O treinador português de futebol Paulo Fonseca chegou na segunda-feira a Lisboa, acompanhado pela esposa, Katerina, e pelo filho, assumindo-se feliz por estar a salvo e triste pelo povo ucraniano, devido à ofensiva militar russa no país.
O voo que trouxe o antigo treinador do SC Braga trouxe mais 37 passageiros, todos em fuga da guerra na Ucrânia, aterrou no Aeroporto Humberto Delgado às 23:08 horas, tendo o treinador cruzado a porta da zona das chegadas às 23:45 horas, depois de ter sido recebido (tal como os restantes passageiros) pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
À espera dele tinha família e amigos. Os aplausos foram audíveis e os abraços fortes.
Em declarações à imprensa, Paulo Fonseca começou por agradecer ao Shakhtar Donetsk, clube que treinou de 2016/17 a 2018/19, antes de se mudar para a Roma, por o ter acolhido nos primeiros dias.
“Agradeço também à embaixada portuguesa que nos ajudou a atravessar a fronteira e tenho um agradecimento especial ao presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Fernando Gomes, que entrou em contacto com o presidente da federação ucraniana e que foram importantes para conseguirmos atravessar a fronteira”, começou por dizer.
Depois de ter viajado de autocarro entre Ucrânia e Roménia, tendo passado pela Moldávia, Paulo Fonseca confessa que sente um alívio por estar finalmente em Portugal e em segurança, mas diz estar triste por ter deixado “aquele povo que está a lutar de forma heroica”.
“É um misto de emoções. Por um lado, consegui trazer a minha família, mas, por outro, eles deixaram lá praticamente tudo. Enquanto estive na cidade, não vi tanques russos, porque estávamos num ‘bunker’. O pior começou a acontecer depois de termos saído de lá”, afirmou.
A esposa, Katerina, que é ucraniana, teve um discurso muito mais emotivo do que Paulo Fonseca. Em cada palavra estava o sentimento de dor.
“Tenho de confessar que o meu coração não está cá. Está na Ucrânia, com os meus amigos e familiares. Há uma guerra cruel no meu país e que é completamente inaceitável. É muito difícil ver crianças, mulheres e civis a morrer. Esta guerra tem de acabar imediatamente”, disse.
Ao lado de Paulo Fonseca, Katerina lançou o apelo: “Quanto estávamos no avião para vir para Portugal, houve cidades que foram bombardeadas pela aviação russa. É uma crueldade o que estão a fazer. A cidade está em sofrimento. Quem me estiver a ouvir: ajudem a Ucrânia de todas as formas possíveis”.
Paulo Fonseca diz não ter palavras para descrever o que está a acontecer na Ucrânia, onde destaca a união da população para combater a invasão russa.
“O povo está a sofrer, mas está a lutar pela pátria. Ainda hoje soube que há inúmeras pessoas que querem entrar para se alistarem no exército. Há também inúmeras figuras públicas. Por isso, neste momento, já ganharam esta guerra. Temos muitos amigos que se alistaram para defender a Ucrânia. Sabemos que estão bem, mas estão na frente de batalha”, revelou.
Na cabeça de Paulo Fonseca pairavam ainda as imagens da viagem até à fronteira ucraniana, mas, segundo o próprio, o sentimento de incerteza, daquilo que poderia acontecer a qualquer momento tornou tudo mais difícil.
Apesar da ajuda da comunidade internacional, que “tem feito muito”, Paulo Fonseca não tem dúvidas em dizer que é “manifestamente pouco e insuficiente para aquelas pessoas” e deixa um sentimento de esperança aos que tentam viajar para Portugal.
“Portugal e a União Europeia têm-se esforçado para ajudar, mas sinto que há algo mais a fazer porque senão vamos deixar aquelas pessoas morrer. Aos portugueses que lá estão e às famílias ucranianas que podem vir para cá o que tenho para lhes dizer é que tenham esperança. Tenho a certeza que a embaixada tudo vai fazer para que consigam sair em segurança”, garantiu.
Fruto deste conflito, Paulo Fonseca diz ter-se esquecido do futebol e que a curto prazo não será prioritário, não rejeitando um regresso ao país natal da esposa.
“É claro que penso voltar à Ucrânia. Foi um alívio para mim e para a minha família, mas custou-me deixar aquele povo que está a lutar de forma heroica. Sinto-me aliviado, por mim e pela minha família, mas ao mesmo tempo uma tristeza muito grande. Não tenho pensado na minha carreira. Vou querer regressar, não nesta época, mas no início da próxima”, concluiu.
Paulo Fonseca, de 48 anos, está atualmente sem clube, depois de ter deixado a Roma, contando passagens pelo comando técnico de clubes como Paços de Ferreira, FC Porto, SC Braga, além do referido Shakhtar Donetsk.
A Rússia lançou na quinta-feira uma ofensiva militar na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamento de alvos em várias cidades, que já mataram mais de 350 civis, incluindo crianças, segundo Kiev. A ONU deu conta de mais de 100 mil deslocados e quase 500 mil refugiados na Polónia, Hungria, Moldova e Roménia.
O presidente russo, Vladimir Putin, disse que a “operação militar especial” na Ucrânia visa desmilitarizar o país vizinho e que era a única maneira de a Rússia se defender, precisando o Kremlin que a ofensiva durará o tempo necessário.
O ataque foi condenado pela generalidade da comunidade internacional e a União Europeia e os Estados Unidos, entre outros, responderam com o envio de armas e munições para a Ucrânia e o reforço de sanções para isolar ainda mais Moscovo.