Lojas às escuras, hipermercado aberto graças aos geradores, filas nas caixas de supermercado e muitas incertezas é como se transformou, em Creixomil, no concelho de Guimarães, uma “segunda-feira normal num ensaio para o fim do mundo”.
João e Deolinda Ferreira já planeavam fazer compras hoje, mas o apagão que surpreendeu a Península Ibérica ao final da manhã precipitou-os para o hipermercado mais cedo e, em vez de um, encheram dois carrinhos.
“É para nós e para os filhos e netos se precisarem. Mas, não exagerámos, só uns cereais e bolachinhas de que eles gostam, muita água e coisitas que não se estragam porque se isto se prolongar”, disse à Lusa o casal de 65 e 67 anos, reformados, enquanto se preparam para levar “de empurrão” os carrinhos pelo tapete rolante que terá deixado de funcionar pelas 11:30.
Pagaram com cartão porque, “enquanto der”, querem “poupar o dinheiro vivo”.
“É um ensaio para o fim do mundo”, disse Deolinda, corrigida pelo marido: “é nada, com os ataques e guerras de hoje, isto é uma segunda-feira normal”.
No Guimarães Shopping as lojas estão fechadas – ou a fechar à medida que os portões elétricos obedecem à força dos funcionários – e só há luzes de presença a indicar o caminho para o hipermercado, onde os geradores mantêm o aspeto de normalidade.
Há mais filas nas caixas do que o normal, segundo um segurança que não se quis identificar.
“Muitos miúdos que vieram das escolas e estão à espera dos pais e malta a comprar conservas e pão”, descreveu.
No piso de cima, que por uma ponte pedonal tem acesso ao outro lado onde está o Hospital Senhora da Oliveira, muitos lamentos.
Maria da Conceição Ferreira, 64 anos, ia a uma consulta de ortopedia, mas foi mandada embora.
“Disseram no hospital que foi tudo anulado. Esperei quatro meses pela consulta e agora isto”, lamentou.
A mesma situação passou-se numa clínica de fisioterapia, que fica a menos de dois quilómetros.
Na Travessa da Igreja, em Creixomil, as dezenas de ambulâncias da empresa de transportes Santa Quitéria, que todos os dias ali chegam, receberam hoje ordem para regressar à base.
“Não há nada. Tem de levar o paciente a casa e avisar a família”, explicava uma funcionária à porta da clínica.
Mesmo abaixo, do outro lado da estrada, um supermercado funcionava “nos mínimos”, uma bomba de gasolina estava fechada e os funcionários de um stand de automóveis à porta, a ponderar aquecer o almoço num microondas ligado a um carro híbrido.
“Não podemos trabalhar, não sabemos onde comer. O pessoal fala em horas mas passa 10 pessoas e dizem que são 25 horas. É esperar e ver”, referiu Rui Martins.
Ao lado, o colega João Castro, perguntou: “já se sabe como estão os hospitais e os aeroportos?”.
A REN – Redes Energéticas Nacionais confirmou hoje um corte generalizado no abastecimento elétrico em toda a Península Ibérica e parte do território francês e avançou que estão a ser ativados os planos de restabelecimento por etapas do fornecimento de energia.