A conta-gotas, Igreja católica já afastou cinco padres suspeitos de abusos

Arquidioceses de Braga afastou um sacerdote
Foto: Arquidiocese de Braga / Facebook

A conta-gotas, a Igreja católica já suspendeu cinco padres suspeitos de abusos sexuais de menores, mas há bispos que continuam a exigir provas concretas para avançar com medidas suspensivas, o que já mereceu críticas do Presidente da República.

Na sequência do relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos casos de Abuso Sexual de Menores na Igreja Católica em Portugal a primeira a suspender padres de funções foi a diocese de Angra, nos Açores, afastando os dois padres que constavam da lista entregue pela comissão ao bispo de Angra, Armando Esteves Domingues.

Seguiu-se a diocese de Évora, com um padre afastado, o único ainda vivo da lista de dois nomes entregue ao bispo Francisco Coelho, a da Guarda, onde foi suspenso um padre, e a de Braga, onde dos oito nomes da lista entregue à diocese um foi afastado de funções.

Várias dioceses apontaram que das listas que receberam constavam nomes de clérigos em alguns casos já falecidos, noutros que não pertenciam às dioceses.

Há também casos em que os padres já foram alvo de processos canónicos e medidas disciplinares, e processos civis, havendo casos de absolvição em tribunal.

Mas são também vários os casos de nomes de padres ainda no ativo, facto reconhecido pelas dioceses, mas que se recusam, para já a suspendê-los.

As dioceses de Lisboa e Porto revelaram hoje ter recebido listas com 24 e 12 nomes, respetivamente, dos quais cinco e sete padres, respetivamente, se mantêm no ativo.

Não tomam, para já, qualquer medida no sentido de os suspender de funções, tendo Lisboa pedido mais elementos à comissão independente que “permitam fundamentar a proibição do exercício público do ministério dos sacerdotes no ativo e assunção das devidas responsabilidades no apoio e respeito pela dignidade das vítimas”.

Já o Porto prometeu suspensões preventivas em caso de serem encontrados “indícios fiáveis” de crimes, reiterando a argumentação da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que na conferência de imprensa da semana passada defendeu o afastamento dos clérigos com base em provas concretas.

O presidente da CEP, José Ornelas, repetiu diversas vezes na conferência de imprensa que o que havia sido remetido pela comissão independente tinha sido apenas uma lista de nomes, sem mais elementos que permitissem à igreja atuar, algo que o coordenador daquela comissão, o pedopsiquiatra Pedro Strecht, contrariou menos de uma hora depois, afirmando que a Igreja e as comissões diocesanas tinham recebido informação “importante e significativa”, suficiente para tomar medidas.

Esta ideia tem sido reiterada nos últimos dias por um dos membros da comissão independente, o psiquiatra Daniel Sampaio, que já hoje rebateu críticas ao trabalho da comissão e à existência de nomes de padres que já morreram nas listas remetidas e que Lisboa e Porto têm informação suficiente agir já e para afastar padres.

A conferência de imprensa da CEP e a posição que tomou sobre o relatório foi para o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “uma desilusão”, conforme afirmou em entrevista à RTP e ao jornal ‘Público’, considerando que foi tardia e “ficou aquém em todos os pontos que eram importantes”.

“Como Presidente da República a expectativa que havia era tão simples: era ser rápido, assumir a responsabilidade, tomar medidas preventivas e aceitar a reparação. E de repente é tudo ao contrário, em termos gerais, ou cada um para seu lado”, lamentou.

O chefe de Estado sugeriu que agora a Conferência Episcopal Portuguesa faça “uma reflexão complementar para reencontrar o caminho que se perdeu nestes 20 dias”.

Contactada pela Lusa, a CEP escusou-se a comentar as críticas do Presidente da República.

Até ao momento, as dioceses do Funchal, Angra, Évora, Viana do Castelo, Algarve, Portalegre, Viseu, Guarda, Braga, Lisboa, Porto, Aveiro, Santarém e Setúbal já se pronunciaram sobre as listas de nomes enviadas pela comissão independente.

Santarém referiu não ter recebido qualquer lista, uma vez que os casos não se enquadram “na geografia e/ou no tempo histórico” da diocese, enquanto Setúbal apontou contradições aos dados recebidos e anunciou ter pedido mais esclarecimentos sobre os cinco casos comunicados, nem todos referentes a abusos de menores.

Há 21 dioceses no país, entre as quais a das Forças Armadas e de Segurança.

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, constituída por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa e coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, validou 512 testemunhos, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4.815 vítimas.

Os testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, o espaço temporal abrangido pelo trabalho da comissão.

A comissão entregou uma lista de alegados abusadores no ativo à Conferência Episcopal Portuguesa.

No relatório, divulgado em fevereiro, a comissão alertou que os dados recolhidos nos arquivos eclesiásticos sobre a incidência dos abusos sexuais devem ser entendidos como a “ponta do iceberg”.

 
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