ARTIGO DE OPINIÃO
Advogada luso-brasileira radicada em Braga
Parece até milagre. Mas foi o que vimos hoje na resposta a um apelo antigo: treino.
Neste fim de semana ocorreu em Castelo Branco um encontro do funcionalismo público onde 50 integrantes da Administração Pública portuguesa se reuniram e “trocaram figurinhas” e a pauta se concentrou nos direitos dos imigrantes, quando muito desses direitos são negados por pura falta de conhecimento dos atendentes quanto às leis que vigoram no país. O evento ocorreu por iniciativa da Academia Mais Integração em parceria com Câmara do Fundão, Universidade da Beira Interior e Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE).
Em pleno ano de 2024, no auge da crise Imigratória vivenciada em Portugal, temos o diagnóstico da raiz de todos os problemas: falta de preparação da Administração para lidar com as questões que envolvem imigrantes.
Ou seja, como eu sempre disse, o problema não está na falta de funcionários e sim no trabalho mal feito, e nisso o Governo deve responder pela ineficiência, quando não capacita os seus agentes como deve.
Essa realidade já é bastante conhecida dos advogados e seus clientes, que se vêem numa luta diária com informações conflitantes e incoerência no atendimento prestado.
Nenhuma surpresa, portanto, na afirmação de Cláudia Pereira, representante da Academia Mais Integração, quando diz que o abono de família não era fornecido levando-se em conta a Manifestação de Interesse.
“Nalgumas regiões fazia-se e noutras não se fazia e agora perceberam quais são os decretos e a lei que permite fazer”, disse, salientando que já são 50 pessoas a trabalhar em rede e com contactos estabelecidos para trocarem saberes e conhecimentos.
Com toda vénia, essa iniciativa merece aplausos, mas convenhamos que é demasiado tímida falarmos de 50 funcionários em rede quando temos mais de um milhão de imigrantes sendo mal atendidos no país, diariamente.
Abono de família: uma vergonha para o Estado
É uma vergonha para o Estado Português admitir que, em matéria de proteção de direitos o imigrante que contribui para a segurança social há anos não tenha direito ao abono de família simplesmente porque o funcionário que o atende não conhece a lei.
Assim como a negativa de um número de utente, ainda que provisório, ou mesmo a emissão de um atestado da junta de freguesia a pessoas que ainda não são portadoras do título de residência.
E lembro o direito à alteração do domicílio fiscal, ou o acesso irrestrito à matrícula escolar, para citar alguns exemplos da incoerência no tratamento e a dificuldade em usufruir de todos os direitos garantidos na Constituição da República Portuguesa.
Se o imigrante paga impostos e já está mais que provado que o faz, é legitimo que a contrapartida seja usufruir plenamente do Estado de bem-estar social. Não se trata de “Portas Abertas” ou escancaradas, e sim de não roubar o próximo.
Assim como não roubar o português que contribuiu e não tem proteção aos seus direitos garantidos.
Ao invés de politizar o tema e criar “lados” devemos reconhecer que a falência do Estado atinge todos e a solução também deve chegar a todos igualmente.
500 mil funcionários públicos
50 pessoas é um começo. Tímido ainda, mas um começo. Precisamos multiplicar ações como essa até que atinjam os mais de 500 mil funcionários públicos, com a finalidade de que esses possam atender com o devido respeito, competência e dignidade não apenas aos imigrantes e sim toda a sociedade que lhes paga os salários.
Agora, volto aos presidentes de câmaras, dirigentes da AIMA e associações de apoio ao imigrante. Não estariam os senhores atrasados em copiar os bons exemplos?
Castelo Branco provou que é possível. Só nos faltam 17 distritos…
E nesse particular faço um convite especial ao ilustre presidente da Câmara de Braga, Dr. Ricardo Rio.
O São João foi lindo, mostramos integração e amizade. Como uma das maiores comunidades de imigrantes em Portugal, Braga deve de ser protagonista de iniciativas como essa. Estou aberta ao diálogo. A população brasileira imigrante agradece.