Decorreu este sábado, no auditório do Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, o 4.º dia Europeu da Anestesia Regional, evento promovido pela Sociedade Europeia de Anestesia Regional (ESRA). Apesar das restrições impostas pela pandemia, participaram 12 cidades europeias em simultâneo. A médica anestesiologista do Hospital de Guimarães, vice-presidente do Clube de Anestesia Regional (CAR/ESRA) e organizadora local do evento, Joana Magalhães, falou com O MINHO sobre o estado desta especialidade médica.
Qual é a importância deste tipo de encontros para os médicos?
Os encontros médicos são, desde sempre basilares na formação do profissional. A medicina está em constante evolução. A anestesiologia é uma área da medicina que, nos últimos 20 anos teve uma evolução brutal, em termos de eficácia, com menores complicações para o doente e com muito mais segurança. Nós somos a especialidade da segurança que, muitas vezes, o doente não conhece, mas que estamos nos bastidores.
Muitas das vezes é um médico que o doente nem chega a ver?
Muitas vezes é assim. Estamos a fazer um esforço para que seja diferente, nomeadamente na preparação pré-operatório, chamando doente e apresentando-nos antecipadamente. Para que a doente perceba que o médico anestesiologista não põe só a dormir, ele controla todos os sistemas – a parte cardíaca, a função respiratória -, todos os sistemas do doente funcionam enquanto a operação decorre.
Além disso, nós temos toda uma outra área de abordagem que é a questão da dor. Quer seja a dor crónica ou aguda, em que trabalhamos de forma independente para tratar este problema. Nós somos os médicos do pré, intra e pós-operatório. É um trabalho de bastidores, mas que assegura a estabilidade do doente ao longo de todos estes momentos.
Quais foram os grandes passos que a anestesiologia deu nos últimos anos?
Foram grandes passos de facto. Eu tenho 40 anos, mas gostava de ter 40 anos há 40 anos atrás e de ter um dia como anestesiologista nesse tempo. Era uma altura em que havia muito mais limitação de medicação e sobretudo de monitorização do doente. As anestesias gerais eram experiências muito mais penosas para o doente, porque os fármacos tinham um tempo de atuação mais lento e demoravam mais a desaparecer do organismo. Além disso, não tínhamos forma de vigiar o doente, com os meios que temos hoje. Neste momento, (já há alguns anos) avaliamos o nível de profundidade anestésica, em que conseguimos perceber se o doente está a anestesiado, se não está a acordar, mas também se não está demasiado anestesiado. Isto permite-nos acordar o doente mais rapidamente e com menos efeitos secundários no pós-operatório.
O que é a anestesia regional de que se trata aqui hoje?
A anestesia é uma especialidade ampla e dentro dela há várias áreas. “Regional” aqui não se refere a uma área geográfica, mas sim a uma área anatómica. Ou seja, permite-nos depositar anestesia em volta de nervos específicos anestesiar, por exemplo: só um braço, só uma perna, ambas as pernas. Dou o exemplo da epidural ou da raquianestesia, que, no caso das grávidas, permite anestesiá-las dos mamilos para baixo.
Hoje, aqui, trabalha-se uma técnica que, usando ecografia, permite depositar anestesia de acordo com as necessidades cirúrgicas ou álgicas (de dor), vendo o que estamos a fazer.
Qual é o estado da especialidade em Portugal e em Guimarães, por comparação com o que de melhor se faz?
Sempre que tenho este intercâmbio em eventos, valorizo mais o nosso país. Especialmente na área da anestesiologia práticas gold standard. Em Portugal faz-se anestesia de grande qualidade, impulsionada pela Sociedade Portuguesa de Anestesia e o Clube de Anestesia Regional, que têm muitas parcerias e fomentam muita formação e partilha de experiências.
Como é que foi vivida a pandemia do ponto de vista de uma anestesiologista?
A anestesia teve que enfrentar várias realidades. Sendo uma especialidade muito ligada à emergência foi chamada a dar apoio aos cuidados intensivos, portanto, fizemo-lo o melhor que sabíamos e podíamos. Crescemos muito como anestesiologistas, estou certa que esta é uma sensação comum à classe. Saímos da zona de conforto e trabalhamos muito em equipa, o que foi diferente para nós que estamos habituados a ser o único anestesiologista na sala.
Relativamente à anestesia regional, ela foi uma mais-valia nesta época pandémica. Evitamos anestesias gerais, que são altamente geradoras de aerossóis, porque é preciso colocar um tubo na traqueia do doente. Estas técnicas permitiram evitar as anestesias gerais em doentes que já vinham com a função respiratória comprometida.
O que é que se espera da anestesiologia no futuro?
A única lacuna, neste momento, são os recursos humanos. Porque a anestesiologia dá uma resposta vasta aos doentes. O Clube de Anestesia Regional pretende, sobretudo, humanizar os cuidados prestados aos doentes. Além da segurança, basilar na nossa especialidade, os doentes podem esperar que os médicos vão assegurar a sua formação e os melhores cuidados vão ser prestados.
O tratamento da dor é uma questão de dignidade humana. Ninguém deve viver com dor e a anestesiologia quer abrir os braços a todos os doentes com dor, para isso temos uma campanha no HSOG dirigida para esse objetivo.
Os médicos de cuidados de saúde primários e as pessoas em geral, estão sensibilizados para recorrer ao anestesiologista para tratar a dor?
Já começa a haver uma maior sensibilidade nessa questão. Quando uma terapêutica convencional não funciona, os médicos de medicina familiar orientam os doentes para a consulta da dor crónica. O que aconteceu foi que a pandemia atrasou os processos, mas nós estamos a trabalhar a grande gás e a dar a resposta.