajantes do mundo e caminhantes do lugar, filhos de país vigilantes da aprendizagem e filhos de pais submetidos à crença do saber apenas em cabeças inteligentes. Uma mescla representativa da realidade portuguesa.”

Esser Jorge lembra a obrigação que a escola pública tem de garantir uma certa igualdade prescrita “em leis e regras de funcionamento”. A escola pública é obrigada a adaptar-se à realidade que lhe é imposta e isso impede-a de se “movimentar no sentido ascendente numa escala de competências”, a resposta que lhe é pedida implica frequentemente um movimento descendente, avalia o sociólogo.

“O ranking de escolas está, desde logo, condenado porque atravessado por um sem número de enviesamentos conhecidos à partida. Desde logo a escola privada não apresenta dados de contexto. Ficamos sem saber a condição sócio económica do aluno”. Para Esser Jorge seria fundamental conhecer esta condição socioeconómica dos alunos da escola privada para avaliar os efeitos na frequência e nos resultados.

Alunos da escola privada mais mal preparados para enfrentar a universidade

O sociólogo conclui com a necessidade de se olhar para os resultados dos alunos da escola pública e da escola privada na universidade. “Um estudo liderado por Cristina Santos, investigadora do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, e publicado em março último na revista científica BMC Medical Education, vem confirmar a minha impressão de que os alunos do ensino público estão mais bem preparados para enfrentar a universidade”, conclui.

O estudo a que Esser Jorge faz referência revela que, no primeiro ano do curso, a taxa de reprovação a pelo menos uma unidade curricular dos estudantes provenientes do privado foi de 43%, já entre os alunos do público foi de apenas 34%. Os alunos da escola pública, além do mais, têm melhores notas que os da escola privada, até ao quinto ano. Esta tendência inverte-se, muito ligeiramente, no sexto ano.

 
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