O músico e escritor brasileiro Chico Buarque de Holanda vai receber o Prémio Camões, que lhe foi atribuído em 2019, na segunda-feira, numa cerimónia a ter lugar no Palácio Nacional de Queluz, em Sintra.
A cerimónia, que está marcada para as 16:00, está integrada na visita oficial do Presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que começou na sexta-feira, dia 21, e decorre até 25, e será presidida pelos chefes de Estado do Brasil e de Portugal.
Chico Buarque foi galardoado com o Prémio Camões em 2019 mas a cerimónia de entrega nunca se realizou depois de várias críticas feitas às políticas culturais do anterior Presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Em entrevista à agência Lusa, a ministra brasileira da Cultura, Margareth Menezes, considerou que a entrega do Premio Camões de 2019 ao músico em Portugal simboliza o regresso aos valores democráticos no Brasil.
“Chico Buarque é um artista e um cidadão que, para nós, tem uma representatividade muito alta”, pela “dimensão da obra dele, pelo que ele representa para o povo brasileiro, para a democracia”, afirmou a ministra, acrescentando que “foi um artista que sempre se envolveu e se colocou na luta a favor da democracia” e contra a ditadura, através das suas obras.
Também a editora Clara Capitão, do grupo Penguim Random House Portugal, que edita a obra de Chico Buarque, na chancela Companhia das Letras, destacou que a entrega do prémio ao escritor e músico brasileiro, “depois de anos de espera, significa que o Brasil voltou a viver um tempo de democracia e esperança”.
“Este prémio confirma a importância da obra deste que é um dos mais relevantes criadores contemporâneos do Brasil, espalhando pelo mundo, com as suas letras e os seus livros, os encantos da língua portuguesa. As suas letras cantam a liberdade, a imaginação, o amor e o desamor. E os seus livros, com deliciosa ironia e fina capacidade de observação, instigam-nos a ver o mundo com um olhar renovado”, afirmou Clara Capitão, em comunicado.
O autor de músicas emblemáticas de crítica social, defesa da liberdade e contestação à ditadura, como “Construção”, “Cálice”, “Apesar de você”, “Fado tropical” ou “Tanto mar” – esta última (na sua primeira versão, de 1975), uma felicitação a Portugal pela Revolução dos Cravos – foi o vencedor da 31.ª edição do Prémio Camões, na sequência de decisão unânime do júri constituído por Manuel Frias Martins e Clara Rowland (Portugal), Antonio Cícero e Antonio Hohlfeldt (Brasil), Ana Paula Tavares (Angola) e Nataniel Ngomane (Moçambique).
Reunido no Rio de Janeiro a 21 de maio de 2019, o júri fundamentou a sua escolha realçando a “qualidade e transversalidade” da obra de Chico Buarque, “tanto através de géneros e formas, quanto pela sua contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa”.
A atribuição do Prémio Camões ao músico e escritor brasileiro reconhece “o valor e o alcance de uma obra multifacetada, repartida entre poesia, drama e romance”, um trabalho que “atravessou fronteiras e se mantém como uma referência fundamental da cultura no mundo contemporâneo”, concluiu o júri na sua declaração.
Na altura, Chico Buarque manifestou-se “muito feliz e honrado de seguir os passos de Raduan Nassar”, o seu compatriota distinguido com o prémio em 2016, enquanto Lula da Silva, que estava preso em Curitiba desde o ano anterior, escreveu uma carta ao músico felicitando-o pela sua vitória.
No entanto, meses depois, o então presidente brasileiro Jair Bolsonaro deu a entender que não assinaria o diploma do Prémio Camões, cuja entrega formal estava prevista para abril de 2020, em Portugal.
Bolsonaro afirmou que assinaria “até 31 de dezembro de 2026”, numa alusão ao final do um segundo mandato presidencial, caso fosse reeleito em 2022, o que não aconteceu.
Chico Buarque é um apoiante do Partido dos Trabalhadores (PT), defensor do ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e foi crítico do governo de Jair Bolsonaro.
Ao tomar conhecimento das declarações do então presidente brasileiro, Chico Buarque afirmou que a não assinatura do seu diploma do Prémio Camões por Jair Bolsonaro equivaleria a uma dupla distinção.
“A não assinatura do Bolsonaro no diploma é para mim um segundo Prémio Camões”, escreveu o artista brasileiro na sua conta oficial do Instagram.
Entretanto, a cerimónia de entrega do prémio acabou por ser adiada, devido à pandemia de covid-19, tendo sido agora remarcada, coincidindo com as celebrações do 25 de Abril e com a visita de cinco dias de Lula da Silva a Portugal, durante a qual decorre a cimeira luso-brasileira, que deveria ser anual, mas que será a primeira em sete anos.
Instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988, e atribuído pela primeira vez em 1989, ao escritor português Miguel Torga, o Prémio Camões é o galardão de maior prestígio da língua portuguesa. De caráter anual, presta homenagem a um escritor que, pela sua obra, contribua para o enriquecimento e projeção do património literário e cultural de língua portuguesa.
O Ministério da Cultura, através da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) e do Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (GEPAC), organiza pela parte portuguesa a atribuição deste Prémio, que tem o valor pecuniário de 100 mil euros, assumido em partes iguais pelos Governos de Portugal e do Brasil.
Nos termos do Regulamento, Portugal e o Brasil organizam de forma alternada as reuniões e as cerimónias de entrega deste galardão.
Depois de Chico Buarque, foram distinguidos o professor e ensaísta português Vítor Manuel de Aguiar e Silva (2020), a escritora moçambicana Paulina Chiziane (2021) e o escritor brasileiro Silviano Santiago (2022).