ARTIGO DE OPINIÃO
Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia
Licenciado em História, Mestre em Património e Turismo Cultural pela UMinho – Investigador em Património Industrial
O Palácio da Bolsa, na cidade do Porto, afigura-se como verdadeiro ex-libris do património cultural da região Norte. A sua origem remete-nos para o século XIX, quando na cidade do Porto foi encerrada a Casa da Bolsa do Comércio, obrigando a que os comerciantes portugueses discutissem os seus negócios ao ar livre.
Todavia, como costuma dizer o populo, “nada acontece por acaso”, pelo que a situação não se iria prolongar ad aeternum. O cerco do Porto, que ocorreu na noite do dia 24 de julho de 1832, deu azo a que se despoletasse um grande incêndio no Convento de S. Francisco, do qual apenas restou a sua atual Igreja.
A Rainha D. Maria II, após essa tragédia, decidiu ceder aqueles terrenos para que neles fosse construído o Palácio da Bolsa, decisão essa exarada na Carta de Lei da Concessão, datada de 19 de junho de 1841.
O fundamento tinha que ver com a necessidade de ali estabelecer a Praça ou Bolsa do Comércio e o Tribunal de primeira instância. A Rainha D. Maria II, prognosticando potenciais vicissitudes, face à onerosidade da obra, ordenou que a Associação Comercial do Porto teria ao seu dispor uma receita extraordinária ao longo de dez anos, sobre os produtos que transitassem pela Alfândega da cidade.
Demorou 70 anos a ser construído
A construção do Palácio da Bolsa arrancou após a colocação da primeira pedra, no dia 06 de outubro de 1842. A excentricidade do edifício ditou que este demorasse cerca de setenta anos até ser concluído.
Em boa verdade, quando se entra nesse magnífico altar da Arte, em nada nos surpreende tal morosidade, bastando para isso olhar com afinco para as suas divisões, como o Pátio das Nações que é avassalador, a Sala dos Retratos, a Sala dos Jurados, a Sala do Tribunal, a Sala Dourada, as Salas das Assembleias Gerais, o Salão Árabe que é de facto de uma excentricidade desmedida, a Galeria dos Antigos Presidentes, a Galeria do Presidente, a Sala do Telégrafo, os lindíssimos Claustros, a Biblioteca, etc.
A sua execução compreendeu seis arquitetos principais, dezenas de mestres entalhadores, estucadores, pintores, douradores, pedreiros e centenas de trabalhadores. O edifício presenteia-nos com variadíssimos estilos arquitetónicos, desde traços do neoclássico oitocentista, arquitetura toscana, bem como o neopaladiano inglês.
Entre as personalidades que colaboraram na construção do Palácio da Bolsa ressaltam Joaquim da Costa Lima Júnior (a partir de 1840), cuja planta, orçamento e detalhes do projeto, são por si submetidos; Gustavo Adolfo Gonçalves de Sousa; Tomás Augusto Soller; José Macedo Araújo Júnior; Joel da Silva Pereira e, por fim, José Marques da Silva, último arquiteto e decorador do Palácio da Bolsa.
A 05 de outubro de 1910, com a implantação da República, o Palácio da Bolsa é inventariado e desocupado, pelo que a posse pública do edifício é lavrada a 11 de fevereiro de 1911.
Afirmação da burguesia portuense
O Palácio da Bolsa é também um símbolo de resistência e afirmação da burguesia portuense que, desde séculos, enfrentou os poderes do Clero, afirmando-se como uma classe cada vez mais poderosa e influente.
Os mercadores do Porto, contra a vontade do Bispo, beneficiaram de muitos privilégios reais. Na Idade Média tiveram de D. Dinis o reconhecimento da existência de uma praça que, mais tarde, seria atestada por D. João I, o mestre de Avis que, nesta mesma cidade, estreita laços diplomáticos com Inglaterra, contraindo matrimónio com Filipa de Lencastre. Este e outros acordos celebrados com o velho aliado manifestam-se fundamentais para uma dinâmica económica progressiva no tempo, razão pela qual a cidade se desenvolve, prospera e cresce, tendo por base a produção e exportação de produtos portugueses.
A partir do século XVII um dos produtos que mais benefícios trouxe à cidade, à região e ao país, foi sobremaneira o vinho do Porto. A importância indelével desse produto ficou marcada pela criação das Vinhas do Alto Douro pelo cunho do Marquês de Pombal. Apesar dos elevados impostos cobrados aos comerciantes, estes sempre foram capazes de se impor, sobretudo numa cidade que não possuía nem possui nenhum Palácio Real, mas que possui um Palácio Burguês – resultado do gládio de poderes ao longo de séculos, afirmando a burguesia como classe culta, cosmopolita e influente – no fundo, o Palácio da Bolsa da cidade do Porto representa a vitória da burguesia.
O mago do ferro – Alexandre Gustave Eiffe
Após esta breve súmula acerca da génese do Palácio da Bolsa resta-nos ligar a sua história com o mago do ferro – Alexandre Gustave Eiffel. No último quartel de oitocentos operava-se uma verdadeira revolução na região – a chegada da ferrovia, concretizada pela Linha do Norte.
O advento pioneiro e arrojado obrigava à transposição da enorme garganta do rio Douro, um verdadeiro desafio, apenas encarado com tenacidade por um dos engenheiros mais reputado de sempre – Gustave Eiffel.
A Obra de Arte que permitiu vencer o desafio colossal com elegância, leveza, transparência, resistência e beleza, foi a Ponte Maria Pia, desenhada e executada pela Casa Eiffel & Cia. A construção da Ponte Maria Pia foi adjudicada a 22 de junho de 1875 pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro – responsável pela execução da Linha do Norte e travessia do Douro – à empresa de Gustave Eiffel.
A Ponte Maria Pia foi inaugurada no dia 04 de novembro de 1877, praticamente dois anos após a sua adjudicação. É uma das Obras de Arte em ferro das mais arrojadas de sempre, de tal modo que, à época, possuía o maior arco em ferro do mundo. Aquando da construção da Ponte Maria Pia Gustave Eiffel possuía o seu gabinete no Palácio da Bolsa, para de perto poder acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos, bem como noutras pontes ferroviárias que tinha assumido, sobretudo na Linha do Minho, como a travessia do rio Cávado, Neiva, Lima e Âncora.
Nada melhor e mais inspirador poderia responder às aspirações de Eiffel, imbuído num ambiente verdadeiramente contagiante, fascinante e digno de um conto de fadas, acrescentando ainda mais traços de superação às capacidades inventivas do Homem. Hodiernamente, podemos testemunhar no Palácio da Bolsa esses factos da História portuguesa, constando naquele espaço a escrivaninha sob a qual trabalhou.
O Novo Paradigma imposto pelas construções em ferro, que permitiam praticamente executar quase tudo, deu origem a que esse elemento se fundisse com outras matérias conferindo determinado glamour, resultado de soluções ousadas.
O Palácio da Bolsa é contemplado por uma lindíssima cúpula, executada em ferro e vidro, da autoria de Tomás Soller – verdadeira pérola de um conjunto esplendoroso – símbolo do nosso património industrial.