Artigo de Vânia Mesquita Machado
Pediatra e escritora. Autora dos livros “Microcosmos Humanos” e “Humana Seja a Nossa Dor”.
Mãe de 3. De Braga.
Dado ter falecido uma adolescente de 17 anos hoje com sarampo,alegadamente não vacinada (e não retirando de forma alguma o respeito pela dor dos pais, nem está em causa qualquer forma de juízo, penso ser importante reforçar o apelo lançado hoje por várias entidades, nomeadamente a nível do Ministério da Saúde, da DGS e do Bastonário da Ordem dos Médicos:
VACINAR!
“SARAMPO sarampelo…
… Sete vezes vem ao pêlo…”
Expressão que tinha caído em desuso, referida a várias doenças manifestadas por exantemas (“manchinhas e pintinhas” na pele), muito parecidas entre si, embora para o sarampo existissem ( e existem) sinais patognomónicos ( significa específicos), mas mesmo assim nem sempre descobertos pois tinham (e têm) uma sequência na forma de manifestação da doença.
Sou Pediatra.
Sinto-me na obrigação de prestar alguns esclarecimentos, não como perita em doenças infeto-contagiosas mas para ajudar a que exista menos desinformação entre as pessoas.
Informo que a vacinação não é obrigatória em Portugal.
NUNCA FOI.
Mas é um ato responsável, pois se as vacinas estão incluídas GRATUITAMENTE no Plano Nacional de vacinação (PNV), é porque realmente para estas doenças, o custo-benefício tende para o benefício, ou o Estado não as forneceria a TODAS as crianças. Existe uma Comissão nacional de peritos altamente especializados, que estuda durante um longo período se as vacinas devem ou não ser incluídas no nosso PNV.
Mais informo que os PNV variam entre os países.
Graças às CORRENTES ANTI-VACINAIS, pelas quais nutro um sentimento de revolta, certas doenças vão recrudescer outra vez.
– Excluo este sentimento em relação a vacinas novas e menos testadas no país, pois a prevalência das várias bactérias varia conforme os países.
Cada bactéria tem muitos serotipos, ou seja, por exemplo a da MENINGITE B tem um conjunto de “primas”, representadas por números, e as que estão incluídas na vacina podem não ser as que circulam em Portugal.
Claro que para bebés pequeninos, mais indefesos justifica-se proteger, mesmo que dentro de uns anos e com mais estudos se entenda que esta não seria a vacina mais adequada para o nosso país.
As vacinas têm obviamente efeitos laterais e por isso se exige sempre ponderação quanto às novas vacinas.
E é muito difícil deixar a “batata quente” nas mãos dos prescritores, Pediatras ou colegas de Medicina Geral e Familiar, quando não existem normas nacionais, mas “recomendações”…-
Existe também um surto de TOSSE CONVULSA entre nós, também relacionado com a perda de imunidade a esta vacina, mas muito à custa da moda de não vacinar, surgida nos países nórdicos há alguns anos ( mais ou menos em simultâneo com a corrente antivacinal dos EUA).
São geralmente pessoas com elevado nível de instrução que não vacinam os seus filhos.
Advogam a “imunidade natural”.
Têm sorte, para já, porque dado o efeito de imunidade de grupo que já expliquei, são protegidas destas doenças incluídas no PNV.
Se todos os pais pensassem assim, teríamos por exemplo de novo casos de TÉTANO- que mata, e não tem cura.
Esta forma de pensar é bizarra: as pneumonias eram letais antes da descoberta dos antibióticos… Se não se administrar um antibiótico numa infeção respirarória bacteriana, por exemplo por pneumococos, provavelmente esta mata.
Estes surtos de doenças que eram prevenidas por vacinas, estão também relacionados com a imigração, infelizmente a angústia dos imigrantes ilegais de serem expulsos do país para onde vieram à procura de melhores condições de vida, leva-os a não inscreverem os filhos nos Centros de Saúde.
São problemas complexos.
A complicar mais tudo isto, está o facto das bactérias e vírus se alterarem para contornar tanto medicamentos ( resistência a antibióticos no caso de bactérias), como vacinas ( por exemplo, se não se vacinam mais de 95% das crianças , não se dá o efeito de imunidade de grupo – em que a partir desta% é como se estivessem todas vacinadas- e os vírus selvagens (os que não são “amansados” para serem colocados nas vacinas e poderem gerar resposta do sistema imunitário para reconhecer o vírus se o corpo contactar com eles) ficam mais agressivos e dão doenças mais sequelas.
Por exemplo, no caso da VARICELA, diagnosticamos entre nós casos mais graves do que há anos atrás, mas não sabemos se isto tem a ver com o facto de umas crianças serem vacinadas e outras não…
Esta vacina da varicela também perde “força”com os anos e ninguém sabe como será no futuro este vírus…
Mas temos que nos socorrer das armas ao dispor agora.
Relativamente à vacina do SARAMPO, há muito que existem boatos de associação com autismo ( sem fundamento científico), e há comprovadamente uma associação raríssima mas real com uma doença neurodegenerativa.
Mas é uma questão de custo-benefício.
O SARAMPO no nosso país estava ERRADICADO!
Eu só vi um caso, e foi a minha irmã, há mais de 30 anos.
Agora vivemos numa aldeia global, e esquecemos que os “micróbios” também viajam de avião.
Vejamos o que se está a passar com a HEPATITE A: há cerca de quatro décadas atrás e até há mais tempo, quase todos nós adquiríamos imunidade em crianças, com sintomas não muito graves ( “curados” com repouso e dietas) ou sem sintomas, e agora estamos na iminência de um surto…
A vacina existe em Portugal mas era das pouco consensuais, recomendada nas normas para viajantes para locais de alto risco…
E agora?
Relativamente à vacina da HEPATITE A, eu sempre a recomendei, pois sendo inativada ( passo a explicar: existem vacinas de vírus vivos atenuados, mais fracos, e existem outras de vírus mortos, e outras com partes importantes, por ex.de bactérias, suficientes para que as defesas sejam ativadas) os riscos de efeitos laterais são menores, e talvez tivesse sido algo sugestionada por casos de hepatite fulminante (que destrói o fígado), que vi no hospital há mais de uma década…
Relativamente às vacinas fora do PNV, sou de opinião que não deviam estar no mercado, pois colocam um ónus pesado no prescritor, que se orienta por normas, claro, mas que sabe também que nem todos os pais poderão comprar todas as vacinas.
Esta disponibilidade de vacinas que não é acessível aos bolso de todos os pais, é um caso de INJUSTIÇA SOCIAL flagrante.
“Ou para todos ou para ninguém”- devia ser a atitude de quem coloca vacinas ao dispor nos países!
Mas, claro, que é meu dever informar os pais e prescrever aquelas que acredito serem mais úteis para os meus meninos ( e como saber, se para algumas ninguém tem ainda a certeza, principalmente para certas idades?), embora tantas vezes sinta remorsos em o fazer, quando os pais perguntam ” o que é que a Doutora acha? Nós fazemos o melhor para o nosso filho!”, e eu sei que vai ser um sacrifício grande encontrar margem no orçamento familiar…
Quando a vacina ANTI-PNEUMOCÓCICA, foi incluída no PNV ( uns meses antes, dia 08 de março de 2015, tinha ido ao programa Bom dia Portugal da RTP1, apelar à comparticipação), senti um enorme alívio.
Não posso no entanto não tentar evitar uma doença numa criança que sigo na consulta, com a desculpa de não poder vacinar todas…
Quanto às vacinas do PNV, é uma total IRRESPONSABILIDADE não vacinar.
Estão incluídas doenças letais ( sem cura, como o tétano), e com sequelas graves…
Sobre o SARAMPO:
Há 30 anos, talvez nem fosse tão grave ( a criança estava de molho, com febre alta, os pais tinham de faltar, existiam as quarentenas…o que já era incómodo suficiente… O maior risco eram otites, pneumonias, diarreias e menos frequentemente convulsões e encefalites).
Atualmente, por exemplo em África o SARAMPO é uma doença mortal( sarampo fulminante), um flagelo, dado a malnutrição desses meninos. Neste continente os programas de vacinação são levados muito a sério pelas organizações de saúde.
E alguém sabe se este vírus do sarampo sofreu MUTAÇÕES, o que significa que está mais forte e que ninguém sabe como vai agir?
Estão principalmente em risco os bebés com menos de 12 meses, pois a vacina do sarampo ( dada com a da papeira e rubéola, chamada VASPR e já antecipada pois há poucos anos era dada aos 15 meses), é dada atualmente pelo ano de vida.
(De sublinhar que antes da administração os bebés deveriam comer ovo, pois a vacina tem vestígios de ovo e embora não muito elevado há um risco de alergia associado, mas em casos de surtos o mais importante é sempre proteger!)
Em risco estão também crianças e adolescentes com doenças que podem não estar diagnosticadas, com as defesas “em baixo”(imunodeprimidas) e principalmente adultos, com idade superior à da introdução da vacina no plano ( embora existam casos em adultos vacinados, o que pode estar relacionado com perda de memória vacinal para este vírus, e justifique reforços de mais doses) ou imunodeprimidos, seja por certas doenças crónicas, certos tratamentos ( ex. quimioterapia) e ainda os mais idosos e malnutridos.
Por tudo isto é necessário vacinar contactos:
A DGS já colocou em vigor a norma de vacinação a partir de 6 meses nos casos com contactos, ou tratamento protetor (imunoglobulinas) abaixo de de 6 meses.
Em avaliação está a possibilidade de vacinação de todos os bebés com mais de 6 meses, mas justifcar-se-à conforme a proporção dos casos leve a considerar não o surto mas a epidemia.
Até já não se vislumbra este cenário, mas a atualização é a todo o instante.
Dado os adultos vacinados poderem ter pelas suas doenças subjacentes conhecidas ou não maior risco, está em avaliação a possibilidade de quem tiver mais 40 anos poder ser vacinado.
Se tiverem tido contacto devem ser vacinados.
Já há uma morte a lamentar pelo sarampo, uma adolescente que alegadamente não foi vacinada, e respeitando obviamente os sentimentos dos pais, esta triste perda deve-nos servir de lição e fazer refletir sobre a atitude de NÃO VACINAR, de forma a preservar mais vidas em jogo.
Outros casos letais podem ocorrer ainda, se existir subjacente alguma vulnerabilidade não conhecida no sistema imunitário, ou o vírus pode efetivamente estar a assumir um comportamento mais virulento (agressivo).
Para já não sabemos.
Se Deus quiser não vai acontecer nada de excessivamente grave, e como em tudo, gerar alarmismo não leva a lado nenhum.
(Foi o que escrevi no artigo do jornal Público ” vírus Ébola: uma questão de sensibilidade e bom senso”, disponível online, 18-10-2014)
Não se prevê, repito, para já e segundo a DGS uma epidemia.
A DGS está atenta, foram emitidas como referi normas orientadoras em relação ao SARAMPO, e novas diretrizes podem surgir a qualquer momento conforme o rumo do número e gravidade de casos.
Estamos, felizmente, sublinho, em boas mãos no que diz respeito à excelência e rigor dos profissionais de saúde envolvidos na vigilância das doenças infeciosas.
Muitos céticos falaram da gripe A como uma invenção farmacêutica.
Ninguém pode afirmar ou desmentir.
Mas matou…
O vírus Ébola felizmente não assentou arraiais por cá, ou teria dizimado muitas vidas.
Em ambos os casos a DGS e os responsáveis pela vigilância epidemiológica foram extremamente zelosos.
Com as doenças não se brinca…
E com questões que implicam riscos para a saúde pública, também não.
Coloca-se agora a questão em cima da mesa da OBRIGATORIEDADE de vacinar.
Nunca surgiu, como disse, porque em Portugal o PNV era cumprido por todos, numa atitude consciente.
Com o risco iminente de surtos de doenças que estavam erradicadas, e cujas consequências são à data imprevisíveis, é de refletir se não será altura de mudar esta postura.
O próprio Bastonário, o Dr.Miguel Guimarães, abordou hoje esta possibilidade na sua entrevista nos meios de comunicação social.
Não serão salvaguardados os direitos à liberdade individual caso isso venha a acontecer?
O debate deve ser alargado e ponderado.
Importa principalmente sensibilizar para a importância da vacinação.
O superior interesse da criança tem de prevalecer, e neste caso, a defesa da saúde de todos…
Existem aliás países onde a vacinação é obrigatória, como na Alemanha.
Relativamente a sintomas de sarampo, para além de febre alta mantida e prostração ( uma grande apatia, a criança não quer brincar, só quer colo), olhos vermelhos e um quadro semelhante a constipação com tosse, surgem depois as manchas.
Mas é necessário manter a CALMA, pois o número de casos ainda é muito baixo (um total de 21 até hoje), e existem inúmeras doenças que se podem confundir com o sarampo ( como referi há um sinal específico que surge na boca, tipo borbulhas, manchas de Koplick, mas são difíceis de detetar).
As normas da DGS são claras e neste momento só com o conjunto de sintomas, o contacto com doentes e os exames se pode chegar ao “caso confirmado”.
A cobertura vacinal do sarampo é felizmente elevada em Portugal e confere imunidade de grupo.
Termino com o e-mail disponibilizado para informar a comunidade escolar: [email protected]
Espero ter ajudado a compreender o que está em questão, tentei usar uma linguagem menos médica.
Vânia Mesquita Machado