A contestação a nível nacional dos artistas de várias áreas, desde o teatro às artes plásticas, contra o novo modelo de apoio às artes, a falta de incentivos e apoios financeiros, marcou este ano o panorama da cultura.
Embora a anterior tutela, liderada pelo ministro Luís Filipe Castro Mendes, tenha realizado uma auscultação aos artistas e seus representantes antes da entrada em vigor do novo modelo, no início deste ano, o setor começou a insurgir-se assim que saíram os resultados provisórios dos concursos de apoio às artes.
A contestação culminou em abril, com manifestações em Lisboa, Porto, Coimbra, Beja, Funchal e Ponta Delgada, onde os artistas, sobretudo das áreas do teatro, música, cinema e dança, se concentraram para exigir medidas.
Os protestos levaram à intervenção do primeiro-ministro, António Costa, que deu garantias de que seria iniciado um trabalho concertado com os agentes artísticos e a tutela, com vista à revisão do modelo de apoio.
O Governo acabou por reforçar também os montantes disponíveis para os concursos organizados anualmente pela Direção-Geral das Artes (DGArtes), já que os artistas argumentaram que não bastava remodelar as regras de apoio com “boas intenções”. Assim, os concursos do Programa de Apoio Sustentado, para os anos de 2018-2021, que partiram com um montante global de 64,5 milhões de euros, acabaram com o valor final de 83,04 milhões, como publicado em Diário da República.
Em julho, 17 entidades artísticas de todo o país foram ouvidas no parlamento, onde criticaram as regras do modelo de apoio às artes, que consideram ser uma estratégia para “eliminar candidaturas”, e alertaram para o fim da atividade regular de muitas estruturas.
Luís Filipe Castro Mendes foi igualmente chamado ao parlamento – onde foi questionado e criticado pelos partidos tanto à esquerda como à direita – para anunciar a criação de um grupo de trabalho que reavaliasse o modelo e recolhesse propostas de alteração dos agentes do setor e personalidades da cultura, que foram convidadas a participar.
O Grupo de Trabalho sobre o Modelo de Apoio às Artes foi criado em 15 de junho, e reunia representantes da DGArtes, da Associação Nacional de Municípios Portugueses, assim como REDE – Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea, Plateia – Profissionais de Artes Cénicas, Performart – Associação para as Artes Performativas em Portugal.
O grupo integrava ainda figuras da área da cultura como Ana Marin, Isabel Capeloa Gil, Luís Sousa Ferreira, Manuel Costa Cabral, Manuela de Melo e Miguel Lobo Antunes.
O Manifesto em Defesa da Cultura, incluído no grupo, foi o único representante que acabou por sair, por entender que a iniciativa não produziria “alterações de fundo”.
Castro Mendes ainda liderava a pasta da cultura, quando as recomendações foram anunciadas, em outubro, na sua maioria consensuais, e que pediam sobretudo o reforço financeiro dos apoios sustentados e a simplificação dos formulários das candidaturas nos concursos.
O Ministério da Cultura declarou, na altura, que iria analisar o relatório com a intenção de adotar propostas, nas quais o aspeto financeiro estava em destaque, nomeadamente que a DGArtes catalizasse financiamentos europeus, privados ou do Estado, para projetos artísticos de intervenção cultural territorial.
Recomendava ainda “mais ação e dinamismo da DGArtes”, para procurar fontes diversificadas de financiamento e parcerias com diversas entidades, nomeadamente a articulação com diferentes instituições do poder local.
Da mesma forma, era pedido “o reforço dos recursos humanos e financeiros da DGArtes, no acompanhamento e avaliação dos planos de atividades e dos projetos artísticos”.
O estabelecimento de um calendário preciso para a celebração dos contratos resultantes dos concursos, “até ao terceiro trimestre do ano anterior ao início da sua vigência”, o cumprimento efetivo do calendário da DGArtes, o alargamento do prazo de candidatura para um mínimo de 60 dias, no apoio sustentado, estavam entre outras propostas.
Em outubro, o primeiro-ministro viria a ser surpreendido com um outro protesto dos artistas, desta vez das artes plásticas, que lhe entregaram uma carta sobre o “Estado da Arte em Portugal”.
No documento, assinado por artistas como Pedro Proença, José de Guimarães e Manuel João Vieira, era exigido um fundo do Estado para aquisições, a criação de uma agência para a arte contemporânea separada da DGArtes, e “urgentes alterações fiscais”.
O protesto, assinado por cerca de 200 artistas de várias gerações, serviu como alerta para a “situação preocupante da arte contemporânea em Portugal”, que envolve mercado, crítica, galerias, coleções, instituições e museus.
António Costa acabaria por receber uma dezena de representantes dos contestatários, a quem prometeu a criação de um programa a dez anos para aquisição de obras de arte contemporânea, a ser contemplado na proposta de Orçamento do Estado para 2019, com uma primeira dotação orçamental de 300 mil euros.
Prometeu ainda a intenção de crescimento gradual deste programa e do seu desenvolvimento, e pediu a colaboração dos artistas plásticos para a constituição de uma comissão que, de forma transparente, escolha as obras que o Estado venha a adquirir.
O primeiro-ministro deu também continuidade à iniciativa “Arte em S. Bento”, um programa expositivo como forma de dar visibilidade à arte contemporânea, e de incentivar os colecionadores privados, com a Coleção António Cachola, do Museu de Arte Contemporânea de Elvas, a suceder à mostra do Museu de Serralves.