O distrito de Braga é um dos principais focos da “epidemia” de violência doméstica que grassa pelas casas deste país. Entre janeiro e outubro, a Guarda Nacional Republicana registou 1.076 participações de violência doméstica no distrito e o número de vítimas acompanhadas pela APAV aumentou durante os dois últimos anos; as queixas aumentam de ano para ano e Braga partilhou, com os distritos do Porto e de Lisboa, o pódio da distribuição geográfica de denúncias no Relatório Anual de Segurança Interna de 2020, enquanto os primeiros números de 2021, não permitem tréguas.
O valor calculado pela média aritmética, corresponde a 108 denúncias mensais para os 10 primeiros meses do ano, apenas registadas pela GNR no distrito de Braga. Em 2020, a GNR preencheu 1.346 participações relativas a violência doméstica e os números aumentam de ano para ano, 1.306 em 2019, 1.226 em 2018, unicamente para o distrito de Braga.
No Relatório Anual de Segurança Interna de 2020, Braga é um dos distritos do país que apresenta somatórios mais elevados de participações elaboradas pelas polícias: 1.958 queixas de violência doméstica representam um crescimento de 0.2%, relativamente ao número de denúncias apresentadas em 2019. O distrito está pendurado no terceiro lugar, de um pódio partilhado com o Porto e com Lisboa.
Durante os últimos 5 anos, a “APAV apoiou 62.248 vítimas de crime, existindo um aumento significativo nos últimos dois anos”, afirma Marta Mendes, gestora do gabinete de apoio à vítima de Braga, sobre o panorama nacional.
No ano de 2019, o Gabinete de Apoio à Vítima de Braga apoiou 900 pessoas, das quais 722 afirmavam-se do sexo feminino. Das 900 pessoas acompanhadas pela instituição, 398 eram residentes no concelho de Braga e 698 eram vítimas do crime de violência doméstica. No outro género, 169 pessoas do sexo masculino recorreram aos serviços da APAV no distrito.
O comando territorial da GNR salienta que no distrito, 78% das participações são apresentadas por vítimas e as restantes denúncias são efetuadas por testemunhas ou anonimamente.
“Todos os factos reportados à GNR são de investigação obrigatória, sendo que no mais curto prazo, são comunicados formalmente ao Ministério Público”, informa a polícia referindo-se à natureza prioritária da investigação: “São destacados militares com formação específica na temática, sendo que em situações onde a avaliação de risco realizada à vítima seja considerada elevada, a investigação é realizada pelos Núcleos de Investigação e Apoio a Vitimas Especificas”, diz o tenente-coronel e relações públicas do comando territorial de Braga, Adriano Rocha a O MINHO.
A esmagadora maioria dos processos criminais são arquivados
A violência doméstica é um crime público raramente julgado pela magistratura judicial, porque a maioria dos inquéritos são arquivados pelo Ministério Público, enquanto as vítimas continuam a suportar um ordenamento jurídico centrado nos direitos do agressor.
Em Portugal, durante o ano de 2020, findaram 33.873 inquéritos, mas o Ministério Público deduziu somente 5.043 acusações. A esmagadora maioria das investigações do Ministério Público (21.327) foram arquivadas, sem as vítimas escutarem o pronúncio formal da acusação.
“O reconhecimento do papel da vítima de crime e do seu valor processual permitirá dar-lhe aquele lugar que é seu por direito, mas que foi descurado inevitavelmente ao longo do tempo, em prol de outros sujeitos processuais e de um sistema de justiça mais centrado no autor de crime, nos seus direitos e nas suas garantias”, afirma Marta Mendes, gestora do gabinete de apoio à vítima de Braga, a O MINHO.
“Portugal tem conhecido importantes avanços no âmbito da proteção às vítimas de crime, o caminho que a Justiça vem percorrendo, ao abrigo de legislação internacional e subsequente adoção do estatuto de vítima no ordenamento jurídico, deve ser valorizado”, explica Marta Mendes.
“A efetivação desses direitos e o seu reconhecimento nas específicas situações, aproximando, cada vez mais, a realidade do sistema jurídico à lei, deverá ser encarado como um percurso que vem sendo desenvolvido, mas deverá sempre procurar melhor corresponder às reais necessidades das vítimas de crime, seus familiares e amigos” acrescenta a especialista, que enaltece a “existência de diversas respostas para as vítimas de violência doméstica, sendo importante mencionar: se é vítima de crime, procure ajuda, não está sozinha”.
Para a construção desta reportagem, o gabinete dedicado às relações públicas da PSP de Braga não prestou nenhuma declaração ao jornal, apesar das questões enviadas por O MINHO. Contudo, o crime de violência doméstica foi o mais registado nas esquadras de todo o país, durante o ano de 2020, pelas várias autoridades.
Recomeçar
A violência doméstica é uma corrente disfuncional unida por elos enferrujados: do clímax ao medo, do carinho à agressão, da prenda ao insulto. É orientada para a submissão absoluta da vítima pelo rendimento, pela humilhação da separação, pela rejeição da família, pelo culto diário da inferioridade e da dependência que se aloja no crânio da vítima como uma condição à própria vida. “É um bom homem”, justifica-se aquilo, para o que não há justificação.
“Um crime pode afetar-nos de modo diferente e as pessoas não reagem todas da mesma forma, a maioria das pessoas, após serem vítimas, podem sentir-se muito confusas e vulneráveis”, explica a gestora do gabinete de Braga, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Marta Mendes, que tipifica: “Reações como pânico geral, o pânico de morrer, a impressão de estar a viver um pesadelo, a desorientação geral, o sentimento de solidão e o estado de choque, são reações comuns e normais nas vítimas de crime”.
“Existe um conjunto de consequências psicológicas, físicas, sociais e económicas que se manifestam, pelo que deveremos procurar apoio especializado e qualificado, com vista a minimizar o impacto” acrescenta.
Quanto à dificuldade de autonomização e independência do violentado, fisicamente, psicologicamente ou moralmente, para com o violentador, a APAV não é dona de respostas absolutas: “Face a tudo isto, à diversidade das situações, não conseguimos dar uma resposta concreta, todavia, gostaríamos de salientar que é possível, se a vítima de crime assim o desejar, sair do contexto violento e construir um projeto de vida afastado do mesmo”.
O endereço das casas de abrigo é confidencial para proporcionarem segurança e proteção às vítimas, bem como aos seus filhos ou filhas. Importante mencionar que a Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica dispõe de 133 estruturas de atendimento, que permitem respostas sustentadas por equipas multidisciplinares, presencialmente ou telefonicamente, com informação jurídica, apoio psicológico e social, gratuito e confidencial. Os serviços dispõem de 39 casas abrigo e 26 acolhimentos de emergência.