O Ministério Público do Porto acusou cinco pessoas, um casal e um filho, uma advogada e um gerente bancário, todos residentes na Trofa, de 137 crimes de usura e de extorsão, consubstanciados em empréstimos a juros e a posterior chantagem para reaverem o dinheiro. Ao todo, terão obtido 513 mil euros de forma ilícita.
Os crimes terão sido cometidos na zona da Trofa, onde a maioria dos arguidos reside, nasceu ou trabalha.
A acusação diz que em 2012, o arguido António R., de 72 anos, engenheiro aposentado, começou a emprestar dinheiro cobrando juros superiores aos permitidos por lei, sem estar autorizado pelo Banco de Portugal.
O MINHO contactou o advogado João Ferreira Araújo, de Braga, que defende alguns dos arguidos, que não se quis pronunciar, dizendo apenas que está a avaliar se vai, ou não, pedir a instrução do processo.
Fê-lo, no quadro de um plano gizado com a companheira Emília A., com o filho, Amândio, com o bancário, Filipe F. e com a jurista Maria R..
Punha anúncios na imprensa regional, e, a seguir, o principal arguido e a advogada “elaboravam documentos de confissão de dívida, nos quais os terceiros assumiam dever-lhe um valor muito superior àquele que lhes era dado por empréstimo, de modo a cobrir o valor cobrado a título de juros que, nalguns casos, atingia a percentagem de 349 por cento superior ao valor mutuado”.
Taxa de juro ascendia a 350%
Em regra – diz, ainda, a acusação que se baseou na investigação da PJ/Porto – o valor de que os mutuários se declaravam devedores era 107% superior ao que lhes fora emprestado. Os juros resultavam de contratos com maturidade entre os oito e os 18 meses em que a taxa de juro (atualizada) máxima ascendia a 350%.
Nas confissões de dívida entregues aos devedores constava que era “valor emprestado a título de amizade e sem juros”.
A acusação diz, ainda, que a advogada Isabel contactava, por carta ou telefone, com as vítimas, exigindo o pagamento dos valores em falta, tendo instaurado ações judiciais por dívida.
Diz que a companheira de António R. colaborava nos crimes, cedendo a sua identificação e o número das contas bancárias para que os ‘clientes’ transferissem o dinheiro, e assinando as declarações de dívida que lhes eram entregues. O mesmo fazia o filho. Já o gestor bancário, ao tempo na Caixa Geral de Depósitos, acedia às informações bancárias dos visados, através do sistema bancário, e fornecia-os ao António R. Auxiliava-o, ainda, a “ocultar os proventos da atividade, aceitando que trocasse dinheiro ou trocasse notas de baixo valor do BCE (Banco Central Europeu) por outras de 500 euros, sem proceder às comunicações legais a que estava obrigado”.
O MP sublinha, ainda, que António R., sempre que os ‘clientes’ não procediam ao pagamento acordado, ameaçava-os com o Tribunal, dizendo que lhe iria ficar cm todos os bens. Salienta que as vítimas, “atentos os seus fracos recursos económicos, ficavam perturbados com a hipótese de terem gastos avultados com ações judiciais e desapossados do que tinham, através de penhora”.
Assim, entre janeiro de 2016 e agosto de 2019, o arguido concedeu pelo menos 137 créditos, e recebeu aquele montante em transferências, depósitos bancários e cheques nas quatro contas que movimentava.
Acusados de 420 crimes
O alegado agiota principal está acusado de 137 crimes de usura, outros tantos de extorsão e de falsificação de documento, bem como um de branqueamento, quatro de acesso ilegítimo, outros quatro de violação de segredo de funcionário. A mulher, o filho e advogada estão acusados dos mesmos 137 crimes, com exceção dos últimos dois. O bancário enfrenta 13 crimes, de usura, acesso ilegítimo, violação de segredo e branqueamento.
Para isso, anunciava a atividade em jornais regionais, onde dizia que os pagamentos podiam ser feitos através de cheques bancários: “Precisa de dinheiro? Ajudo com cheques. Valores entre 200 e mil euros. Seriedade”, dizia o anúncio.
Pediu para operação cirúrgica
A acusação descreve um a um os empréstimos. Num deles, um homem pediu mil euros, e teve de assinar uma declaração de dívida de 2.400 pagos em 12 prestações. Seis meses depois, o arguido contactou-o oferecendo-se para lhe emprestar mais mil euros. E que ficaria a pagar só mais 50, ou seja, 250 por mês, verba que dobrava aquando dos subsídios de férias e Natal. Aceitou porque ia fazer uma operação cirúrgica, assinou nova declaração e uma letra em branco, mas acabou por não cumprir. A partir daí foi chantageado.