As artes e os mesteres tradicionais de Guimarães vão-se perdendo. Catarina Pereira, d’ Oficina, confessou a O MINHO que já “recolheu os restos mortais” de três mesteres que se perderam no concelho: um artista que trabalhava a cera, a produção de pentes e, mais recentemente, o ferreiro que tinha a sua oficina no Centro Histórico. As tradicionais Cantarinhas dos Namorados ou das Prendas, já só têm três artífices que as sabem fazer.
A Cantarinha das Prendas ou dos Namorados é moldada em barro vermelho e ornada com motivos polvilhados de mica branca (pó de moscovite, obtido a partir do granito) e faz-se desde o século XVI. Era usada como presente à noiva, quando o rapaz se dispunha a fazer o pedido oficial de casamento. Se a Cantarinha era aceite, estava formalizado o pedido, embora faltasse ainda convencer os pais.
Se obtinham o consentimento paterno, a Cantarinha servia então para guardar as prendas que o noivo e os pais iam oferecendo: cordões, tranceletes, corações, cruzes, borboletas, estrelas, arrecadas, relicários e outros objetos em ouro. Há muito que este costume se perdeu, contudo, as Cantarinhas fazem parte da memória dos vimaranenses e por essa via da sua identidade. Embora já não cumpram com a função que lhes deu origem, o desaparecimento destes objetos seria uma amputação de um dos laços que liga o vimaranense de hoje com os seus avós e bisavós.
Catarina Pereira deixa claro que uma das coisas que permitiu que a Cantarinha sobrevivesse aos tempos e chegasse até nós, “foi o facto de os motivos decorativos se terem adaptado ao gosto de cada época.” O que dá o mote para o novo programa de Mudança e Intervenção Criativa em Artesanato (MICA), apresentado este sábado na Loja da Oficina, na rua da Rainha, no Centro Histórico de Guimarães.
A Loja da Oficina passará a ser um ponto de encontro de criativos e artesãos em torno do saber-fazer e das técnicas de execução das artes tradicionais vimaranenses, dando lugar à inovação e pensamento do artesanato na atualidade.
A Oficina – através da sua intervenção nas áreas do Património e Artesanato – pretende convidar artesãos, artistas e designers a desenvolverem um programa de mudança e intervenção criativa no artesanato local, sob a forma de ateliê expositivo.
Na apresentação do programa, Cristina Vilarinho e Alberto Azevedo explicaram que tudo aquilo que desenvolvem tem muito que ver com o tradicional como base de trabalho, mas não para fazer igual. Os dois ceramistas do Projeto A2, estiveram ligados ao“Conta-me”, um projeto da responsabilidade d’A Oficina, em que também colaborou a Pé de Mosca, com o objetivo de preservar a memória da Cantarinha dos Namorados. Além do seu valor patrimonial, a Cantarinha dos Namorados encerra um conjunto de técnicas transmitidas geracionalmente pelos mestres oleiros desde, pelo menos, o séc. XVI. Inspirados no poder simbólico da cantarinha e na sua forma peculiar, a Pé de Mosca e o Projeto A2, conseguiram criar outra peça, útil, contemporânea, e que não esconde o parentesco com a velhinha Cantarinha.
Em pleno Centro Histórico de Guimarães, a menos de um minuto a pé do largo da Oliveira, a Loja Oficina é a casa onde nascem e moram o Bordado de Guimarães e a Cantarinha dos Namorados e onde se preserva e dinamiza um vasto património do concelho.