Viana do Castelo: Novos comboios da CP deixam José ‘em terra’

Costumava ir às consultas no Porto de comboio, agora tem de ir de ambulância
Foto: Joca Fotógrafos / O MINHO

José Senra, de 59 anos, é deficiente motor e necessita de uma cadeira de rodas elétrica para se deslocar. O vianense diz-se prisioneiro por não conseguir usar os transportes públicos para se deslocar para fora de Viana do Castelo. “Nos autocarros está fora de questão e nos comboios da CP estou sempre a levar negas”, lamenta.

Uma vez que os problemas motores o acompanharam desde sempre, José Senra está habituado e é conhecedor das tramitações necessárias para fazer uma viagem de comboio. “Tenho de ligar previamente e eu isso até dou de barato. A questão é que a resposta que recebo é negativa”, aponta.

A um pedido feito em 06 de agosto deste ano, a CP respondeu: “Na sequência do seu pedido de assistência SIM para o dia 07-08-2022, e de acordo com o nosso contacto telefónico, informamos que por troca do material circulante da viagem de ida, não estão reunidas as condições de segurança para o embarque/desembarque de Clientes com Necessidades Especiais em cadeira de rodas elétrica”. Sem solução, José Senra ficou em Viana do Castelo a ver passar comboios.

Foto: Joca Fotógrafos / O MINHO

O acrónimo SIM refere-se ao Serviço Integrado de Mobilidade da CP que, segundo a página de internet da empresa, é um serviço orientado para servir Clientes com Necessidades Especiais. Questionada por O MINHO, a CP precisou que “no caso dos clientes que se façam transportar em cadeiras de rodas, contam com assistência no embarque e desembarque em 139 estações ferroviárias de norte a sul do país”. A empresa acrescenta que na Linha do Minho e, concretamente no percurso entre Viana do Castelo e o Porto, a viagem para pessoas com mobilidade reduzida é possível.

De facto, a estação de Viana do Castelo consta da lista daquelas em que está disponível o serviço SIM e nas respostas que a CP mandou a O MINHO, informou que a estação dispõe de um elevador de plataforma. Ainda de acordo com a CP, as carruagens Arco, que entraram ao serviço em julho de 2022, na Linha do Minho, “permitem o embarque e desembarque de passageiros em cadeira de rodas e estão equipadas com rampas próprias”.

Foto: Joca Fotógrafo / O MINHO

Realidade revela-se diferente do anunciado

Na prática, José Senra diz que não é bem assim. As carruagens Arco foram compradas em segunda mão à RENFE (a congénere espanhola da CP) e depois de recuperadas nas oficinas de Guifões, foram colocadas ao serviço na Linha do Minho.

“Acontece que estas carruagens não são suficientes para garantir todas as viagens e, por isso, continua a haver composições com as carruagens do Intercidades e nessas uma cadeira de rodas elétrica não entra, com ou sem rampa”, denuncia José Senra.

Foto: Joca Fotógrafo / O MINHO

O passageiro diz que não é uma questão de adaptação das estações (há 30 disponíveis com o serviço SIM para o Intercidades na lista da CP) ou da existência de rampas, “o problema é que as portas do Intercidades não têm largura para passar uma cadeira de rodas”.

O cliente da CP ironiza: “É incrível que um pequeno café de bairro tenha que ter casa de banho para deficientes, onde uma cadeira de rodas tem que conseguir dar a volta, para obter o licenciamento e que uma grande empresa como a CP não garanta os mínimos”.

José Senra afirma que antes de entrarem em funcionamento as carruagens Arco “viajava semanalmente”, coisa que agora não consegue fazer, por isso considera que “as condições que a CP oferece aos cidadãos com mobilidade reduzida, em Viana do Castelo, se degradaram”.

O vianense já teve oportunidade de viajar de avião várias vezes e diz que, “por incrível que pareça, é muito mais fácil do que andar de comboio em Portugal, nunca nenhuma companhia aérea me colocou problemas”.

Mesmo que embarque não pode ir à casa de banho

Relativamente ao Intercidades, a CP esclarece, no Manual de Procedimento para o cliente SIM: “Só podem embarcar clientes com cadeiras de rodas manuais dobráveis, dada a largura útil das portas e corredores”.

Quer dizer que José Senra está, à partida, excluído deste serviço. Todavia, mesmo para os que usam uma cadeira manual, o embarque no Intercidades implica que tenham de fazer o transbordo para “uma cadeira exclusiva para esse fim”. Mesmo assim, “só poderá usar as carruagens de 2.ª classe, uma vez que os bancos de 1.ª classe têm apoios de braço fixos, não rebatíveis”, avisa a CP, no mesmo manual.

Se estiverem dispostos a aceitar estas condições, ainda têm de ser capazes de aguentar longos períodos sem ir à casa de banho, porque a CP faz saber que estes comboios não têm WC universais e que a assistência prestada “não inclui o acompanhamento nas atividades básicas de vida”.

José Senra procura ser uma pessoa dinâmica e, sobretudo, autónomo, apesar das 46 cirurgias que já fez. “Os antigos comboios da RENFE que faziam a Linha do Minho, estavam muito degradados, mas nesses pelo menos eu conseguia ir às consultas médicas no Porto, agora tenho de ir de ambulância”, reclama. É uma perda de autonomia para o cidadão, mas também um peso acrescido para o erário público que tem de suportar 400 euros por cada viagem em ambulância até à Invicta.

José Senra diz que já se queixou à CP, ao Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), ao Ministério das Infraestruturas e da Habitação e até ao primeiro-ministro e ao Presidente da República, mas sem sucesso. “Quando o ministro Pedro Nuno Santos veio inaugurar as carruagens compradas aos espanhóis, coloquei-me na primeira fila e disse-lhe que naqueles comboios eu não ia poder viajar, mas não obtive nenhuma resposta”, lamenta.

O MINHO também contactou o Ministério das Infraestruturas e da Habitação e o INR, mas, até ao momento, ainda não há resposta.

 
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