Vela adaptada em Portugal pede melhores ventos de financiamento e apoios

Os atletas da classe Hansa, de vela adaptada, que até domingo competem no campeonato nacional da categoria na Póvoa de Varzim lamentam a falta de apoios e investimento, apesar de programas e projetos dedicados que vão surgindo.

Na Marina da Póvoa, no distrito do Porto, o vento faz-se sentir enquanto treinadores e velejadores se reúnem para falar sobre as condições das regatas de um campeonato que também se insere no processo de seleção de representantes para Europeus e Mundiais.

Entre os participantes estão pessoas de diversas partes do país e vivências, com distintos graus de ligação à vela e com diferentes problemas físicos e lesões numa classe depois dividida em três subclasses.

Aos 52 anos, Guilherme Ribeiro é um dos mais reconhecidos nomes do Hansa, com medalhas nacionais e internacionais. O atleta do Yacht Club Portimão, onde vive, preside também à Associação Portuguesa Hansa Classe.

Compete há 12 anos, quando foi “empurrado por um amigo” que se tornou treinador, e trabalha na organização que lidera para “promover, divulgar e apoiar a vela adaptada em Portugal”, tendo um orgulho difícil de esconder na realização do Europeu de 2019 em Portimão.

A mesma cidade vai receber, em outubro deste ano, o Mundial, um ponto de convergência para a modalidade que pretende voltar a ser incluída no programa paralímpico e para o qual se esperam cerca de 150 velejadores, com mais de duas dezenas de portugueses só numa das classes, a 303.

“A vela adaptada nos últimos anos em Portugal tem crescido, apesar de que a conta-gotas. Temos neste campeonato nacional 17 velejadores inscritos. É muito bom. Isto é um espelho de muito trabalho dos clubes, da classe e a nível nacional”, lembra.

O velejador nota projetos como a Vela Solidária, também no Algarve, o trabalho dos clubes e “uma maior atenção da Federação Portuguesa de Vela (FPV)” nos últimos três anos, mas deixa críticas às instituições, a “pais e técnicos”, que muitas vezes não aproximam pessoas com deficiência da prática desportiva.

“Há uma pouca vontade por parte de pais e técnicos no sentido de pegar nessas pessoas e transportá-las para os locais onde se faz vela adaptada, para os clubes e treinadores possam fazer e integrar essas pessoas nas provas propriamente ditas. Em Espanha ou França, em várias provas incluem pessoas cegas na classe dupla”, exemplifica.

Cheio de vontade de ir ter com a vela está Luís Martins, de 32 anos, uma vez que vive em Braga e faz 50 quilómetros para cada lado para praticar a modalidade na Póvoa, tendo começado há mais de oito anos.

“Três de janeiro. Um frio de rachar. […] Meti água como tudo, mas é normal. Hoje em dia, raramente meto água”, brinca.

Teve um aneurisma e um AVC aos 17 anos e foi por recomendação de uma fisioterapeuta que veio experimentar. “Gostei, nunca mais larguei”, conta o antigo futsalista.

Como trabalha como assistente pessoal de uma pessoa cega e outra com paralisia cerebral, a vela ajuda-o a “aliviar um bocadinho o stress”, mesmo que o faça “por capricho”, porque tudo fica “muito caro”.

“Um barco é muito caro, as velas são caras. Apoios, tenho dois ou três, não tenho mais. Vou às empresas e dizem-me: ‘vou pensar’. ‘Depois falamos’. Ao fim de contas, não me dão nada”, lamenta.

Um barco da classe Hansa completo, com velas e palamenta incluídas, ascende a perto dos 13 mil euros, entre o preço dos equipamentos e o transporte para Portugal.

Guilherme Ribeiro veio para a vela depois de sentir falta de apoios no basquetebol para pessoas em cadeira de rodas, uma realidade que aqui também se vive, como também atesta Felismina Gomes.

Representa a Associação Naval de Lisboa (ANL), que com uma “parceria com a Associação Salvador” possibilita esta ligação, e pratica desde 2021, quando um dia aberto a ‘atraiu’ para a modalidade.

“Era a forma mais direta que tinha de chegar ao mar, que sempre foi uma coisa que adorei. Depois do acidente, tornou-se mais difícil. […] A vela, para além de ser muito tática, tem outra parte que me dá uma serenidade fantástica, apesar de estar sempre em ebulição”, diz.

A “novata”, como se diz no seio de vários colegas mais experientes, mantém a toada competitiva dos rivais, mas concorda com todos quando diz que a prática se faz “muito por carolice, com boa vontade”, e a “tentar fazer muito com pouco”.

“Há muitas lacunas, começando logo pelos apoios. Só para ter uma noção, para a ANL estar aqui, lançámos uma campanha nas redes sociais para angariar fundos. Os apoios são muito poucos”, critica.

Se “todos têm interesse em que a vela adaptada cresça e chegue a mais atletas”, como manifestam à Lusa, a própria federação nota como “os apoios oficiais são curtos”, levando a que tente estabelecer parcerias para apoiar quer a vertente competitiva quer uma outra mais recreativa.

“Tentámos encontrar patrocinadores que nos apoiassem nesta área específica da vela adaptada. Fizemos muito recentemente uma parceria com a Future Healthcare, que vai dar um apoio que vamos usar especificamente para a vela adaptada, em competição e em promoção e apoio a clubes, para comprar equipamentos”, explica o presidente, Mário Quina, à Lusa.

Outro programa que está a ser finalizado, junto de uma entidade financeira, visa “condições especiais de financiamento para aquisição de apetrechamento de embarcações”, que permite aos federados adquirirem barcos ou outro material com outros meios.

Ainda assim, admite o líder federativo, volta-se à metáfora “das omoletes sem ovos”.

“Isto não é uma vela adaptada, é vela, é outra classe. Estamos a falar de velejadores que vão para a água estejam quatro ou 25 nós. Estão muito bem preparados psicológica e fisicamente”, conclui.

Os ventos de financiamento vão tardando, mas em Portugal veleja-se por carolice, boa vontade e determinação numa classe Hansa que procura uma maior internacionalização para voltar ao programa dos Jogos Paralímpicos.

“O número de velejadores em Portugal oscila consoante oscila o orçamento dos clubes. Não há outra forma de justificar”, admite Guilherme Ribeiro, que destaca programas diversos pelo país para captação de mais pessoas, seja para competir ou beneficiar da possibilidade de “sentir o barco” e o mar, independentemente das condições físicas e psicológicas.

O aumento de velejadores e de clubes capacitados a receber desportistas com deficiência surge no discurso de todos os inquiridos pela Lusa, de mãos dadas com o financiamento.

“Quanto maior for a frota, mais empolgante se torna a competição”, simplifica Felismina Gomes.

 
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